Convento de Nª Sª da Graça do Torrão: Elementos para a sua História

António Rafael Carvalho

 

Freguesia/Concelho:Freguesia do Torrão, Concelho de Alcácer do Sal.

Localização: Localiza-se no centro histórico da vila do Torrão, junto à rua que atravessa a vila no sentido Norte - Sul. Quando se chega ao largo Bernardim Ribeiro, segue-se a rua que vai desembocar na estrada de Beja. Logo no início dessa rua, corta-se na primeira transversal do lado direito, denominada rua do Poço Mau. Outra opção é seguir a rua das Freiras.

Coordenadas geográficas: 38°17'38.55"N; 8°13'37.26"W (CMP. 1:25.000, Folha 487).

Cronologia: Séculos XVI -XIX.

Tipologia: (seg. SIPA - Sistema de informação para o património arquitectónico): Para uma descrição pormenorizada deste conjunto arquitectónico religioso consultar o site do SIPA (http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SitePageContents.aspx?id= 08a335ea-db85-4fdd-862b-fe6e623e44a8).

Trata-se de um convento de clarissas que alia uma inesperada monumentalidade no contexto da vila do Torrão a grande despojamento e austeridade decorativa das suas fachadas. De arquitectura maneirista retém ecos do repertório renascentista no portal da igreja, e alguma "actualização" barroca bem expressa nas pinturas murais que deveriam ser objecto de restauro, tal como todo o conjunto, do qual ainda se conservam também o claustro, cerca, poço e nora.

Situação actual: O imóvel pertence a particulares e revela um estado avançado de degradação. A sua visita é possível desde que se contacte os proprietários actuais, o que pode ser efectuado no local, dado que o corpo da igreja funciona como espaço comercial.

 

1. Em jeito de introdução

O primeiro cronista que nos forneceu uma nota histórica sobre este Mosteiro/Convento1 foi Jorge Cardoso (1657, T. 2, p. 346). A sua preocupação passava mais por atestar o carácter sobrenatural sagrado que esteve por detrás da criação desta casa religiosa, assim como deixar testemunho de santidade de algumas freiras que por lá passaram, utilizando para tal a linguagem barroca da época, muito pitoresca, rebuscada numa exaltação das virtudes das religiosas seleccionadas como santas, privilegiando-se o sacrifício por elas demonstrado na flagelação corporal quase quotidiana, para dominar o que denomina de rebeldias da carne, ou seja tentações demoníacas.

Também o seguimento escrupuloso da Regra de Santa Clara, privilegiando-se a Terceira Regra da Penitencia a que este convento pertencia, era prática canónica estipulada, pelo que se valorizava a observância do voto de pobreza e do silêncio, assim como a aceitação dos castigos impostos, que as freiras, pelo menos teoricamente, recebiam com alegria, demonstrando igualmente o desejo de morrerem o mais cedo possível, para irem para junto do seu esposo espiritual, Nosso Senhor Jesus Cristo.

O impacto desta obra de Jorge Cardoso2 terá sido grande no decurso da segunda metade do século XVII e ao logo do século XVIII tendo chegado até à Cúria Romana e aos responsáveis máximos dos Frades Menores. De fato, uma versão resumida do texto de Jorge Cardoso a que se juntaram outros elementos documentais, foi escrita em latim e publicada com autorização da Cúria em Roma (Asculano & Placentia, 1794, p. 249-250)

Os restantes elementos conhecidos foram publicados ao longo do século XVIII e XIX, possuindo valor desigual entre si e pouco adiantando ao existente no texto de Jorge Cardoso. Temos deste modo as referências deixadas por Costa (1708, p. 484) e por Sousa (1725, p. 252). A única excepção a este panorama lacónico é o testemunho deixado pelo pároco do Torrão. Nele (Alves, 1758), são referidas notas importantes que nos permitem completar as informações fornecidas pelos autores anteriormente referidos. Uma fonte que se tem revelado rica e que de certa forma vai completar o contributo de Jorge Cardoso é o Livro das Atas das Visitações que a Arquidiocese de Évora efectuou a esta casa religiosa entre 1716 e 1769.3

2. Resenha Histórica

Segundo Fontes et al. (2010, p. 314) o Convento de Nossa Senhora da Graça do Torrão pertencia ao grupo dos Mosteiros de Terceiras Regulares de Jurisdição Diocesana4, da Província da Terceira Ordem da Penitencia (Fontes et al., 2010, p. 312). Segundo a definição deste investigadores, que passamos a citar (Fontes et al., 2010, p.314), estamos perante um “Conjunto de mosteiros femininos de terceiras regulares que, não estando sujeitas à Ordem, vivem segundo a respectiva regra e na dependência de prelados diocesanos, geralmente o bispo”; - situação patente no caso do Torrão, e que é confirmado por várias fontes documentais, como teremos ocasião de verificar, nomeadamente em Cardoso, 1657, T. 2, p. 346; Britto et al., 1716-1769; Alves, 1758.

Todas as fontes conhecidas, nomeadamente as impressas e a manuscrita já anteriormente referidas são unânimes em frisarem que em 1560 existia um recolhimento de beatas no Torrão com o orago de Santa Marta, fundado por Maria Pinta (Alves, 1758; Cardoso, 1657, T. 2, p. 346-347; Costa, 1708, T. 2, p. 484).

Em 1560, reinado de D. Sebastião é fundado o convento com licença régia. (Costa, 1708, T. 2, p. 484,). Contudo só no dia 5 de Janeiro de 1599 é que chegam ao Torrão as madres Margarida de Santa Marta e Maria da Conceição, que são consideradas as madres fundadoras desta casa monástica feminina. Essas fundadoras tinham vindo do convento do Salvador de Évora.

Pouco depois tinham inícios as obras no convento após a comunidade ter recebido uma avultada esmola da Infanta D. Maria. A licença régia foi concedida nesse ano pelo Arcebispo de Évora, D. Teotónio de Bragança. (Cardoso, 1657, T. 2, p. 346-347; Costa, 1708, T. 2, p. 484, e Silva, 1725, p. 252).

No início do século XVII aparece uma santa neste convento. Trata-se de Soror Maria da Cruz Francisca (28 de Março). Menciona-se a existência de um refeitório, com a sua porta, localizado algures no claustro. Relata-se a prestação de cuidados médicos, que desconhecemos se seriam praticados num determinado compartimento transformado em enfermaria (Cardoso, 1657, T. 2, p. 339-340).

Em 1657 temos notícia da Soror Mariana de Assunção Franciscana. Esta tinha entrado neste convento ainda criança pela portaria e em romaria. Recebeu ao longo da sua vida conventual algumas penitências públicas, nomeadamente ter servido na cozinha com as serventes. Morreu com fama de santa. Menciona-se nessa altura a existência do dormitório (Cardoso, 1657, T. 2, p. 628-629).

No Século XVII viveu também com fama de santa, a Soror Clemência de Jesus Clarissa. Menciona-se o refeitório, também chamado de “mesa de Santa Clara”, assim como um outro espaço/compartimento onde esta santa praticava a oração e a penitência com especial devoção. Também exerceu a função de porteira do convento (Cardoso, 1657, T. 2, p. 304-305).

Antes de 1631, encontrámos referência ao Doutor Fr. Simão Soares de Carvalho. Este instituiu à sua custa a construção da capela das Chagas de Cristo. Deixou esmola para que em sua vida e dos seus sucessores existisse verba para a sua manutenção.

Em 1657 menciona-se a existência de um cartório no convento, aonde ficava guardada a documentação mais relevante, o qual veio a desaparecer num incêndio, conforme é dito no livro das visitações a este convento efectuadas ao longo do século XVIII (Cardoso, 1657, T. 2, p. 347; Britto et al., 1716-1769).

No dia 18 de Dezembro de 1665, esteve presente na vila do Torrão o Arcebispo de Évora, D. Diogo de Sousa (2.º) o qual como visitador do convento emitiu uma provisão para que se não alheassem nem empenhassem os bens do convento de Nossa Senhora da Graça das religiosas Franciscanas do Torrão (Rivara, 1871, T. 3, p. 60).

No século XVII, na nota biográfica da santa Soror Francisca das Chagas Menorita, menciona-se a existência de uma varanda, provavelmente alusiva ao primeiro andar do claustro, por aonde algumas freiras gostavam de deambular no seus tempos livres. Também se refere a existência de um compartimento onde por conselho médico ficavam as freiras com doenças contagiosas (Cardoso, 1666, Tomo III, p. 31-32).

No século XVII viveu a santa Soror Isabel do Rosário Clarissa (6 de Maio). Na sua biografia assinala-se a existência da celebração de missas na igreja que eram ministradas por sacerdotes exteriores ao convento. As freiras eram obrigadas a assistir e a cantar no coro, assim como tocar música em instrumentos musicais sancionados pelo Arcebispado de Évora. Através das grades podiam beijar a hóstia e adorar o Santíssimo Sacramento (Cardoso, 1666, T. 3, p. 97-98).

No Século XVII temos a indicação de que no convento algumas freiras sabiam ler e escrever e que quando podiam passavam o tempo a ler obras. Outras teriam conhecimentos de latim, pelo que se pressupõe a utilização de um compartimento que teria a função de biblioteca e sala de estudo, fato que é confirmado em 1787.

Nos anos de 1716 a 1769 foi, segundo Manoel Guerreyro de Britto, cónego e visitador do convento, enviado pelo Cabido do Arcebispado de Évora, eleita como Abadessa a Maria da Madre de Deos. Menciona-se na altura a existência do confessionário, que estava na sacristia da Igreja. Nessas visitações (Britto et al., 1716-1769) referem-se: a existência da grade da Igreja (fl. 2v ); a sala do capítulo (fl. 2v ); o coro alto, onde as freiras eram obrigadas a cantar durante a missa (fl. 2 – 2v). Por fim, refere-se a portaria, os loenctorios e o mirante (fl. 2v).

Pouco antes de 1758, o Arcebispo de Évora, Dom Frei Miguel de Távora, Arcebispo de Évora, dera ordem para que fosse incluída no convento uma cerca localizada numa rua paralela ao convento, tendo sido a Câmara do Torrão obrigada a desactivar uma rua pública aí existente (Alves, 1758).

Já nas vésperas da abolição desta casa religiosa, por volta de 1837-1841, algumas freiras solicitam ao governo para que lhe fossem emprestados livros de carácter religioso para lerem (Freire, 1996, p. 171).

No dia 18 de Dezembro de 1894, Manuel de Moura compra o convento por 500. 000 réis, incluindo a igreja, a cerca, duas moradas de casas dentro de um pátio, e uma cerca pequena (http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4224410, consultado em 2014-03-11).

1 Ao longo do nosso estudo utilizaremos a denominação Mosteiro/Convento quando nos referimos a esta casa religiosa no seu todo temporal. A designação mosteiro corresponde às primeiras décadas da sua existência, numa altura em que só o corpo da igreja tocava com o tecido urbano do Torrão. A designação Convento vai ser reservada para os períodos mais próximos de nós, numa altura em que este imóvel se encontra inserido na vila do Torrão, sendo o seu uso justificado para o período anterior ao século XIX, testemunhado nas fontes manuscritas ou impressas a que tivemos acesso.

2 O “Agiológio Lusitano dos Sanctos, e Varoens illustres em virtude do Reino de Portugal e suas conquistas”, obra publicada entre 1657 e 1744.

3 Já temos neste momento concluída a transcrição de algumas das visitações existentes neste manuscrito inédito que se encontra depositado na Biblioteca Pública de Évora e que será utilizado neste estudo e em outros que julgarmos oportuno. Em momento adequado será publicada esta fonte documental.

4 Esta jurisdição, neste caso na alçada do Arcebispado de Évora, é plenamente comprovada nos textos existentes ao longo dos 49 fólios que constituem o Livro de Visitações efectuadas a este Convento. Exemplar existente na Biblioteca Pública de Évora. (Britto et al., 1716-1769, transcrito pelo signatário).

Bibliografia

Fontes Manuscritas

BRITTO, Manoel Guerreyro de et al. (1716-1769) – Livro das Atas: que para o convento de N. ª S. ª da Graça da Villa do Torrão deixou o S[enhor] Manoel Guerreyro de Britto, cónego da Sé de Evora; visitando o mesmo convento, e presidindo a eleição da Abbadeça, em os 9 de Mayo de 1716. Em que sahio canonicamente eleita por Abbadeça a R[everen]da M[adr]e Maria da Madre de Deos. Inédito da Biblioteca Pública de Évora, Cota Cod. CXII/2-17, 49 fólios. (transcrição paleográfica do signatário).

Fontes Impressas

ASCULANO, P. F. C. M. & PLACENTIA, R. P. B. (1794) – Annales Minorum Seu Trium Ordinum a S. Francisco Institutorum. Ab anno MDLXIV usque ad annum MDLXXIV, T. 20. Roma/Romae: Typographio Paleariniano.

CARDOSO, J. (1657) - Agiológio Lusitano dos Sanctos, e Varoens illustres em virtude do Reino de Portugal e suas conquistas, T. 2. Lisboa: Officina de Henrique Valente de Oliveira.

CARDOSO, J. (1666) - Agiológio Lusitano dos Sanctos, e Varoens illustres em virtude do Reino de Portugal e suas conquistas, T. 3. Lisboa: Officina de António Craesbeeck de Melo.

CARDOSO, J. (1744) - Agiológio Lusitano dos Sanctos, e Varoens illustres em virtude do Reino de Portugal e suas conquistas, T. 4. Lisboa: Na Regia Officina Sylviana, e da Academia Real.

CARDOSO, P. L. (C. Or.) (1747-1751) - Dicionário Geográfico, 2 vols.. Lisboa: Régia Oficina Silviana e da Academia Real.

CASTRO, J. Baptista de (1762-1763) - Mappa de Portugal Antigo e Moderno, 3 vols.. Lisboa.

MACEDO, C. (2008) - Inquéritos Paroquiais de 1758 no Concelho de Alcácer do Sal: Resposta da Freguesia do Torrão. Neptuno, 15. ADPA.

SOUSA, D. Manuel Caetano de (1725) – Catalogo Alfabetico dos Prelados Portuguezes, que tiveram Dioceses, ou Titulos fora de Portugal, e suas Conquistas, com noticia Topografica das cidades de que forão Prelados (Collecçam dos Documentos e Memorias da Academia Real da Historia Portugueza, que neste ano de 1725 se compôs e se imprimirão por ordem dos seus Confrades). Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva, fl. 101-260.

Estudos

CARVALHO, A. R.(2008a) - A Geografia Conventual Alcacerense: Elementos para uma História Eclesiástica do Município de Alcácer do Sal.Neptuno, 15. ADPA.

CARVALHO, A. R.(2008b) - A Muṣalla do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão: Uma Hipótese de Trabalho. Al Madan, 16, S. 2.

MOONEY, C. M. (2006) – Francis of Assisi as Mother, Father, and androgynous Figure. In Mathew Kuefler (ed.),The Bosweil Thesis: Ensays on Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality. Chicago University Press, p. 301-332.

RIVARA, J. Heliodoro da Cunha (1871) – Catalogo dos Manuscriptos da Bibliotheca Publica Eborense, T. 3 Lisboa: Imprensa Nacional.

SOUSA, I. Carneiro de (2002) - A Rainha D. Leonor (1458-1525): Poder, Misericórdia, Religiosidade e Espiritualidade no Portugal do Renascimento (Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas).Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Webites

SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico), consultado em 24-03-2014(http://www.monumentos.pt/Site)

 

 

Fig. 1 – Localização do convento de Nª. Srª. da Graça do Torrão.


Fig. 2 – Localização do convento (vermelho) na malha urbana do Torrão.


Fig. 3 – Reconstituição funcional da planta do piso térreo. Uma leitura hipotética da função dos compartimentos identificados.


Fig. 4 – Igreja e torre sineira do convento de Nª. Srª. da Graça do Torrão. Foto de António Rafael Carvalho.


Fig. 5 – Claustro do convento de Nª. Srª. da Graça do Torrão. Foto de António Rafael Carvalho.


Fig. 6 – Fresco de estilo barroco, existente no espaço reservado às freiras no coro-baixo da igreja do convento de Nª. Srª. da Graça do Torrão. Foto de António Rafael Carvalho.


Fig. 7 – Representação feminina existente no espaço reservado às freiras no coro-baixo da igreja do convento de Nª. Srª. da Graça do Torrão. Foto de António Rafael Carvalho.

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