Medo Tojeiro

Freguesia/Concelho:São Salvador (Odemira)

Localização: 37°38'4.98"N; 8°48'36.26"W (C.M.P. 1:25000, Folha 552)

Cronologia: Mesolítico e Neolítico Antigo

Os depósitos conquíferos de origem antrópica exclusivamente constituídos por restos de invertebrados marinhos, indicando actividade económica especializada na recolecção de marisco, ocorrem, na Costa Sudoeste, a partir da transição do Paleolítico superior para o Epipaleolítico (Pedra do Patacho) e prolongam-se, sob a forma de verdadeiros concheiros, pelo Mesolítico (Castelejo) e Neolítico antigo (Medo Tojeiro) e atingem o Calcolítico (nível superior de Montes de Baixo e ETAR de Vila Nova de Milfontes) e a Idade do Bronze (Praia da Oliveirinha). Nota-se, porém, que a partir do Calcolítico, os níveis conquíferos oferecem fraca espessura.

O concheiro de Medo Tojeiro situa-se sobre área aplanada coberta por dunas móveis e assenta sobre espessa camada de areias eólicas, à cota de 50 metros e junto da arriba. No Medo Tojeiro, como em todo o litoral alentejano a sul de Vila Nova de Milfontes, a costa é alcantilada, com pequenas reentrâncias onde, por vezes, se formam praias rochosas, como a da Lapa das Pombas, nas proximidades da jazida. Esta praia poderia ter oferecido no Neolítico, como ainda hoje, óptimas condições para a recolecção de marisco. As nascentes de água doce são abundantes, surgindo na arriba, na base de camada de areia amarelada, com níveis alióticos intercalados. Esta camada plistocénica atinge a espessura de 20 metros e repousa sobre nível de cascalheira de praia quaternária que, por sua vez, assenta directamente sobre xistos do Carbónico.

As escavações arqueológicas luso-canadianas aí realizadas (sob a nossa direcção e a de David Lubell) mostraram uma sequência estratigráfica fornada por nlveis ricos em conchas, alternando com níveis arenosos onde aquelas escasseavam. O estado pouco fragmentado das conchas e a existência de significativas variações laterais dos componentes da fauna sugeriram formação rápida das camadas, sem evidentes vestígios de pisoteamento e de outras perturbações. O espólio exumado foi muito escasso. A fauna era constituída exclusivamente por restos de invertebrados marinhos. Todos estes aspectos sugeriram-nos a ocorrência de sucessivas ocupações descontínuas e de curta duração, em épocas bem determinadas do ano (Primavera e/ou princípios do Outono) (Tavares da Silva, Soares & Penalva, 1985).

A camada mais profunda do concheiro, C. 4, ofereceu, por análise radiocarbórtica de conchas de moluscos marinhos, a data de 6820 ± 140 (BM 2275 R), ou seja, 6440± 140, uma vez corrigida para o efeito de reservatório oceânico; calibrada a 2 sigma: 5590-5067 cal BC.

A indústria lítica reparte-se por macroutensílios elaborados a partir de seixos rolados de grauvaque (seixos afeiçoados e lascas não retocadas) e por escassos artefactos de silex e quartzo (lamelas, buril, entalhe, trapézios de base menor retocada). Há a destacar o aparecimento de um machado de pedra polida, de talão picotado, na C. 1 No que se refere à cerâmica, igualmente rara e repartida por toda a sequência estratigráfica, há sobretudo a assinalar a presença de um fragmento com bordo pertencente a um vaso de forma ovóide, decorado por mamilo e cordão horizontal segmentado por impressões.

A fauna está representada principalmente por conchas de moluscos marinhos, estando ainda presentes crustáceos (Pollicipes pollicipes) e equinodennes (ouriço do mar). Dominam as conchas, em geral de grandes dimensões, pertencentes ao género Mytilus, seguidas das do género Patella. Em todas as camadas surgiram ainda, secundariamente, as espécies Thais haemastoma e Monodonta lineata. Todas as formas dominantes são marinhas de fácies rochosa (o Thais haemastoma, de largo espectro ecológico, sem significado biocenótico preciso, oferece, por vezes, fácies sedimentar); quanto ao optimum batimétrico, ocorrem nos andares mediolitoral (Patella, Monodontalineata e Mytilus) e infralitoral superior (percêve, Patella,Thais haemastoma, Mytilus). A grande dimensão de muitas das conchas de Mytilus pode indicar terem sido recolectadas no andar infralitoral superior.

A composição faunística do concheiro mostra que durante o Neolítico a costa do Medo Tojeiro seria semelhante à actual. Sugere, além disso, ocupações muito curtas e sazonais do sítio: o Mytilus, o molusco mais consumido no Medo Tojeiro, está representado por exemplares de grandes dimensões que só poderiam ser recolectados em períodos de marés vivas, provavelmente equinociais. Supomos, pois, que o início da Primavera e/ou princípios do Outono seriam as épocas do ano preferidas para as curtas estadas no Medo Tojeiro. A presença de ouriço do mar corrobora a ocorrência de estadas sazonais durante o início da Primavera. Atendendo ainda ao forte hidrodinamismo a que no Inverno este troço de costa estaria sujeito, é de pôr de parte a hipótese de qualquer ocupação durante o fim do Outono e Inverno (Tavares da Silva, Soares & Penalva, 1985).

Bibliografia

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (1997) – Economias costeiras na Pré-história do Sudoeste português. O concheiro de Montes de Baixo. Setúbal Arqueológica, 11-12, p. 69-108.

TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J. & PENALVA, C. (1985) – Para o estudo das comunidades neolíticas do Alentejo Litoral: o concheiro de Medo Tojeiro. Arqueologia, 11, p 5-15.

Carlos Tavares da Silva

Joaquina Soares

 

Fig. 1 – Concheiro neolítico do Medo Tojeiro. Perfil estratigráfico E-W nos quadrados T1-T5 (sector III) .

 

Fig. 2 – Concheiro neolítico do Medo Tojeiro. Perfil estratigráfico N-S nos quadrados S5-T5 (sector III) .

 Fig. 3 – Aspecto do concheiro neolítico do Medo Tojeiro, 1984.

 

 Fig. 4 – Medo Tojeiro, 1984. Materiais de pedra lascada recolhidos no concheiro: 1 a 5 – lamelas não retocadas; 6 – buril diedro; 7 – entalhe sobre lamela: 8 e 9 – trapézios de base menor retocada.

 Fig. 5 – Medo Tojeiro, 1984. Materiais de pedra polida e cerâmica do concheiro: 1 – machado; 2 – alisador; 3 – cerâmica decorada.