O Bronze Pleno do Sudoeste no Litoral Alentejano

Carlos Tavares da Silva

Joaquina Soares

No Sudoeste peninsular, região hoje abrangida pelo Algarve, Baixo e Alto Alentejo, Andaluzia e Extremadura ocidentais floresceu, entre ca. 2800 e 1200 BC, uma “cultura” que, por ter abrangido essa área geográfica, é conhecida por Bronze do Sudoeste.

Durante muito tempo confundido com o Bronze Argárico, o Bronze do Sudoeste só nos anos de 1970, e após os estudos sistemáticos de Schubart (1975), baseados num enorme conjunto de dados recolhidos, entre outros, por Leite de Vasconcelos, Estácio da Veiga, Santos Rocha, Abel Viana, José Formosinho, Veiga Ferreira e Fernando Nunes Ribeiro, foi devidamente compreendido como “cultura” de personalidade bem marcada e perfeitamente autónoma. O seu conhecimento assentava, até aos nossos trabalhos de Sines, exclusivamente no estudo de estruturas e material de carácter funerário. Nenhum povoado é referido por Shubart ou pelos autores que o precederam como pertencente, de forma inequívoca, a esta “cultura”.

A partir de 1972, graças ao empenhamento do Gabinete da Área de Sines em conhecer e salvaguardar o património arqueológico, necessariamente ameaçado pelas obras de construção do complexo urbano-industrial então em curso, foi possível ao Grupo de Trabalhos de Arqueologia desse organismo proceder a sistemáticos trabalhos de prospecção e escavação em vastas áreas que permitiram pôr a descoberto não só diversas necrópoles (e não apenas sepulturas isoladas como era comum, exceptuando o caso único de Atalaia, em Ourique) como também dar a conhecer os primeiros locais de carácter habitacional do Bronze do Sudoeste.

Os núcleos habitacionais até agora identificados no Litoral Alentejano (Pessegueiro, Quitéria e Provença) ocupam zonas arenosas, planas e abertas, sem condições naturais de defesa e situadas nas proximidades do, ou dos monumentos funerários.

No Pessegueiro, estação localizada em frente da ilha do mesmo nome, a sul de Porto Covo, a área habitacional era rodeada por diversos monumentos sepulcrais localizados a escassas dezenas de metros. A população, cuja economia assentaria fundamentalmente na pesca e na recolecção de marisco, dedicar-se-ia também à metalurgia do cobre (cadinhos de fundição) e praticaria, embora de um modo pouco relevante, a agricultura (alguns elementos de foice – denticulados com “lustre de cereal” – e escassas mós manuais); construía cabanas de planta rectangular de que ficaram os buracos de poste estruturados com pequenas lajes de xisto implantadas verticalmente, os reforços das bases das paredes, constituídos por esteios de reduzida dimensão, e pavimento lajeado. O fogo era aceso em lareiras subcirculares, rodeadas por calhaus e lajes e com o fundo plano, de barro cozido, que se sobrelevava relativamente ao pavimento das habitações. Esta população utilizava recipientes de cerâmica raramente decorada, cujas formas, embora em alguns casos pareçam estar na evolução das da Idade do Cobre (taças largas de bordo espessado internamente), mostram maior variedade que as dos períodos precedentes: são muito comuns, as taças largas, as tijelas, por vezes de fundo plano, e os vasos altos e subcilíndricos com mamilos junto ao bordo e de fundo plano; em menor quantidade, ocorrem as formas carenadas, algumas aproximando-se das taças tipo Santa Vitória, e os vasos de colo estrangulado decorados por nervuras verticais ou por bandas horizontais de pontuações e de curtas nervuras.

As necrópoles são formadas por monumentos com um número variável de sepulturas de tipo cista. Estas, cujo comprimento ronda normalmente 1 m. e que são cobertas por tampa monolítica, integram-se em recintos tumulares de planta rectangular, limitados por lajes verticais. Os recintos confinam entre si. Deste modo, o monumento apresenta o aspecto geral de um favo.

As sepulturas seriam, de um modo geral, individuais, embora na sepultura 24 da necrópole da Quitéria tenham sido encontrados os esqueletos de dois indivíduos sepultados simultaneamente. O morto era colocado em decúbito lateral e em posição contraída e quase sempre acompanhado de uma única peça, normalmente de cerâmica (pequeno recipiente); por vezes, não era depositado qualquer espólio; só muito excepcionalmente se verificou a presença, junto do morto, de um espólio relativamente rico (sepultura 12 do monumento I da necrópole da Provença: dois vasos em cerâmica, um punhal em cobre de rebites e contas de colar em mineral de cor verde e ouro).

No exterior das sepulturas, mas na área dos recintos tumulares, encontraram-se peças de cerâmica, inteiras ou fragmentadas, aí depositadas intencionalmente. É possível que a terra dos tumuli que cobriam as sepulturas, tenha sido, por razões rituais, transportada do povoado.

Os testemunhos arqueológicos disponíveis (desenvolvimento da actividade metalúrgica, carácter individual das sepulturas, presença excepcional de sepulturas ricas, e, fora do litoral alentejano, a descoberta de estelas ou tampas sepulcrais decoradas com representações de armas e possíveis símbolos de autoridade) parecem sugerir um modelo de sociedade fortemente hierarquizada. Pelo incremento da actividade metalúrgica, que teria provocado um maior desenvolvimento das forças produtivas e acentuado a divisão social do trabalho ocorrida na Idade do Cobre, ter-se-ia verificado uma profunda alteração das estruturas comunitárias no sentido do aparecimento, no Bronze Final do Sudoeste, de formas embrionárias de sociedade classista.

Bibliografia:

SHUBART, H. (1975) – Die Kultur der Bronzezeit in Sudwesten der Iberischen Halbinsel. Berlim.

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (1980) – Cemitérios de cistas da Idade do Bronze da Área de Sines. Arqueologia, 1, p. 24-28.

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (1981) – Pré-história da Área de Sines. Lisboa: Gabinete da Área de Sines.

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (2009) – Práticas funerárias no Bronze Pleno do Litoral Alentejano. O Monumento II do Pessegueiro. Estudos Arqueológicos de Oeiras, 17, p. 389-420

Fig. 1 – Pessegueiro. Área escavada, com indicação do povoado da Idade do Bronze (a grisé tracejado) e das necrópoles (números romanos).

Fig. 2 – Pessegueiro. Planta de cabana do povoado da Idade do Bronze.

Fig . 3 – Pessegueiro. Cerâmica proveniente do povoado da Idade do Bronze.

Fig . 4 – Pessegueiro. Cerâmica proveniente do povoado da Idade do Bronze.

Fig . 5 – Provença. Planta da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 6 – Provença. Aspecto da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 7 – Quitéria. Planta da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 8 - Quitéria. Aspecto da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 9 – Pessegueiro. Planta do Monumento II da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 10 - Pessegueiro. Aspecto do Monumento II da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 11 - Pessegueiro. Aspecto do Monumento II da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 12 – Provença. Tampa monolítica de sepultura da Idade do Bronze.

Fig. 13 – Provença. Sepultura da Idade do Bronze após retirada a tampa.

Fig. 14 – Pessegueiro. Sepultura do Monumento II da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 15 – Quitéria. Sepultura da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 16 – Quitéria. Sepultura da necrópole da Idade do Bronze, vendo-se o esqueleto de um inumado em posição fetal.

Fig. 17 – Pessegueiro. Sepultura do Monumento II da necrópole da Idade do Bronze, tendo recebido duas inumações.

Fig. 18 – Provença. Sepultura 12 na necrópole da Idade do Bronze, vendo-se uma das oferendas (recipiente de cerâmica de colo estrangulado).

Fig. 19 – Quitéria. Espólio proveniente do interior das sepulturas da necrópole da Idade do Bronze.

Fig. 20 – Provença. Espólio proveniente do interior da Sepultura 12 da necrópole da Idade do Bronze