O convento franciscano de Santo António do Torrão e a memória da ermida de São Sebastião

 António Rafael Carvalho

 

Freguesia/Concelho: Junta de Freguesia do Torrão. Alcácer do Sal.

Localização:Localiza-se na vila do Torrão, junto ao jardim publico, na saída para Vila Nova da Baronia.

Coordenadas geográficas:38°17'41.58"N, 8°13'25.43"W (CMP. 1:25.000, Folha 487).

Cronologia: Cronologia: Antes de 1510 (Ermida de São Sebastião). Início do Convento em 1604.

 

Preexistências: Memória da Ermida de S. Sebastião fundada pela Câmara Municipal do Torrão

O terreno onde no início do século XVII virá a ser construído o convento de Santo António, denominava-se de Horta de S. Sebastião. A sua designação provinha da existência até então de uma ermida com essa evocação, assinalada na Visitação da Ordem de Santiago efectuada em 1510, onde se refere ter sido esta ermida fundada pela Câmara Municipal do Torrão em data anterior, mas que não lhes foi possível aferir qual. Como o seu orago indica, procurava-se deste modo a proteção do Santo para defender a vila do perigo da peste. Por essa razão, as ermidas com esta evocação costumavam estar localizadas junto a uma das entradas da área urbana1. No presente caso, a ermida localizava-se junto à estrada que ia para Vila Nova da Baronia. Com base na referida Visitação, chegou até nós uma descrição da citada ermida que foi dada a conhecer por Ana Carolina Bastos (2003, p. 164-165):

Visitaçam da irmida de San Sabastião setuada na freguesia da dita igreija

Item em XI dias do mes de Novembro da dita era de mill Ve e dez visitamos a irmida do mártir Sam Sabastião na maneira seguimte:

[fl. 14v.] Item item(sic) visitamos a ousia da dita irmida a quail he de taipa com furmigãao de caall, as paredes e bem madeirada e huum pedaço delia sobre o altar forrado d'olivell quamto cobre o altar que estaa demtro na ousia o quall altar he de taipa forrado de caall e tem huum retavollo gramde com hûua imagem do martyr Sam Sabastiam muito devota e a parede de trás do dito retavollo he pymtada e o arco da dita ousia he de tijollo e tem de comprido três varas e mea e de larguo três varas e estaa na dita ousia hûua alampada e o corpo da igreija tem as paredes de taipa e tem huum arco no meyo delia de tijollo e he cuberta de telha vãa e as portas delia sam novas e tem huum ferrolho com sua fechadura muito bem fechada e tem de comprido oyto varas e de larguo quatro varas e mea e o portal he de tijollo e amte a porta primcipall estaa huum alpemdre e as paredes delle sam de taipa e tem sete jenellas de tijollo o quall tem de comprido sete varas e mea e de larguo duas varas e mea e por que foy fuumdada pollo comeelho elle he obrigado de a correger.

Na Visitação da Ordem de Santiago efectuada em 1534 (Bastos, 2003, p. 229), a ermida volta a ser descrita da seguinte maneira:

[fl. 12] Visytaçam da irmida de Sam Sebastiam

Item a irmida di Sam Sebastiam, a saber, a capella e o corpo da irmida e alpemdre esta todo muito bem madeirada e forrada de canas e tudo ladrilhado e ho alpendre esta sobre três arcos de tijollo e sobre ho altar tem huas toalhas e debaixo das toalhas hums mamtees e tem hum fromtall e huas cortinas em cima do alltar tudo de sarje vermelha pimtadas e tem hûa pedra dará.

Do que mais crecio

Item huum caliz de prata bramco que pesa com sua patana seis omças e mea ____________________________VI omças mea”

 

O convento de franciscanos. Breves apontamentos de âmbito histórico

Desconhecemos se a ermida de S Sebastião ainda existia em 1584. Nessa data, no dia 5 de janeiro, foi passada uma carta de aforamento da Horta de São Sebastião, cujo testemunho manuscrito foi depositado no cartório deste convento. No dia 1 de março de 1602, reinado de Felipe II de Portugal, é passado o testamento de Mecia Lopes, viúva de Vasco Borralho, a qual vai deixar uma verba monetária para a fundação de um convento da Ordem de S. Francisco. Dois anos passados, no dia 23 de fevereiro de 1604, é passada uma petição na qual, o Provincial da Ordem de S. Francisco, Frei Lourenço de Portel informava o Provedor de Beja de que tinha tomado posse de uma terra com o consentimento da Câmara e do povo da Vila do Torrão para nele se fazer um Convento, do qual tinha licença do Duque de Aveiro D. Álvaro, mas que ainda lhe faltava a Licença do Rei.

No mês seguinte, no dia 7 de março de 1604 era efectuada a escritura da posse da Horta de S. Sebastião. A obra para erguer a casa monástica terá começado pouco depois, tendo como base a referida ermida em cujo espaço vai ser erguida a igreja do convento. As obras irão prosseguir nas décadas seguintes. Data de 1613 uma declaração dos pedreiros e em 1627, no reinado de Felipe III de Portugal, foi efectuado um rol onde se descreveu o que se tinha gasto nas obras da capela-mor.

Após a Restauração da Independência de Portugal em 1640, a cúria romana teimava em não reconhecer D. João IV como rei de Portugal, por força da pressão espanhola na cúria romana. Testemunho deste fato é a ausência no cartório do convento de documentação (Bulas e Breves), enviados desde Roma. A fazer fé na documentação existente, a primeira documentação do Vaticano remetida para esta casa religiosa data de 1679, reinado de D. Afonso VI, numa altura em que o Papa começa a aceitar a ideia de um reino de Portugal como entidade política independente da Coroa espanhola. A partir de 1680 e acentuando-se a partir de 1686, o convento começa a receber um conjunto de bulas e breves, revelando deste modo a interferência gradual da cúria romana na vida desta casa monástica.

Com base na análise documental existente, depositada no Arquivo Distrital de Beja, parece notório que a produção documental começa a rarear a partir da segunda década do século XIX. Entre os problemas políticos que poderemos anunciar, os mais relevantes prendem-se com as Invasões Francesas, entre 1806 e 1807. Nesta fase temos um documento datado de 23 de junho de 1806, que consta de uma sentença civil a favor dos religiosos do convento de Santo António do Torrão contra António Baião da Lança Parreira.

Pouco depois, eclode a guerra civil entre Liberais e Absolutistas. Novamente parece cair sobre o convento um silêncio documental. Data do reinado de D. Miguel (1828) a elaboração de um Livro de patentes. Em 1834 o convento é extinto no âmbito da "Reforma Geral Eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar e executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio2.

A juntar a este fato, temos em relação ao Torrão outra data fatídica. Pelo decreto de 6 de Novembro de 1836, o número de concelhos do Continente, passa de 799 para 351. Nessa reforma administrativa, é suprimido o concelho do Torrão. Este vai ser desmembrado, passando as suas freguesias rurais de Alvalade e Santa Margarida do Sadão para o concelho de Ferreira do Alentejo, enquanto a freguesia do Torrão é anexada ao concelho do Alvito (Marques, 2002, p. 223). Ainda no decurso do século XIX, em 1871, e por questões de ordem eleitoral, dado que o concelho de Alcácer do Sal tinha escassa população, é anexado a este último município a freguesia do Torrão, que transita do concelho do Alvito, no dia 3 de Abril desse mesmo ano.

1 Este modelo foi observado em Alcácer do Sal, onde a ermida de S Sebastião tinha sido fundada pelo município alcacerense, sendo objecto de devoção particular na proteção contra a peste (Pereira, 2007, p. 110-111)

2 Nele foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando os de religiosas, sujeitos aos respectivos bispos, até à morte da última freira.

 

Webgrafia

1. Arquivo Distrital de Beja

Fundo Documental do Convento de Santo António do Torrão.

(http://digitarq.adbja.arquivos.pt/details?id=1051483, ultima consulta, 3-03-2014)

001 - Receitas e Despesa - 1828/1834

(http://digitarq.adbja.arquivos.pt/details?id=1051488)

018 - Livros das Patentes - 1828/1834

(http://digitarq.adbja.arquivos.pt/details?id=1051495)

026 - Colecção Factícia - 1602-03-01/1823-08-06.

(http://digitarq.adbja.arquivos.pt/details?id=1051498)

0001 Maço 1 – documentos diversos - 1618-08-17 a 1820-01-09

0002 Maço 2 – documentos diversos - 1604-03-07 a 1823-07-02

0003 Maço 3 – documentos diversos - 1604-03-08 a 1823-08-06

0004 Maço 4 – documentos diversos - 1604-02-23 a 1779-12-12

0005 Maço 5 – documentos diversos - 1602-03-01 a 1791-06-19

0006 Maço 6 – documentos diversos - 1632-11-30 a 1821-08-31

0007 Maço 7 – documentos diversos - 1635-11-30 a 1767-09-05

 

2. Arquivo Histórico do Ministério da Economia

Venda de Objectos existentes no extinto Convento de S. Francisco do Torrão -1843

Código de Referência - PT/AHMOP/MR-002/MR 2 D 1R/2/133-223/MR 2D 2R 1 - Lº 1 - nº 148.

http://arquivohistorico.min-economia.pt/arquivohistorico/details?id=11432, consultado em 03-03-2014

 

3. Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Convento de Santo António do Torrão - 1781

Registo Geral de Merces de D. Maria I, Liv. 10, f. 149

http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=1980768, consultado em 03-03-2014

COELHO, A. (2013) – Memória Paroquial da freguesia de Torrão, Comarca de Beja. [ANTT, Memórias Paroquiais, 36, p. 595-606], p. 1-21. Site Memórias Paroquiais 1758, transcrição, Ofélia Sequeira,

http://www.portugal1758.uevora.pt/index.php/lista-memorias/148-torrao/5109-torrao-torrao (consultado a 28-02-2014).

 

4. Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Torrão

Tombo dos bens, Rendas, Foros e previlegios da Sancta Caza da Misericórdia desta Villa do Torrão que fez por Alvara de sua Magestade que Deus guarde o Doutor Luis Pegas de Beja, Provedor desta Comarca (1699-1871)”, 577 fólios, [Transcrição por CARVALHO, A. Rafael (2013), (policopiado)].

CARVALHO, A. R. (2009) – Torrão do Alentejo: Arqueologia, História e Património, 3 Volumes. Edição online da Freguesia do Torrão e Município de Alcácer do Sal.(http://www.cm-alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/Estudos...)

 

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Fig. 1 -Vista geral do convento, desde o limite da cerca voltado a Norte, no sítio da Horta de São Sebastião. Com base na Visitação Espatária de 1510, admitimos que a igreja conventual foi erguida sobre o espaço da ermida de S. Sebastião. Foto de António Rafael Carvalho.

Fig. 2 - Convento de Santo António do Torrão. Aspecto geral do imóvel. Foto de António Rafael Carvalho.

Fig. 3 - Aspecto da entrada principal da igreja do convento de Santo António do Torrão. Aberta actualmente ao culto. Foto de António Rafael Carvalho.

Fig. 4 - Traseira do Convento de Santo António do Torrão, do lado da igreja conventual, vista desde o jardim público da vila. Foto de António Rafael Carvalho.

Fig. 5 - Convento de Santo António do Torrão. Pormenor do campanário sobre o corpo do igreja. Foto de António Rafael Carvalho.

Fig. 6 - Capela-Mor da igreja do Convento de Santo António do Torrão. Foto de Manuel Mário Perna.

Fig. 7 - Capela lateral existente na Igreja do Convento de Santo António do Torrão, com motivos alusivos á Ordem de São Francisco. Foto de Manuel Mário Perna.

Fig. 8 - Pormenor de um fresco existente no interior do Convento de Santo António do Torrão, alusivo á Ordem de São Francisco. Foto de António Rafael Carvalho.

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