Martinhal

Freguesia/Concelho:Sagres (Vila do Bispo)

Localização: 37º 1' 11"N; 8º 56' 15" W.(C.M.P., 609, Vila do Bispo, esc.1:25000).

Cronologia: Período Romano

O sítio do Martinhal localiza-se entre a Praia do Martinhal ou Murtinhal e a dos Rebolinhos, sobre plataforma de fraco declive (cotas de 15-20m), limitado a este pelo barranco dos Rebolinhos e a oeste pelo Barranco de Vale de Lobos (Fig. 1). Foi referido pela primeira vez por Estácio da Veiga (Veiga, 1910), que aí identificou uma cisterna provavelmente romana. No mesmo local viria a ser posteriormente assinalada “uma fornax”, citada a propósito da publicação dos fornos do Pinheiro, no Sado (Almeida; Zbyszewski & Ferreira, 1971).

A primeira intervenção arqueológica realizada no sítio do Martinhal, motivada pelo desmantelamento de estruturas arqueológicas na vertente litoral por efeito de intensa abrasão, realizou-se em 1987 e 1988. A iniciativa desta escavação arqueológica de emergência ficou a dever-se ao Serviço Regional de Arqueologia da Zona Sul e contou com o apoio do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, em cujo Centro de Estudos Arqueológicos se procedeu também ao tratamento da informação e estudo dos materiais (Tavares da Silva, Coelho-Soares & Correia, 1990). Os trabalhos arqueológicos, sob a Direcção de Carlos Tavares da Silva, beneficiaram ainda do apoio do movimento associativo local (Associação Arqueológica do Algarve). No sítio, era ainda visível a cisterna romana, parcialmente enterrada e conservando típica abóbada de berço, antes assinalada por Estácio da Veiga. Esta não sofreu qualquer escavação por não se encontrar ameaçada. As duas campanhas arqueológicas centraram-se na recuperação do que restava de três fornos de produção de ânforas e respectivas entulheiras (Figs. 2, 5 e 6), e permitiram ainda a identificação de um 4º forno. Os fornos II, III e IV eram contíguos, organizados em bateria, com frontaria em alvenaria de blocos calcários (Fig. 7). O forno I, embora também junto da arriba, faria parte de outro núcleo. Os fornos tinham cerca de 3m de diâmetro; a câmara de combustão, em parte escavada na rocha, possuía canal central. Distribuíam-se ao longo de cerca de 100m de arriba. Após novas campanhas de escavação (Bernardes, 2008) atingiu-se, em 2006, o número de 9 fornos de ânforas e um de cerâmica de construção (Fig. 3).

O complexo oleiro do Martinhal foi instalado nos séculos IV-V d. C. de acordo com a datação dos tipos anfóricos aí fabricados (Fig. 8) e a presença de sigillata clara da forma Hayes 61A (325-400/420 d. C.) na camada de laboração do forno III. Corresponde a uma economia especializada na produção de ânforas. Estas destinar-se-iam à embalagem de produtos piscícolas (peixe salgado e molhos de peixe), elaborados nos numerosos estabelecimentos que marginam a linha de costa do Barlavento algarvio: Salema; Boca do Rio; Burgau; Senhora da Luz e Lagos.

A localização da olaria obedeceu ao princípio de máxima acessibilidade a matérias-primas e aos mercados consumidores através de navegação costeira, partindo do fundeadouro natural da enseada da Baleeira, onde foi aliás recolhido um cepo de âncora em bronze.

Produziram-se no Martinhal quatro tipos de ânforas: Almagro 50, Almagro 51a-b; Almagro 51c e forma afim da Beltrán 65A (Fig. 8). A forma Almagro 50, a de maior capacidade, não surgiu no forno II, e a sua presença é reduzida nos fornos I e III.

A forma Almagro 51a-b foi quase exclusiva da última fase de laboração do forno II. A ânfora Almagro 51C foi largamente produzida nos fornos I e III. A ânfora afim da Beltrán 65A parece ter sido apenas fabricada em um momento intermédio da vida útil do forno III. Em síntese, embora os tipos de ânfora aqui registados sejam genericamente contemporâneos, as diferentes formas podiam destinar-se a diferenciadas salgas e molhos de peixe.

Em 1989 ocorreu uma outra escavação arqueológica, coordenada por Teresa Júdice Gamito e N. Whitehead que não chegou a ser publicada. A intervenção ocorreu na zona dos fornos, na vertente litoral e ainda na plataforma, nomeadamente junto da cisterna. No final da escavação, a pretexto da selagem das sondagens, o sítio foi terraplenado mecanicamente com destruição da parte subaérea da cisterna.

Em 2006, o Martinhal volta a ser objecto de escavação por João Pedro Bernardes, que a partir da cultura material recolhida defende a existência no local de uma ocupação residencial de meados do século I e século II, cujas estruturas teriam sido arrasadas para dar lugar ao centro oleiro. Este arqueólogo dedica particular atenção à cisterna, dando conta da grave afectação desta estrutura “pela acção da máquina que fechou as sondagens da escavação” e afirma em relação à mesma que teria uma capacidade de armazenagem (6,8x5,5mx2,7m) de cerca de 100.000 litros de água, de origem pluvial. Quanto à cronologia deste reservatório, é provável que já existisse durante a primeira fase de ocupação do sítio. A antecedência da cisterna face à instalação de carácter “industrial” é suportada pela acumulação, contra as suas paredes, de níveis de entulheira associados à laboração dos fornos.

Bibliografia

ALMEIDA, F.; ZBYSZEWSKI, G. & FERREIRA O. da Veiga (1971) – Descobertas de fornos lusitano-romanos na região da Marateca, Setúbal. O Arqueólogo Português, 5, S. 3, p. 155-165.

BERNARDO, J. P. (2008) – O centro oleiro do Martinhal. Actas do 5º Encontro de Arqueologia do Algarve (Xelb, 8), p. 191-212.

GOMES, M. Varela & TAVARES DA SILVA, C. (1987) – Levantamento Arqueológico do Algarve. Concelho de Vila do Bispo. Faro: Delegação Regional do Sul da Secretaria de estado da Cultura, 84 pp., 38 figs.

PARREIRA, R. (1997) – O salvamento arqueológico das ruinas romanas da Praia da Luz (Lagos): as oficinas de salga a oriente do balneário (escavações de 1987-1988). Setúbal Arqueológica, 11-12, p. 241-248.

RAMOS, A. C.; ALMEIDA, R.R. de & LAÇO, T. (2006) – O complexo industrial da Rua Silva Lopes (Lagos). Uma primeira leitura do sítio e análise das suas principais problemáticas no quadro da indústria conserveira da Lusitânia meridional. Setúbal Arqueológica, 13, p. 83-100.

SANTOS, M. L. E. da V. A. dos (1971) – Arqueologia Romana do Algarve, 1. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, p. 70-71.

TAVARES DA SILVA, C.; COELHO-SOARES, A. & CORREIA, V. H. (1990) – Produção de ânforas romanas no Martinhal (Sagres). In A. ALARCÃO & F. MAYET (eds.), As Ânforas Lusitanas. Tipologia, Produção, Comércio. Paris: Diffusion E. de Boccard, p. 225-250.

VEIGA, S. P. M. Estácio da (1910) – Antiguidades Monumentais do Algarve. O Archeologo Português, 15, p. 211.

Joaquina Soares

Fig. 1 - Localização do Martinhal na Carta Topográfica de Portugal, esc. 1. 10 000. Instituto Geográfico e Cadastral, folha 51B – Sagres, ed. 1972. Seg. Tavares da Silva et al., 1990.

Fig. 2 - Levantamento topográfico do Martinhal com as áreas de interesse arquitectónico assinaladas. Em A e B ocorreram as escavações dirigidas por Carlos Tavares da Silva. Em A surgiu o forno I e em B, os fornos II, III e IV. Seg. Tavares da Silva et al., 1990.

Fig. 3 - Planta do Martinhal com as estruturas romanas até agora identificadas. Seg. Bernardes, 2008.

Fig. 4 - Martinhal. Forno I parcialmente desmontado pela abrasão. Seg. Tavares da Silva et al., 1990.

Fig. 5 - Bateria de fornos (II, III e IV) do Martinhal. O forno II ainda permite observar a grelha onde eram colocadas as ânforas para cozedura, bem como a câmara de aquecimento de planta oval e de canal central. O conjunto possuía ainda parte da frontaria conservada. Seg. Tavares da Silva et al., 1990.

Fig. 6 - Vista dos fornos III e II. Seg. Gomes e Tavares da Silva, 1987.

Fig. 7 - Frontaria de bateria de fornos do Martinhal. Seg. Gomes &Tavares da Silva, 1987.

Fig. 8 - Fragmentos de ânforas dos diversos tipos fabricados no Martinhal, durante o Baixo Império: 1-3 – Forma Almagro 51a-b; 4-8 – Forma Almagro 51c; 9-10 – Afim da Forma Beltrán 65A; 11- Almagro 50. Seg. Tavares da Silva et al., 1990.