Os lagares de azeite na vila de Grândola

A oliveira

A olivicultura desenvolveu-se em quase todas as civilizações do Mediterrâneo, tendo a sua cultura origem na Ásia Menor, há cerca de seis mil anos. Através de materiais fósseis encontrados na Bacia Mediterrânica, sabe-se que a oliveira terá, pelo menos, doze mil anos.

A oliveira (Olea Europaea), única espécie com fruto comestível, tem uma origem híbrida resultante do cruzamento de várias espécies.

Na Antiguidade, a madeira de oliveira era utilizada como combustível, na construção de objectos e na decoração artística. Os actos vitoriosos eram coroados com grinaldas de folhas de oliveira.

As azeitonas foram, desde muito cedo, transformadas pelo homem para diversas utilizações da sua vida quotidiana.

O azeite era utilizado na iluminação, na alimentação, em cerimónias religiosas e fúnebres, nas trocas comerciais, como loção corporal, aromática e unguento curativo.

Nas Épocas Medieval e Moderna, o azeite foi utilizado no fabrico de sabão, no tratamento de têxteis e em aplicações farmacêuticas.

 

Tecnologia

Técnicas de moagem

As técnicas mais antigas, para a obtenção de azeite, ter-se-iam realizado com recurso ao esmagamento das azeitonas, com uma grande pedra.

Na Idade do Bronze mediterrânea, terão sido introduzidos cilindros de pedra empurrados manualmente, sendo os percursores dos moinhos de galgas cilíndricas. Estes moinhos eram accionados por tracção animal e, posteriormente, por motores a carvão, gasóleo e electricidade.

Técnicas de prensagem

As técnicas de prensagem surgem e evoluem, com a necessidade de extrair a maior quantidade de azeite da massa resultante do esmagamento da azeitona.

Os vários tipos de prensas (cunha, vara, e parafuso) foram difundidos pelo Mediterrâneo durante o Império Romano. As prensas de vara e de parafuso persistiram, em alguns locais, até ao século XX, altura em que se difundiram as prensas hidráulicas.

O aparecimento de lagares de azeite na vila de Grândola

A transformação da azeitona no concelho de Grândola remonta, pelo menos, à segunda metade do séc. XVI, como se comprova por um documento de 13 de Janeiro de 1596, onde se diz que foi dado juramento a “(…) gaspar gonsalvez mestre do lagar de azeite de andre luís morador em esta villa (…)” (Germesindo Silva, 2006).

Na segunda metade do século XIX, iniciou-se a substituição das vinhas da várzea de Grândola pelas oliveiras, aproveitando-se a abundância de zambujeiros1 na orla da serra.

Com o aumento da plantação olivícola, sobretudo da variedade galega, e da produção de azeitona, houve uma necessidade crescente de construção de unidades de produção de azeite.

Através dos manifestos de azeite de 1941, comprova-se a existência, nesta altura, de seis lagares a laborar em simultâneo na vila, tendo o seu número aumentado para nove, na segunda metade do século XX.

Devido a vários factores, nomeadamente, ao aumento dos custos de produção, ao não tratamento dos olivais e das águas ruças, à incapacidade de modernização e de adaptação às normas ambientais impostas pela União Europeia, os lagares foram, gradualmente, desaparecendo, tendo o último encerrado em 1997 (Lagar Dias).

 

Método tradicional de produção de azeite

No final do século XX, o método tradicional de produção de azeite sofreu grandes alterações. As novas tecnologias levaram ao processo de transformação contínuo2, tendo-se assistido, também, à mecanização na apanha da azeitona, ainda que em alguns locais continue a ser efectuada manualmente.

O presente texto pretende fazer uma descrição dos métodos tradicionais da produção do azeite, desde a apanha ao processo de transformação da azeitona.

Descreve-se, igualmente, o processo de fabrico manual de seiras e capachos, que por iniciativa de um dos lagares, se começou a efectuar em Grândola.

 

Apanha e transporte da azeitona

No final do mês de Outubro, princípio de Novembro, quando a azeitona se encontra madura, inicia(va)-se a apanha manual.

O processo da apanha começava com o enterreirar do solo, que consistia na limpeza e batimento do terreno debaixo da oliveira, onde a azeitona ia caindo naturalmente (azeitona do restelo) ou através do varejo, que consta(va) no batimento dos ramos da árvore com varas compridas de madeira resistente.

A azeitona era apanhada para dentro de espartões3, procedendo-se, seguidamente, à sua limpeza, lançando-a ao ar, com uma ciranda (peneira), separando-se assim as impurezas com a ajuda do vento. As cirandas eram feitas de ramos de silvas e de varinhas de oliveira.

Depois de limpa, a azeitona era colocada em sacas e carregada nos dorsos de animais ou transportada em carroças ou carretas, para os lagares onde iria ser transformada.

 

Processo de construção de seiras4 e capachos5

Os capachos e as seiras, utilizados nos lagares para a prensagem da massa, sofriam um grande desgaste provocado pela pressão sobre eles exercida e pela constante reutilização. Devido à necessidade da sua substituição, que era efectuada com regularidade, os lagares adquiriam, durante o Verão, um stock considerado suficiente para a próxima campanha de laboração.

No caso concreto do lagar de Manuel dos Reis, foi contratado um casal da zona de Abrantes, com a finalidade de ensinar a técnica de fabrico destes artefactos. O mestre do lagar aprendeu o processo de fabrico e transmitiu-o a outras pessoas.

Foram, então, mandados construir por carpinteiros locais, um engenho de madeira e as formas para a realização deste trabalho.

Para o fabrico das seiras e dos capachos era utilizada corda de cairo6 fino e grosso, adquirida em grandes fardos, provenientes de África. O cairo fino era utilizado para a elaboração de cordas, que armadas numa roda de madeira, formavam a estrutura onde eram tecidos os capachos e seiras.

A preparação das cordas era efectuada por duas pessoas, situadas a uma distância aproximada de vinte a trinta metros (tamanho da corda), uma das quais prendia cinco a seis cordas finas numa roda de madeira, que era accionada através de uma manivela, fazendo com que estas se torcessem, enquanto a outra, sustinha as cordas com um arganel7. No fim do processo, a corda era retirada do arganel e da roda de madeira, e esticada com força, de forma a evitar que se enrolasse.

O cairo grosso era dobado em meadas, servindo depois para a tecelagem, efectuada por mulheres, sobre a estrutura que tinha sido, previamente, preparada pelos homens. Este trabalho era efectuado na bagaceira do lagar, durante o Verão, e num dia de trabalho eram concluídos, com esforço, cerca de sete capachos. As seiras, por terem rebordo, requeriam mais tempo de trabalho, conseguindo-se uma produção inferior.

Mais tarde, introduziu-se o nylon na construção de capachos e seiras, experiência que não foi totalmente aprovada, por se verificar que, durante a prensagem, este material não sustinha a massa. Optou-se, então, por uma solução mista, em que a estrutura era feita em nylon e a tecelagem em cairo, tornando-os, assim, mais resistentes.

 

Processo de transformação

A lida no lagar começava com a limpeza do espaço e das máquinas, e com a aquisição de capachos e seiras novos, pois alguns dos usados no ano anterior tinham que ser substituídos, devido ao seu desgaste.

Além da limpeza, era verificado o estado de conservação e funcionamento das máquinas e, se necessário, procedia-se à preparação das mós (picagem da superfície das pedras para um eficiente esmagamento da azeitona).

Os trabalhadores contratados eram, numa primeira fase, provenientes da zona norte do país. Com a aprendizagem da técnica do processo de transformação, este trabalho passou a ser efectuado por trabalhadores locais. Este serviço tinha que ser realizado por indivíduos que dominassem a arte de laboração de um lagar. Por este motivo, o proprietário tinha a preocupação de contratar, em todas as campanhas, os mesmos lagareiros, que variavam em número, de acordo com a capacidade de produção de cada lagar.

 

Moenda

Ao chegar ao lagar, a azeitona de cada produtor era colocada em tulhas individuais, onde aguardava, até atingir a quantidade de dez a doze sacos, de forma a permitir um enceiramento. Quan-do o volume de azeitona era elevado, esta tinha que ser conservada com sal, até que se procedesse à sua transformação.

Cada produtor obtinha azeite da sua própria azeitona, o que acentuava a sua responsabilidade com o estado sanitário da mesma.

Em seguida, a azeitona era transportada em cabanejos8, ao ombro, até ao moinho, para se proceder à moenda. Quando surgiram os lavadouros, o processo passou a iniciar-se com a lavagem da azeitona.

Depois de limpa, a azeitona era conduzida por um sem-fim9 até ao moinho, onde, após ser moída, formava uma massa que era depositada numa selha (recipiente em metal), para ser misturada com água quente. Este processo servia para facilitar a separação do azeite da massa, sendo as selhas, posteriormente, substituídas por termobatedeiras10.

Nos lagares mais antigos, a água quente, necessária para as diferentes fases de laboração, era aquecida em caldeiras de cobre e transportada manualmente. A distribuição de água quente foi facilitada com a introdução de caloríferos e sistemas de canalização, que passavam por todas as maquinarias que dele necessitavam.

 

Prensagem

Depois de batida, a massa era colocada nas seiras ou capachos que eram empilhados (castelo) em cima de carrinhos metálicos, que eram empurrados, através de carris, até às prensas. Através da pressão induzida pela bateria11, a prensa levantava o carrinho, pressionando-o contra a sua parte superior, espremendo assim a massa.

Dos capachos ou seiras, escorriam água e azeite para os carrinhos, que eram depois conduzidos para as tarefas12, a partir das quais era efectuada a sua separação.

 

Bagaço

Resíduo sólido resultante da prensagem da massa, o bagaço era sacudido das seiras ou capachos e armazenado na bagaceira. Uma percentagem era utilizada como combustível, empregue nas fornalhas das caldeiras e caloríferos, e outra destinava-se à alimentação animal (maioritariamente gado suíno).

A partir de determinada altura, o bagaço passou, também, a ser vendido a fábricas de refinação.

 

Decantação

A separação do azeite da água era efectuada nas tarefas. O azeite, menos denso que a água, subia e esta ficava no fundo do recipiente, de onde era canalizada para o exterior através de um cifão. O azeite por sua vez, saía através de uma bica situada na parte superior da tarefa, para outro reservatório.

Posteriormente, o azeite era decantado à chaminé, através do calor, de forma a apurar.

Em meados do século XX, este método caiu em desuso, e começaram a ser utilizadas centrifugadoras13, que efectuavam o apuramento com maior rapidez e funcionalidade.

Ao mestre do lagar, competia supervisionar o trabalho realizado, sendo da sua responsabilidade o apuramento do azeite, por ser um procedimento que requeria prática e sabedoria.

 

Água ruça

A água ruça (resultante da separação do azeite) era conduzida até um depósito subterrâneo (inferno ou ladrão) de onde escorria, a céu aberto, para a rua.

Com a construção da rede de esgotos em Grândola, no princípio da década de sessenta, alguns lagares começaram a utilizá-la como meio de escoamento dessas águas. Devido a problemas higieno-sanitários, este procedimento foi proibido, o que levantou dificuldades à laboração dos lagares e constituiu um dos factores para o seu encerramento.

 

Pesagem do azeite

Depois de decantado, o azeite era pesado (para determinar o grau de acidez) por cada um dos produtores. O processo era efectuado em tubos de ensaio, através de produtos químicos (indicador e saturador) que se misturavam numa amostra de azeite.

A acidez era variável de acordo com o grau de sanidade da azeitona. Quanto menor o grau de acidez melhor a qualidade do azeite. Quando este era muito ácido, era escoado para fábricas de refinação.

 

Maquia

A gestão financeira do lagar era assegurada pela maquia, que consistia na percentagem (normalmente 10%) de azeite, que o cliente deixava no lagar como meio de pagamento da produção. O azeite da maquia, armazenado em talhas e depósitos, era vendido, pelo proprietário do lagar, a particulares, armazenistas e a fábricas.

O azeite dos produtores que viviam na vila era transportado até às suas casas, em cântaros, levados ao ombro pelos lagareiros.

Os lagares laboravam até meados de Janeiro e, em anos excepcionais de produção, podiam funcionar até finais de Fevereiro.

 

Conclusão

A investigação efectuada sobre os lagares de azeite na vila de Grândola teve como propósito o estudo de uma actividade que foi florescente no século XX, e que, devido a causas económico-sanitárias, desapareceu completamente no final desse século. O encerramento desta indústria tradicional levou ao progressivo abandono e destruição do seu património móvel e imóvel, contribuindo para o empobrecimento da memória colectiva dos grandolenses.

 

 

 1Oliveira brava que, através da enxertia, dá azeitonas comestíveis.
2Presentemente, o método de transformação da azeitona, iniciado com a sua limpeza, processa-se de forma totalmente mecânica e sem intervenção directa do homem.
3Alcofas de esparto.
4Espécie de tapete redondo feito de cairo, com aba no rebordo, utilizado para colocar a massa resultante da moagem da azeitona, destinada a prensagem.
5Espécie de tapete redondo feito de cairo, com cerca de setenta e três centímetros de diâmetro, utilizado para colocar a massa resultante da moagem da azeitona para prensagem.
6Filamentos extraídos do invólucro da noz do coco que servem para fazer cordas, tapetes, etc.
7Argola grande.
8Cesto alto e largo feito de vimes.
9Engrenagem mecânica, através da qual a azeitona era transportada do lavadouro até ao moinho.
10Contentor envolvido por um reservatório de água quente, onde a massa era constantemente misturada.
11Reservatório de água que, através da compressão obtida pelo motor, ejectava a água a uma pressão intensa, o que permitia elevar as prensas.
12Reservatório cilíndrico em chapa de zinco, para onde escorrem o azeite e a água ruça das seiras e capachos.
13Máquina que, ao fazer girar o azeite a alta velocidade, permitia a completa separação da água e das impurezas.

 

Bibliografia

BACALHAU, M. (2005) -Azeite de Moura Um património com história. Câmara Municipal de Moura.

Conselho Oleícola Internacional (1998) - Enciclopédia mundial da oliveira. Barcelona: Plaza & Janés Editores, S. A.

ESPARGOSA, F. R. de Sousa d´Alte (1905) - Lagares de azeite Breves consideraçõessobre parte do seu material. Lisboa: Typographia Minerva Central.

FERREIRA, M. A. -O Ciclo do azeite. Textos de apoio. Câmara Municipal de Grândola.

FREITAS, A. Sant´Iago Barjona; MATTA, J. Avelino da Silva e; MELLO, O. S. Bandeiras de & CASTEL-BRANCO, P. C. C. (1905) - Dois lagares de azeite officinas, material, technica. Lisboa: Imprensa Nacional.

SANTOS, A. C. (1961) -A Freguesia de Grândola (estudo geográfico). Dissertação de Licenciatura em Ciências Geográficas. Lisboa.

SILVA, G. (2005) -Para a história do azeite em Grândola. Jornal Ecos de Grândola, n.º 164.

VILHENA, A. (1993) -Artes e ofícios tradicionais. Extracção de azeite. Uma indústria em extinção no concelho de Grândola. Jornal Ecos de Grândola, nº 20.

 

Fontes orais

Álvaro Candeias Claudino, António Manuel Sabino, Augusto Martins Pedro, Jaime Dias, João Carlos dos Santos, Joaquim José Magro Espada, Jorge Estevão, Jorge Pereira Assunção, José André Correia Pereira Rodrigues, Eng. José Luis Dias, Dr. José Machado Gonçalves, José dos Reis, Luísa Bigas, Luis Brotas, Maria Amélia Nunes Espada Feio, Maria Edviges Banha Gonçalves, Maria Leonor da Silva.

 

Purificação Pereira

 

 

 

Fig. 1 – Convívio dos trabalhadores da moagem e lagar André (1948).

Fig. 2 – Localização dos lagares de azeite em Grândola.

Fig. 3 – Quadro da descrição dos nove lagares que laboravam em Grândola, na segunda metade do séc. XX.

Fig. 4 – Lagar Manaça (anos 60).

Fig. 5 – Lagar de José dos Reis em laboração (1960).

Fig. 6 – Capacho.

Fig. 7 – Roda de armação de fazer capachos.

Fig. 8 - Tulhas.

Fig. 9 – Lavadouro.

Fig. 10 – Sem-fim.

Fig 11 – Moinho de duas galgas cilíndricas.

Fig. 12 – Moinho de três galgas cónicas.

Fig. 13 – Caloríferos.

Fig. 14 – A prensagem.

Fig. 15 – Remoção do bagaço dos capachos.

Fig. 16 – Utilização da centrifugadora na decantação do azeite.

Fig. 17 – Depósitos de azeite.

Fig. 18 – Talhas de azeite.

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