Lenda do Sobreiro Dourado

Recolhi pessoalmente esta lenda nos anos 80 do século XX, junto da população sineense. Suponho que da mesma possam existir versões diversas. Mais uma vez, a explicação para um fenómeno anómalo encontra suporte no reino da magia e do esotérico, neste caso sem a intervenção da religião cristã.

Na estrada que liga Sines ao Cercal, existe um troço particularmente sinuoso, correspondente ao atravessamento da Ribeira de Morgavel. O vale da ribeira é aí bastante encaixado, muito embora o caudal seja actualmente reduzido, podendo mesmo interromper-se na época estival; a construção de uma barragem a montante acentuou esta situação de carência. De qualquer forma subsiste no local uma pequena mancha de bosque esclerófilo mediterrâneo, com boa representação de Quercus suber.

Na margem direita da ribeira, em encosta virada a sudeste, destaca-se entre o verde da folhagem arbórea uma pequena mancha dourada facilmente reconhecível para quem passa na estrada referida. Observável em todas as estações do ano, a copa dourada deste sobreiro de pequeno/médio porte constitui uma anomalia genética que foge à reserva de conhecimento empírico detido pela população local.

O sobreiro dourado, em flor durante todas as estações de ano, é um extraordinário monumento natural, que promete iluminar a paisagem durante um ou dois séculos, já que o exemplar parece ser relativamente jovem. A estória construída pelos habitantes da região sobre esta evidência possui uma forte mensagem ética e estética, atribuindo à Natureza um papel regulador no equilíbrio das relações humanas. Reza assim:

Um lavrador rico teve dois filhos que se davam muito mal, e quanto mais o pai tentava aproximá-los, mais os filhos se detestavam. Preocupado com o que se poderia passar após a sua morte, o lavrador decidiu enterrar, em segredo, a fortuna em moedas de ouro que acumulara, em encosta de difícil acesso, afastada das casas da herdade. Muito depois da sua morte, no local onde as libras foram enterradas nasceu o sobreiro dourado, cuja folhagem trazia na seiva o ouro subtraído ao tesouro.

Os mais velhos, conhecedores desta estória, tanto a contaram que os jovens herdeiros tentaram a sua sorte procurando resgatar ao sobreiro “a panela das libras”. De noite, foram à vez cavar sob as raízes do sobreiro e nada encontraram. Exaustos, encontraram-se por fim no local do sortilégio; não havia nada para dividir, tudo tinha sido devolvido à natureza; sob um luar de Agosto, os jovens abraçaram-se e perceberam que a amizade era o mais precioso bem que o pai lhes quis ensinar em vida, e deixar por morte como herança.

Joaquina Soares