Área Urbana de Sines

Freguesia/Concelho:Sines (Sines)

Localização: 37°57'16.06"N; 8°52'1.11"W (C.M.P. 1:25000, Folha 515 A)

Cronologia:Época Romana, Alta Idade Média e Baixa Idade Média

Sines Romana

Foi na época romana que ocorreu a primeira ocupação estável e prolongada de Sines, mais precisamente na área do castelo.

Em 1990-91, escavámos no Largo João de Deus, terreiro situado imediatamente a oriente do castelo de Sines, uma oficina de preparados de peixe (Oficina 1A) construída, muito provavelmente, em meados ou na segunda metade do século I. De planta rectangular, com 10 m de comprimento (segundo a direcção aproximadamente este-oeste) e 6 m de largura, esse edifício fabril era murado e possuía sete tanques de salga organizados em U, ladeando um pátio rectangular (5,8 x 2,4 m) que comunicava, a sul, com o exterior. Os tanques ofereciam planta rectangular ou quadrangular e a sua capacidade variava entre cerca de 1,5 m3 e 8 m3, sendo o total da capacidade produtiva instalada de cerca de 35 m3. Quer os tanques, quer o pátio eram revestidos por argamassa impermeável de gravilha, cal e areia e sem fragmentos de cerâmica, exactamente como o revestimento que ocorre nas fábricas de salgas do estuário do Sado datadas do Alto Império. Pelo menos uma parte da Oficina 1A, a que correspondem os tanques I, II e VII, foi desactivada nos finais do Alto Império. Os tanques I e II conservavam ainda os restos da última produção de salga que embalavam abundante sigillata hispânica e africana A.

Sobre os derrubes que cobriram a camada correspondente ao último momento da produção de preparados de peixe do Alto Império, teve lugar nova ocupação, datável do século IV.

No topo do enchimento dos tanques I e II surgiram estruturas de combustão e um piso de terra batida. É possível que durante esta fase, os tanques do lado oeste da antiga oficina (III, IV, V e VI) tenham voltado a funcionar: teríamos, assim, no Baixo Império, uma oficina de produção de salgas de peixe de dimensão inferior à dos séculos I e II; a restante área da primitiva oficina, sobretudo o seu lado nascente, teria dado lugar a um espaço doméstico. À mesma fase baixo-imperial, e muito provavelmente associada às estruturas domésticas referidas, pertence um forno de cozer pão que a nossa escavação descobriu a cerca de 2 m para norte da oficina de preparados piscícolas. Possui planta subcircular, com 1,8 m de diâmetro externo e 1,1 m de diâmetro interno; é aberto a nascente; conservava um piso de tijoleiras com evidentes sinais da acção do fogo e o arranque da abóboda.

Trabalhos de 1961 haviam exumado uma outra oficina (Oficina 1B) de preparados de peixe a cerca de 20 m para NNE da que nós escavámos em 1990-1991.

Foi dada a conhecer através de curtíssima nota publicada trinta e cinco anos depois da sua descoberta. Tendo sido enterrada após a escavação sem qualquer sinalização à superfície ou localização precisa, viria a ser afectada pela abertura de uma vala destinada à implantação de colector de saneamento, como pudemos constatar em Agosto de 1997, aquando de trabalhos de arranjo paisagístico do Largo João de Deus, que a exumaram de novo. Tivemos então oportunidade de a analisar e de proceder ao seu levantamento planimétrico. Este não coincide exactamente com a planta esquemática anteriormente publicada. As diferenças observadas não podem ser apenas imputadas aos estragos provocados pelas obras de saneamento. Um dos tanques rectangulares, com 0,75 m de largura, surge na referida planta esquemática como quadrangular, com cerca de 1,9 m de lado. Esta oficina apresentava-se, já em 1961, muito destruída: todo o seu lado nascente tinha desaparecido. O que chegou até nós apresenta uma planta em U, com os tanques ladeando, a norte, oeste e sul, um pátio que seria certamente rectangular (largura 4,6 m; comprimento indeterminado), destruído do lado este. Todo o conjunto conservado se encontra murado e possui 10 m segundo a direcção, aproximadamente, norte-sul. Os tanques são rectangulares (o maior com 2,6 x 2,1 m e o mais pequeno com 1,2 x 0,6 m) e revestidos por argamassa de brita, cal e areia, sem cerâmica, à excepção de um dos mais pequenos, do tramo sul, que oferece um opus signinum de cor rosada, com cerâmica moída.

No que concerne ainda à técnica construtiva, é de assinalar a enorme diferença entre as duas oficinas (cronologias distintas? diferentes proprietários?). Este segundo edifício fabril mostra uma execução muito mais cuidada do que a da Oficina 1A que escavámos em 1990-1991. Possui blocos de menores dimensões e de talhe regular, ligados por abundante argamassa (na outra predomina a argila). Infelizmente, desconhecemos as datas da construção e abandono da Oficina 1B, escavada em 1961: dessa intervenção não ficou conservado qualquer testemunho e a respectiva publicação não alude à cronologia nem ao espólio exumado.

Importa ainda referir, como pertencente a este complexo de produção de salgas de peixe, o seu núcleo mais oriental (Oficinas 2A-2D), que estaria separado do primeiro por um pequeno barranco, sobre o qual assentou a estrada que presentemente dá acesso à praia.

Com efeito, a cerca de 60m para nascente do Largo João de Deus, sobre uma faixa de terreno limitada a sul por talude que cai em socalcos sobre a praia Vaso da Gama, vencendo um desnível de cerca de 30m, identificámos e escavámos em 2002 um outro núcleo industrial de produção de preparados piscícolas constituído por três oficinas (Coelho-Soares e Tavares da Silva, 2004). Estas apresentavam-se muito destruídas, sobretudo em altura, por terem estado expostas durante um período de tempo certamente dilatado, durante o qual foi desmontada a maior parte dos elementos pétreos que as integravam.

Deste modo, de um modo geral, os muros foram, quase sempre, destruídos até à base dos alicerces. Mas, como para a sua implantação a rocha havia sido cortada quer na vertical, quer na horizontal, sendo abertas trincheiras rectilíneas e muito regulares, foi-nos possível reconstituir as plantas (no todo — caso da Oficina 2B — ou em parte) dos diversos conjuntos construídos. Foram, assim, identificadas três oficinas de preparados piscícolas da época romana, designadas por letras maiúsculas, de oeste para este. Como atrás dissemos, só a Oficina 2B revelou a totalidade da sua planta. Estas oficinas situavam-se em socalcos dispostos ao longo da vertente litoral que actualmente é atravessada pela estrada que liga o Largo João de Deus à marginal da Praia Vasco da Gama.

A Oficina 2A estendia-se para NW, sob a Rua Ramos da Costa. De orientação SSW-NNE (tal como todas as restantes estruturas romanas postas a descoberto), a Oficina 2A possuía planta quadrangular ou rectangular, tendo sido escavada na sua metade este; era delimitada por um muro de que resta somente a respectiva vala de fundação, com cerca de 0,50m de largura e 0,15-0,20m de profundidade, cortada na rocha. Os tanques organizavam-se em L ou em U, em torno de um pátio, totalmente destruído, tendo chegado até nós apenas a rocha cortada. Esta sobrelevava-se em relação ao plano do fundo dos tanques (desnível de cerca de 0,40m). Dos quatro tanques identificados (reduzidos apenas ao fundo em formigão — brita ligada por cal e areia), três permitem conhecer a respectiva área. Todos eles conservavam vestígios de moldura em meia cana existente na ligação do fundo às paredes.

A Oficina 2B possuía um pátio rectangular, descentrado, ocupando o quadrante sudoeste, com cerca de 4m por 2,5m, tendo chegado até nós apenas um pequeno fragmento do seu pavimento, de formigão, o qual era provido de meias canas convexas nos limites confinantes com as paredes, já desaparecidas; seria provavelmente aberto a oeste, visto o seu lado sul ser sobranceiro ao talude, e os seus lados norte e este confinarem com tanques de salga. Estes, cujos testemunhos estavam reduzidos ao fundo e a fragmentos do revestimento (em formigão) interno dos muros, possuíam moldura em meia cana na ligação do fundo às paredes e formavam um conjunto de quatro, dispostos em L.

Da Oficina 2C, foram identificados dois tanques e um troço do alicerce e do cabouco cortado na rocha do muro que a delimitava a leste. Este muro teria cerca de 0,60m de largura e orientação SSW-NNE. Os dois tanques, reduzidos ao fundo, de formigão (sem cerâmica), e à base do murete que os separava (0,20m de espessura), são rectangulares (cada um deles com 0,90x2m) e teriam resultado da divisão de um tanque preexistente de planta quadrangular (2m de lado), com os cantos arredondados. Os dois tanques possuíam moldura em meia cana, também de formigão, na ligação do fundo com as paredes.

Há a acrescentar a Oficina 2D, cujos vestígios foram postos a descoberto pela limpeza do talude que limita a sul a área por nós intervencionada, talude que é sobranceiro à Estrada do Castelo para a Praia, e onde são visíveis os alçados de três tanques de salga (comprimento indeterminado; largura 1,3m; profundidade máxima observada 1,8m). A maior parte da Oficina 2D foi destruída quando da abertura daquela via.

A ausência de níveis arqueológicos conotados com a fase de construção das oficinas de produção de preparados de peixe da Rua Ramos da Costa impede-nos de determinar com rigor a data da fundação deste conjunto fabril. Porém, a presença do formigão que revestia o interior dos tanques, sem fragmentos de cerâmica e somente com brita ligada por cal e areia, permite-nos admitir que essa construção tenha ocorrido durante o Alto Império. De qualquer modo, as Oficinas 2A e 2B teriam sido contemporâneos, visto possuírem a mesma orientação e paredes comuns.

No que se refere ao abandono, foram detectados dois momentos distintos: um, no século II, forneceu sigillata africana A (forma Hayes14A) associada a cerâmica comum de pasta bege; outro, no final do século IV/primeira metade do século V, representado pela Camada 2 dos Tanques 2 e 4 da Oficina 2B e do Compartimento M19, nível que, repousando directamente sobre os respectivos pavimentos, ofereceu sigillata clara C (forma Hayes 67/71) e D (forma Hayes 62A) e ânforas Almagro 51c (variante C da classificação das ânforas do Pinheiro — Mayet & Tavares da Silva, 1998).

Outros achados ocasionais, da época romana, no centro histórico de Sines (alguns de carácter funerário provenientes da Praça Tomás Ribeiro) encontram-se expostos no Museu Arqueológico Municipal.

Na construção do castelo, foram reutilizadas cantarias e outros elementos pétreos de interesse para o estudo da povoação de Sines durante a Antiguidade Clássica. Um deles, que fazia parte do cunhal da torre rectangular NE, representa um "monumento de excepcional importância", no dizer de José d'Encarnação que lhe dedicou um estudo preliminar (Encarnação, 1998). Trata-se de um pedestal paralelepipédico, com 96,5 cm de altura, 54,5 cm de largura e 41,5 cm de espessura, de uma estátua de Marte, em mármore, em cuja face anterior se observa uma inscrição latina, já muito apagada, que refere ter sido essa estátua mandada erguer por disposição testamentária de um sacerdote encarregado do culto imperial. A partir deste achado, José d'Encarnação conclui: "[ ... ] se partirmos do princípio, que se me afigura pacífico, de que o material reutilizado no castelo de Sines procede do reaproveitamento de antigas edificações aí existentes, a peça provém do aro da Sines actual. Na época romana, ali havia, por conseguinte, um espaço público (hesitarei em dar-lhe um nome enquanto outros vestígios arqueológicos não forem postos a descoberto) onde esta estátua e outras quiçá pudessem ser apresentadas. A hipótese do templo é viável, não há dúvida, tanto mais que é deveras excepcional o espólio arquitectónico visigótico achado na zona urbana, a indicar uma continuidade de tradição religiosa; mas seria talvez mais natural que um texto assim, com dedicatória semiparticular, figurasse no exterior, numa praça. E praça suficientemente digna e movimentada para nela ser mostrada a estátua marmórea do deus da guerra, a relembrar também o poder – simultaneamente sagrado e militar - do imperador romano” (Encarnação, 1998).

Em suma, na área do castelo de Sineslocalizou-se um núcleo de ocupação romana, provavelmente de carácter portuário, em estreita relação com a cidade de Miróbriga, apenas a 17 km para o interior.

De referir, a propósito da navegação no litoral de Sines durante a época romana, o aparecimento de dois cepos de âncora, de chumbo, com 80,4 kg e 96,5 kg, em São Torpes, a 150 m da costa. Este achado, relacionável com naufrágio(s), ilustra as dificuldades de navegação na costa alentejana e ajuda a compreender o aproveitamento portuário da baía de Sines, mau grado o seu limitado interesse com mau tempo de sudoeste. O carácter marítimo da economia de Sines é reforçado pela importância detida pela pesca e correlativa actividade de transformação de pescado. No que poderia ser a extremidade oriental do núcleo urbano, instalou-se um complexo de produção de preparados piscícolas em laboração desde meados/segunda metade do século I. Na área actualmente ocupada pelo castelo, as camadas de ocupação romanas foram intensamente erodidas e perturbadas pelas ocupações subsequentes. O monumento epigráfico dedicado a Marte, reutilizado na construção da cerca tardo-medieval, parece documentar o carácter público e monumental daquele espaço. A sudoeste do castelo, na actual Praça Tomás Ribeiro, terá existido uma necrópole, a qual poderia marcar um dos limites do núcleo urbano. O agro da Sines romana parece ter-se localizado no maciço dos Chãos, de acordo com a escassa informação disponível. Em Monte Novo, na encosta sul dos Chãos, encontrámos materiais da época romana do Alto Império, muito embora nenhum estudo dirigido para essa ocupação tenha sido prosseguido. Na encosta norte dos Chãos, realizámos sondagens em uma villa muito destruída, onde ainda se identificaram uma calçada e restos de um hipocaustum. Esta foi ocupada desde o século I, mas com um óptimo centrado no século IV e primeira metade de século V (Coelho-Soares, 1987). Muito provavelmente em correlação com a villa da Courela dos Chãos, terá estado a necrópole de incineração da Feiteira de Cima, a menos de 500 m de distância daquela. A necrópole da Feiteira, muito destruída pelas lavouras, não chegou a ser objecto de escavações arqueológicas. Materiais aí recuperados sugerem uma cronologia do Alto Império.

Nos finais do século II, regista-se o declínio da actividade de produção de salgas e molhos de peixe em Sines, mais precisamente na Oficina 1A, por nós escavada em 1990-1991. A partir desse momento, a ilha do Pessegueiro especializa-se naquela actividade. É possível que a ilha do Pessegueiro, durante o Baixo Império, se encontrasse na dependência de Sines, substituindo-se a esta na produção de salgas, face às vantagens decorrentes da sua maior proximidade e melhor acessibilidade aos pesqueiros (Tavares da Silva & Soares, 1993).

Período Visigótico

As camadas superiores da sequência estratigráfica revelada pela escavação que

efectuámos em 1990-1991 no Largo João de Deus ofereceram abundante espólio atribuível ao período compreendido entre o século V e o século VII.

Aquelas camadas, correspondentes a um depósito de lixeira (C. 1B) e a um paleossolo (C. lA), assentavam sobre os níveis de derrube (Cs. 2A - 2C) que cobriam as estruturas correspondentes à última utilização da oficina de preparados de peixe durante o Baixo Império. Do espólio das camadas superiores são de destacar as sigillatas africanas D e, no que se refere à cerâmica comum, as peças fabricadas manualmente ou ao torno lento e cozidas em ambiente redutor de que a forma mais frequente é a panela de bojo globular e bordo revirado para fora, fazendo lembrar recipientes da Idade do Ferro. No nível de lixeira (C. 1B), as conchas de moluscos marinhos encontravam-se muito bem representadas, principalmente através da espécie Thais haemastoma (púrpura).

Este estrato da época visigótica foi igualmente identificado no interior da cerca, através quer da Sondagem C, efectuada junto do pano nascente da muralha, quer da escavação da "Casa do Governador". Aí encontraram-se elementos que, embora ainda em estudo, apontam para a existência de ocupação de carácter doméstico.

A nossa intervenção na alcáçova revelou vários elementos arquitectónicos reutilizados nas paredes das construções tardo-medievais, os quais irão ficar conservados in situ. Estes elementos vêm somar-se às numerosas pedras lavradas extraídas das muralhas do castelo de Sines por José Miguel da Costa e atribuídas por Fernando de Almeida a "uma basílica visigótica de muita importância", templo que, segundo o mesmo autor, teria sido erguido no século VII talvez no local onde hoje se encontra a igreja matriz (Almeida, 1968).

As pedras visigóticas de Sines, lavradas, na sua maioria, em "mármore" de São Brissos, representam um dos conjuntos "de maior interesse do país, não só pelo número, como pela qualidade do trabalho, dos relevos e ainda pela variedade das formas. São capitéis, ábacos, pilastras, placas de cancelas, colunas, frisos, um fragmento de mesa de altar, etc. São todas da mesma época, século VII, conforme nos revelam os motivos e a técnica usados. Podemos, sem receio, incluí-las no tipo das de Beja, portanto emeritenses. Devemos acentuar que as de Beja nos mostram, aqui ou ali, um trabalho mais erudito, o que é natural dada a categoria de Pax Julia não só sob o ponto de vista administrativo, como religioso (Almeida, 1968, p. 18).

A confirmar a ocupação de Sines durante a época visigótica, Fernando de Almeida refere três trientes desse período aí encontrados; descreve um deles, do rei Sisebuto, que reinou de 612 a 621 (Almeida, 1968, p. 19-20).

Baixa Idade Média. Ocupação anterior à Construção do Castelo

A abertura da Sondagem A, no interior da cerca, revelou um estrato de ocupação datado da Baixa Idade Média e anterior à construção da muralha ocidental do castelo. Com efeito, a camada 3 corresponde a uma lixeira, rica em conchas de moluscos marinhos, ossos de mamíferos, fragmentos de recipientes cerâmicos e carvão. Ter-se-á formado na segunda metade do século XIV ou mesmo nos inícios do século XV. Esta cronologia é sugerida pelo conjunto das cerâmicas de que se destacam um prato fundo esmaltado a branco, com decoração azul-turquesa e pasta bege, talvez valenciano, e uma taça de bordo polilobado e pé em anel, com o interior esmaltado a branco e a pasta bege, peças atribuíveis à segunda metade do século XIV. Porém, a presença de um prato de bordo pendente, obriga-nos a avançar a cronologia da lixeira para os finais desse século/inícios do século seguinte. Toda a cerâmica comum forma um conjunto com estreitos paralelos no material proveniente da camada 7 da Rua de Nenhures (Palmela), cuja data coincide com a que propomos para Sines (Fernandes & Carvalho, 1997).

É de realçar o facto de a camada 3 da Sondagem A ter sido sobreposta pelas fundações da muralha poente, pelo que a cronologia sugerida representa um terminus post quem para a sua construção.

As fontes escritas corroboram a informação arqueológica. Sines, doada por D. Afonso III à Ordem de Santiago, obtém autonomia administrativa no reinado de D. Pedro (24 de Novembro de 1362). Nesta data, a então aldeia de Sines passava a vila, tendo pela frente a tarefa de construir uma cerca amuralhada: "D. Pedro pela graça de Deus, Rey de Portugal e do Algarue Aquamtos esta carta ujrem faço saber que os Homees Boos de Sines me enujarom dizer que se fosse mjnha mercee de os fazer jsentos da sugeiçom de Santiago de Cacem cuja aldea era e que fosse ujlla per ssy que elles se queriam cercar e fazer aquelle muro que ora hi he compeçado [...]" (Soledade, 1990, p. 31). Porém, nos finais do século XIV, Sines continuava a não possuir castelo.

D. João I, em 1395, acolhendo favoravelmente a petição dos moradores de Sines, isenta-os de servirem em qualquer fronteira do reino em atenção ao facto de serem poucos para defenderem a vila, destituída de qualquer fortificação: "[...] estaa em porto de maar e que na dita Villa nom há Castello nem çerco nehuu em que se possam defender aos jmiguos.” (Soledade, 1990, p. 34).

Os muros 3 e 5 da Sondagem B, o primeiro cortado transversalmente pela construção da torre circular da "Casa do Governador" e o segundo coberto parcial e longitudinalmente pelo muro 4 (contemporâneo da torre), correspondem provavelmente à ocupação do período baixo-medieval anterior à construção do castelo.

Deste modo, após a ocupação visigótica, o local foi abandonado durante, pelo menos, cinco séculos. Só voltaria a ser reocupado durante a Baixa Idade Média; inicialmente seria um pequeno povoado aberto, onde, apesar da presumível modéstia, chegaram cerâmicas finas, importadas, nomeadamente de Valência, revelando actividade comercial, certamente marítima.

Construção do Castelo de Sines

Verificámos anteriormente, através da Sondagem A, que o alicerce do pano oeste da muralha assentava sobre nível de lixeira datável da passagem do século XIV para o XV.

A Sondagem B, realizada na área da torre circular que guarnecia a esquina sudeste da "Casa do Governador", revelou a existência de um pavimento de cal e areia correspondente à fase de construção daquela. A data da camada que assentava directamente sobre ele, atribuível à segunda metade do século XV, dá-nos um terminusante quem para essa estrutura, mostrando igualmente que ela deve ter feito parte do projecto construtivo inicial do castelo. A camada subjacente ao pavimento atrás referido não forneceu material arqueológico tipologicamente significativo.

A Sondagem C, aberta junto da face interna do pano nascente da muralha, pôs a descoberto um piso de argamassa que prolongava o reboco da face interna do amuralhado e se encontrava ao mesmo nível que o topo do seu alicerce. Correspondia, pois, ao momento final da construção desse pano de muralha. A camada que assentava directamente sobre esse piso era de natureza coluvionar; parece ter-se formado na segunda metade do século XV ou/e nas primeiras décadas do século seguinte, pois forneceu fragmentos de pratos de lábio pendente com a superfície interna vermelha e brunida; panelas de colo cilíndrico; pratos esmaltados a branco, de pasta bege e de fundo exterior côncavo; faiança esmaltada a branco e decorada a azul-cobalto.

A cronologia deste nível marca um terminus ante quem para a construção da muralha.

Concluindo, a partir da informação arqueológica, é aceitável supor que o Castelo de Sines tenha sido construído durante a primeira metade do século XV.

As sondagens efectuadas no interior do recinto amuralhado revelaram-nos ainda alguns aspectos de carácter arquitectónico que importa referir.

No que diz respeito às técnicas construtivas, o alicerce do pano oeste da muralha, na zona da Sondagem A, possui uma altura de apenas 0,5 m e é formado por duas a três fiadas de blocos rolados, ligados por argila; talvez para compensar a pouca altura, o alicerce desenvolvia-se, para o interior da área fortificada, em sapata, com cerca de 0,7 m de largura, também constituída por blocos rolados ligados por argila.

O pano oriental (Sondagem C) possui um alicerce, constituído por blocos de gabro-diorito não aparelhados, que atinge cerca de 0,7 m de altura e assenta sobre o substrato geológico, de argila amarelada; para a sua construção foi aberta uma vala que cortou níveis de ocupação das épocas romana e visigótica; a parte agora enterrada da face interna da muralha, acima do alicerce, conserva ainda um reboco de cor branca, de cal e areia; na parte actualmente sub-aérea, o reboco desapareceu por completo, por acção da erosão eólica e pluvial.

Como referimos anteriormente, a abertura da Sondagem B pôs a descoberto a parte inferior de uma torre circular, oca, com 3 m de diâmetro interno e 5 m de diâmetro externo, a qual guarnecia a esquina sudeste da "Casa do Governador". Foi construída com blocos irregulares, de gabro-diorito, ligados por abundante argamassa, e o seu alicerce, ligeiramente mais largo do que a parte sub-aérea, assentava sobre o substrato geológico, de argila amarela. A mesma sondagem revelou dois muros que teriam integrado um edifício levantado aquando da construção da torre, e que a esta se encostava tangencialmente. O muro oeste, de blocos de gabro-diorito, ligados por abundante argamassa, foi reutilizar, como alicerce, um outro muro, constituído por blocos ligados por argila (m. 3) e cortado transversalmente pela torre. O muro norte (m. 4) do mesmo edifício, constituído também por blocos de gabro-diorito não aparelhados, parece estar em conexão com um piso de cal e areia existente ao nível do topo do alicerce da torre, o que pode indicar que esta e o muro 4 foram construídos no mesmo período. Assim, durante o século XV, o actual e amplo terreiro intramuros, situado a sul da "Casa do Governador", estaria, pelo menos em parte, edificado. A mais antiga representação do castelo, da segunda metade do século XVI, é muito esquemática, completamente omissa no que respeita ao espaço intramuros. Os edifícios ainda hoje aí conservados são, porém, à excepção da "Casa do Governador", posteriores ao século XVI, como as nossas sondagens mostraram.

O Castelo de Sines teria, pois, surgido na primeira metade do século XV, para defender, das investidas dos corsários, uma povoação de economia essencialmente marítima. Documentos escritos apontam claramente para tal razão. Tenham-se, por exemplo, presentes as determinações de D. Fernando, em 1367, período anterior à construção do Castelo de Sines, no sentido da conveniente defesa das povoações litorais contra as "perigosas galés de corso (Soledade, 1990, p. 33). O desenvolvimento de Sines no final da Idade Média fica, pois, bem patente no importante investimento que a construção do castelo representou.

Resumindo, a evolução do núcleo urbano de Sines oferece, em traços gerais, afinidades com a do povoamento de Setúbal, que desejamos sublinhar: Sines é habitada durante a época romana, sendo, provavelmente, a indústria de preparados de peixe a sua principal actividade económica; mantém-se ocupada durante o período visigótico, possuindo então um templo, sem dúvida importante; segue-se uma fase de grande declínio, talvez mesmo de completo abandono, que abrange o período muçulmano; renasce na Baixa Idade Média e, na primeira metade do século XV, passará a ser defendida por uma fortificação. Este castelo (tal como a primeira cintura de muralhas que foi construída pela população de Setúbal) surge não ao serviço de um poder senhorial, como sucedera em Santiago do Cacém ou em Palmela, mas sim para defender as riquezas de um burgo que desabrochava, anunciando uma nova ordem económica e social associada ao movimento de ascensão da burguesia.

Bibliografia:

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Carlos Tavares da Silva

Joaquina Soares

Antónia Coelho-Soares

 

Fig. 1 – Localização na área urbana de Sines das oficinas romanas de produção de preparados de peixe até agora identificadas.

Fig. 2 – Vista geral da escavação da Oficina 1A.

Fig. 3 – Escavação da Oficina 1A.

Fig. 4 – Aspecto geral da Oficina 1A.

Fig. 5 – Planta da Oficina 1A.

Fig. 6 – Perfil estratigráfico dos tanques I e II da Oficina 1A.

Fig. 7 – Oficina 1A. Em primeiro plano, corte estratigráfico no tanque I.

Fig. 8 – Oficina 1A. Estruturas de habitat construídas no Baixo Império sobre o enchimento dos tanques I e II.

Fig. 9 – Espólio cerâmico, dos finais do Alto Império, proveniente dos níveis de abandono da Oficina 1A.

Fig. 10 – Forno de cozer pão da época romana, localizado junto da Oficina 1A.

Fig. 11 – Oficina 1B.

Fig. 12 – Planta da Oficina 1B.

Fig. 13 – Planta das Oficinas 2A e 2B.

Fig. 14 – Aspecto geral das Oficinas 2A e 2B.

Fig. 15 – Tanque da Oficina 2B.

Fig. 16 – Em primeiro plano, Oficina 2A; em segundo plano, Oficina 2B.

Fig. 17 – Perfil estratigráfico do enchimento do tanque 2 da Oficina 2B.

Fig. 18 – Espólio cerâmico proveniente do nível de abandono do tanque 2 da Oficina 2B.

Fig. 19 – Vestígios de cetárias da Oficina 2D.

Fig. 20 – Pilastra da época Visigótica proveniente das muralhas do Castelo de Sines.

Fig. 21 – Castelo de Sines. Sondagem A (aberta no interior do castelo). Atenda-se ao alicerce da muralha, constituído por grandes blocos de gabro-dioritico.

Fig. 22 – Castelo de Sines. Sondagem A. Cerâmica proveniente de nível de lixeira de finais do século XIV anterior à construção da muralha do castelo.

Fig. 23 – Castelo de Sines. Sondagem A. Cerâmica proveniente de nível de lixeira de finais do século XIV anterior à construção da muralha do castelo.

Fig. 24 – Castelo de Sines. Sondagem B. Estruturas postas a descoberto, destacando-se uma torre circular (m.1), datável da primeira metade do século XV, que guarnecia a esquina sudeste da “Casa do Governador”.

Fig. 25 – Castelo de Sines. Sondagem B.

Fig. 26 – Planta do Castelo de Sines (Lisboa, Direcção dos Serviços de Engenharia do Exército, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, cota 3567, p. I e III). Este documento mostra que, durante o século XVII, a torre circular que defendia a entrada da “Casa do Governador” ainda não havia sido demolid