Plantas: usos terapêuticos, mezinhas e tradições

Artur Vieira de Jesus

Como é conhecido, desde tempos imemoriais que o Homem e a Natureza constituem realidades indissociáveis, que se entrelaçam e que interagem mutuamente. Portanto, não será inédito, obviamente, que, desde esses tempos bastante recuados na vida da Humanidade, se tenham utilizado, dentre os recursos naturais, várias espécies vegetais em situações bastante variadas, abrangendo (por exemplo) desde o regime alimentar até aos remédios para as mais variadas maleitas.

Esses casos foram uma constante ao longo dos séculos e em todos os lugares.

No caso específico das terras de Vila do Bispo e entre os, igualmente, muitos exemplos que poderíamos salientar neste domínio, sabemos que, por exemplo, no século XVIII, existiram matos de zimbro no interior da Praça de Guerra de Sagres1 e que ainda nos nossos dias aí florescem espécies como a malva e o tomilho.2

O eminente cronista algarvio, e lacobrigense, João Baptista da Silva Lopes, abordando, na sua importante Corografia (de 1841) o assunto das plantas com uso medicinal referiu a existência no Algarve de “…muitas e diversas plantas.”3 Informa-nos, ainda, o autor do facto de os boticários portugueses do seu tempo abastecerem-se delas no, então, Reino e que eram preparadas “…várias encommendas para Lisboa…”.4 No caso do território de Vila do Bispo, Silva Lopes destacou duas espécies:

- A Erva-Bicha (Aristoláquia), em Sagres e

- O Salepo, no Cabo de São Vicente.5

Num trabalho recente, da autoria de Joana Rodrigues6, que se debruçou especificamente sobre plantas de uso medicinal nesta zona do Algarve, foram identificadas 72 espécies diferentes, utilizadas em variadíssimas situações, a saber:

 

Nome Comum das Espécies e indicações terapêuticas7

  1. Abacateiro – chá para o colesterol

  2. Alecrim – chá para o coração

  3. Alfarrobeira – chá para a diarreia

  4. Alfavaca-de-cobra – coze-se a rama, ou fazem-se vapores para casos de hemorróidas

  5. Arrúdia – purificador

  6. Avenca – chá para a febre

  7. Bálsamo – usada em casos de constipação e febre

  8. Batata – usada em casos de febre

  9. Bela-luísa – chá para casos relacionados com o aparelho digestivo

  10. Borragem – chá para constipações

  11. Calafito – utilizada para curar inchaços

  12. Carqueja – chá para casos de colesterol, diabetes, constipações e gripes

  13. Catacuzes – chá para a diarreia

  14. Cebola – chá para constipações e tosse

  15. Cenoura – usada para situações de tosse

  16. Chá-do-médo - chá para casos relacionados com o aparelho digestivo

  17. Chapeuzinhos/Cachopos - utilizada para curar frieiras

  18. Chá-príncipe - chá para casos relacionados com o aparelho digestivo

  19. Diabelha – usada em problemas de anginas

  20. Erva-alcar - utilizada para curar inchaços e ferimentos

  21. Erva-cidreira - chá para casos relacionados com o aparelho digestivo, coração e utilizada como tranquilizante

  22. Erva-das-sete-sangrias – chá purificador do sangue

  23. Erva-de-Santa-Maria – utilizada em casos de dores auditivas

  24. Erva-de-São-Roberto – chá benéfico para o estômago e para o sangue

  25. Erva-formigueira - chá para casos relacionados com o aparelho digestivo

  26. Erva-das-feridas/Erva-Mercúrio/Erva-Tintureira – utlizada para sarar feridas

  27. Erva-montã - utilizada para curar inchaços e feridas

  28. Erva-pinheirinha – chá para problemas no aparelho urinário

  29. Erva-pobrezinha – chá para casos de diarreia

  30. Erva-terrestre – usada para constipações e tosse

  31. Erva-turca – usada em casos de queda de cabelo

  32. Esteva – chá para diarreia

  33. Estevão - usada em casos de queda de cabelo

  34. Eucalipto (folha) – uso em casos de constipação e gripe

  35. Fel-do-mato – chá para problemas do aparelho digestivo

  36. Figueira – uso em situações de tosse e de constipação

  37. Freixo – chá para o reumático e para casos de ácido úrico

  38. Hortelã – chá para o combate a lombrigas e para casos de indisposição

  39. Hortelã-pimenta - chá para problemas do aparelho digestivo

  40. Laranjeira/Laranjeira-azeda – chá utilizado em situações do foro nervoso

  41. Limoeiro – chá para constipações e tosse

  42. Louro- chá benéfico para aliviar estados de embriaguez

  43. Malva – utilização em problemas do aparelho digestivo e constipações

  44. Marcela – usada em casos de má disposição, diabetes e febres

  45. Marcela-mourisca – uso em situações de inchaço e feridas

  46. Marmeleiro – chá para baixar a tensão arterial

  47. Medronheiro – chá para o colesterol

  48. Memendro – usada em casos de dores de dentes

  49. Milho – chá benéfico para situações relacionadas com o aparelho urinário

  50. Nespereira – chá para reduzir o colesterol elevado

  51. Néveda - usada em casos de dores de dentes

  52. Nogueira – utilização em casos de queda de cabelo e para o fortalecimento do cabelo

  53. Oliveira - chá para baixar a tensão arterial

  54. Orégão – chá para casos de tosse e constipação

  55. Ortigões – utilizações em casos de problemas reumáticos

  56. Pepino-de-São-Gregório – utilizado para alívio de dores

  57. Pinheiro (manso e bravo) – chá para tosse e constipações

  58. Piteira – utilização para a cura de feridas e queimaduras

  59. Piteira-da-Índia/Figueira-da-Índia – utilização em casos de tosse convulsa

  60. Poejo – chá para casos de gripe, tosse e constipações

  61. Sabugueiro – utilização em situações de inflações da vista e de constipação

  62. Salva – chá para casos de indisposição e problemas de coração

  63. Sarguacinha – chá para situações de constipações, gripe e tosse

  64. Sempre-verde – chá para situações de obstipação

  65. Silvas – utilização em caos de dores de garganta e de anginas

  66. Tanchais/Erva-das-sete-linhas – chá para casos relacionados com o aparelho urinário

  67. Tasneira – utilização em casos de problemas infantis relacionados com a exposição das suas roupas à lua, durante a noite

  68. Tília – chá tranquilizante

  69. Tomate-da-Índia/Tomate-bravo/Figueira-brava – utilização em casos de infeção de pele

  70. Tremoço – utilização em casos diabéticos

  71. Uva-de-cão – utilização para alívio de dores variadas

  72. Zambujeiro/Zambujo – uso no combate a problemas de anginas

No curso do trabalho da mencionada investigadora, encontramos, igualmente, algumas mezinhas, como por exemplo:

  1. Para constipações: beber aguardente de medronho com mel e quente8

  2. Para as dores de ouvidos: colocar dentro um pouco de azeite morno9

  3. Para curar infeções externas: aplicar durante vários dias papas de argila, de Sagres e ligar com um pano10

  4. Para as queimaduras: colocar mel, ou mel com farinha de milho, ou ainda, fazer uma papa com argila e aplicar sobre a queimadura11

  5. Para a rouquidão: comer clara de ovo com um pouco de açúcar12

  6. Para dar força: comer um ovo com uma pinga de vinho13

  7. Para quem tem anemia e fraqueza: comer caracóis crus14

  8. Para as frieiras: envolver as mãos com estrume de vaca acabado de fazer, ou untar as mãos com petróleo e expô-las ao sol15

  9. No caso dos “desmanchos” (problemas ósseos): pode beber-se cerveja preta16

Não menos interessante é a simbiose entre as mezinhas e a espiritualidade católica romana que podemos encontrar em diversas e interessantes orações. Destacamos:

  1. Para os nervos e tendões fora do sítio:

A pessoa vai fazendo no ar a figura da cruz com a mão, por cima da zona afetada, à medida que diz a reza:

“Jesus que é Santo Nome de Jesus

De onde está o Santo Nome de Jesus

Não entra mal nenhum

Enquanto o Padre se veste e reveste e vai para o seu altar

Vão ossos, e nervos e tendões…que se vá curar

E que se vá curar em louvor de Deus e da Virgem Maria, e um Pai-Nosso e uma Avé-Maria

(benze-se, nessa altura, 9 vezes, dizendo 9 Pai-Nosso e 9 Avé-Maria)

Ofereço a Deus e à Virgem Maria que cure aquela pessoa doente

Ámen”

(Aldeia do Rogil, Concelho de Aljezur)17

  1. Para as Trovoadas:

“Eu ouvi uma trovoada

Encostei-me ao travisco

Bradei por Santa Barbara

Valeu-me Jesus Cristo”

“Jesus é berbo

Berbo é Deus

Filho da Madre de Deus

Deus para mim

Deus para vós

Nada esteja contra nós”

(Aldeia da Raposeira, Concelho de Vila do Bispo)18

Usos e costumes ancestrais que chegaram até aos nossos dias…recordamos, ainda, o caso de um pequeno rapaz, vindo de uma saída ao campo que, chegando a casa e sendo-lhe detetado, pela mãe, um carrapato19 a entrar pela pele, foi-lhe colocado azeite sobre o local e o incómodo parasita saiu…

A este respeito, não será despropositado, ou desinteressante fazermos uma ponte – aplicável a outras situações – entre o azeite enquanto elemento purificador no uso quotidiano e a sua valência simbólica em termos espirituais. Podemos aqui citar as situações da exorcização e dos ritos do batismo – no caso do Cristianismo católico-romano - em que este importantíssimo óleo vegetal, através do ato de unção, é um símbolo dos atributos do Espírito Santo20, enquadrando-se com as tradições e ensinos dos tempos bíblicos. Recordamos, a título de exemplo, aquando da construção do Tabernáculo do povo judaico que o Antigo Testamento, no livro do Êxodo, no capítulo 30, dedicou 12 versos ao azeite e à unção21.

1Sagres – do mar e do tempo”, coordenação de Natércia Magalhães e Rui Parreira, Faro, Ministério da Cultura/Delegação Regional de Cultura do Algarve, 2009, p. 15.

2Ibidem, p. 16 e 17.

3LOPES, João Baptista da Silva, “Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve”, Vol. I da edição fac-similada editada pela Algarve em Foco - Editora, Faro, 1988, p. 180.

4Ibidem, p. 181.

5Ibidem, p. 182.

6Plantas e Usos Medicinais Populares – Concelhos de Aljezur, Lagos, e Vila do Bispo”, textos de Joana Salomé Canejo Rodrigues, Coordenação dos Municípios de Aljezur, Lagos, Vila do Bispo, 2007.

7Ibidem, p. 10-81.

8Ibidem, p. 83

9Ibidem, p. 84.

10Idem, ibidem.

11Ibidem, p. 85.

12Ibidem, p. 87.

13Idem, ibidem.

14Idem.

15Ibidem, p. 88.

16Idem, ibidem.

17Ibidem, p. 91.

18Idem, ibidem.

19A vulgar Carraça.

20AIREY, Raje, CRAZE, Richard e O’CONNELL, Mark, “The ultimate illustrated guide to Dreams, Signs & Symbols”, London, Hermes House, 2007, p. 175.

21Livro do Êxodo”, capítulo 30.º e versos 22 a 33 in “A BÍBLIA SAGRADA contendo o Velho e o Novo Testamento, traduzida em Português por João Ferreira de Almeida”, edição revista e corrigida, Lisboa/Luanda/Maputo, Sociedades Bíblicas Unidas, 1968, p. 96.

 

Bibliografia

AIREY, R., CRAZE, R. & O’CONNELL, M. (2007) The ultimate illustrated guide to Dreams, Signs & Symbols. London: Hermes House.

ALMEIDA, J. Ferreira de (tradução) (1968) – Livro do Êxodo, capítulo 30.º e versos 22 a 33 in A Bíblia Sagrada, edição revista e corrigida. Lisboa/Luanda/Maputo: Sociedades Bíblicas Unidas.

LOPES, J. Baptista da Silva (1988) Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve, 1. Faro: Algarve da edição fac-similada editada pela em Foco - Editora, Faro.

RODRIGUES, J. S. Canejo (2007) –Plantas e Usos Medicinais Populares – Concelhos de Aljezur, Lagos e Vila do Bispo. Aljezur, Lagos, Vila do Bispo: Municípios de Aljezur, Lagos, Vila do Bispo.

MAGALHÃES, N. & PARREIRA, R. (coord.) (2004) – Sagres – do mar e do tempo. Faro: Ministério da Cultura/Delegação Regional de Cultura do Algarve.

 

Fig. 1 - Entre Burgau e a Boca do Rio – aspeto da paisagem. Foto de Artur de Jesus.

Fig. 2 - Funcho e Figueiras. Foto de Artur de Jesus.

Fig. 3 - Mato de Estevas em Vila do Bispo. Foto de Artur de Jesus.

 Fig. 4 - A flor da Esteva”. Foto de Artur de Jesus.

Fig. 5 - Funcho pronto para um chá. Foto de Ricardo Soares.