Palmeirinha

Freguesia/Concelho:Sines (Sines)

Localização:37°56'49.38"N; 8°49'33.40"W (C.M.P. 1:25000, Folha 526)

Cronologia:Neolítico Médio e Idade do Bronze

O sítio arqueológico da Palmeirinha situa-se no sopé da encosta sudeste de Chãos de Sines, à cota de 38-41m e a cerca de 1200m da linha de costa, em área plana e arenosa, cujo substrato geológico é constituído por arenitos mal consolidados do Plio-Plistocénico; abrangeria, pelo menos, 3000m2. As escavações, promovidas pela Unidade de Arqueologia do Gabinete da Área de Sines, abrangeram 360m2 e revelaram dois horizontes crono-culturais: a Camada 2, de areia argilosa castanho-amarelada (com cerca de 0,25m-0,30m de espessura), apresentava na base (Cs. 2c e 2d, ca. 0,15m de espessura) estruturas de combustão e materiais líticos e cerâmicos atribuíveis a ocupação do Neolítico médio; e no topo (Cs. 2a e 2b, ca. 0,1O-0,15m de espessura), abundantes cerâmicas, de carácter habitacional, da Idade do Bronze.

As estruturas de habitat neolíticas postas a descoberto são todas de combustão e constituídas por empedrados (termoclastos formando, de um modo geral, uma única camada) de contorno ovalado ou sub-circular com diâmetro máximo compreendido entre 0,50m e 1,10m.

Não procedemos à escavação/remoção dos referidos empedrados, que ficaram conservados in situ e protegidos por estrutura acrílica, de acordo com projecto da Arqt. Paisagista AnaMaria Vidal, do Instituto da Conservação da Natureza.

Foi analisada uma amostra de 120 artefactos líticos a fim de caracterizarmos, ainda que sumariamente, a componente em pedra lascada da cultura material móvel deste habitat do Neolítico médio. O aspecto mais relevante é o elevado desequilíbrio dos sub-sistemas tecnológicos, cabendo ao expedito apenas 7%, e ao uso intensivo, 93%. Esta realidade é inversa da observada no sítio do Brejo Redondo. Este último, distanciado da Palmeirinha cerca de 1km, explorou um ecossistema distinto, certamente a praia marinha, em cuja vertente se instalou, e essa diferenciação funcional criou uma distância sócio-económica entre os habitats que subverte completamente a proximidade geográfica. Quando nos instalámos na região, na década de 70 do séc. XX, era ainda patente, vivos os protagonistas da história, uma bipolaridade económico-social na estreita plataforma litoral que de Sines se estende a Vila Nova de Milfontes. Na margem da linha de costa habitavam famílias de pescadores/recolectores, que complementavam a sua actividade principal com a prática de horticultura em pequenos "jardins", abrigados do oceano por altos flancos dunares e irrigados por cursos de água, que drenam a Serra do CercaI. Essas famílias alargadas, de que ainda conhecemos a dos "Cadeireiros", da Praia da Vieirinha, trocavam peixe por pão com os habitantes dos montes agrícolas, que, tendo embora o mar por horizonte, desenvolviam a agro-pastorícia.

Mesmo sem ecofactos conservados, o predomínio da utensilagem expedita em Brejo Redondo aponta no sentido da prática de actividades essencialmente recolectoras, ao contrário do que se verifica na Palmeirinha.

Os escassos artefactos expeditos da Palmeirinha foram manufacturados a partir de seixos de rochas ígneas provenientes do maciço de Chãos de Sines e disponíveis na praia, a apenas 1200m do habitat.

O subsistema uso-intensivo, com os seus 93%, é revelador do carácter relativamente estável do sítio da Palmeirinha. As matérias-primas são, na sua maioria, exógenas: 61 % de sílex e rochas siliciosas microcristalinas. Os restantes 39% da matéria-prima foram preenchidos por quartzo leitoso e cristal de rocha. O sílex apresenta-se em quatro variedades principais: sílex vermelho escuro, baço e grosseiro, de fraca qualidade, provavelmente proveniente do Cercal (?); sílex de tonalidades castanhas e alaranjadas, talvez a variedade mais comum, que teria tido origem nas formações mesocenozóicas da bacia de Santiago de Cacém. A presença de um artefacto em calcedónia mostra que a população da Palmeirinha tinha contactos, directos ou não, com a mesopotâmia entre as ribeiras de Melides e da Cascalheira, que, dos contrafortes da Serra de Grândola, descem até às lagoas litorais de Melides e Santo André. Outra variedade de sílex, muito característica, branca e baça, usada apenas em um dos artefactos da nossa amostra, pode ser atribuída ao Cabo de S.Vicente, com as reservas que a observação macroscópica implica. A variedade de sílex de tonalidades cinzentas, raramente púrpura, mais incaracterística, poderá provisoriamente ser também atribuída a fonte de aprovisionamento algarvia (Praia do Beliche?).

A cadeia operatória do talhe do sílex, destinada à debitagem de lamelas, encontra-se documentada in situ, nas suas diversas fases. Na técnica de debitagem domina a percussão indirecta (53%), com aquecimento prévio da matéria-prima em 14% dos efectivos.

Os núcleos deveriam chegar ao povoado já pré-configurados (82% dos artefactos não possuem quaisquer vestígios de córtex) ou mesmo formatados, e a valorização do sílex está patente na exploração exaustiva dos núcleos presentes na nossa amostra e nas limitadas margens de desperdício da matéria-prima. Os padrões métricos das diversas categorias artefactuais são pequenos, quer se trate de lascas, ou de produtos longos (lamelas e lâminas estreitas). O índice de transformação dos produtos de debitagem, através do retoque ou através do uso, foi elevado. Nos instrumentos retocados destacam-se os utensílios do fundo comum, por ordem decrescente: buris, em geral sobre quartzo; raspadores, com predomínio dos exemplares de pequeno formato, sobre lasca e, com idêntica representação, entalhes e denticulados, seguidos pelas peças com retoque marginal, pouco especializadas. Com escassa representação, surgem os grupos tipológicos dos furadores e das peças de bordo abatido. Os geométricos estão presentes através de um trapézio (fragmento) e de um crescente, revelando a prática de actividades cinegéticas, por hipótese em articulação e em complementaridade com a actividade agrícola. Dos produtos longos com vestígios de uso, destacam-se duas lamelas com o característico lustre de cereal.

A utensilagem lítica da Palmeirinha revela, pois, um habitat relativamente estável, de economia presumivelmente agrícola, pertencente a uma fase precoce do Neolítico médio, onde a presença de geométricos e a quase ausência de suportes laminares (registaram-se somente 2 lâminas estreitas, contrastando com abundantes suportes lamelares) podem ser interpretadas como persistências da tradição da indústria lítica dos contextos do Neolítico antigo evolucionado.

A indústria de pedra bujardada está representada por percutores, alguns poliédrico-esferoidais, e elemento dormente de mó manual manufacturados em gabro-dioritos, originários do maciço eruptivo de Chãos.

Regista-se também a presença de instrumentos de pedra polida, como um talão de machado, picotado, de secção transversal oval, e o talão de enxó de excelente execução, ambos em gabro-diorito; presentes ainda um machado em anfibolito, rocha inexistente na região, reutilizado como percutor, e fragmento de enxó em xisto silicioso, verde acinzentado, de cuidada manufactura. Este conjunto artefactual, tipologicamente variado, mas pouco numeroso, foi certamente utilizado até à exaustão. O aprovisionamento da matéria-prima terá sido maioritariamente local, mas o registo de um instrumento em anfibolito coloca o sítio da Palmeirinha na rede de distribuição das matérias-primas mais qualificadas para a produção de instrumentos em pedra polida, muito provavelmente com origem no complexo metavulcânico de Ossa-Morena (Lillios, 1997).

Para a análise da cerâmica, partiu-se, por um processo de amostragem, da escolha aleatória de 91 quadrados (1m de lado) do nível neolítico: 54 pertencentes à C2c e 37 à C2d. Identificaram-se 62 recipientes (NMI) exumados na primeira dessas camadas e 49, na C2d.

A cerâmica neolítica da Palmeirinha compreende taças em calote (em geral altas, de tendência hemisférica, cujo diâmetro da boca ronda os 200mm) e esferoidais/ovóides (diâmetro da boca entre ca. 200mm e 250mm).A decoração, presente em 17 exemplares (15,3% em relação ao NMI), é dominada grandemente pelo sulco perimetral situado imediatamente abaixo do bordo (14 exemplares), que ocorre em esferoidais/ovóides de bordo direito ou inflectido para o exterior. Os três restantes exemplares decorados possuem, em dois casos, o lábio denteado por impressões transversais, e em um, banda horizontal de curtas incisões subverticais, localizada imediatamente abaixo do bordo de esferoidal! ovóide. Trata-se de conjunto cerâmico atribuível ao Neolítico médio, com estreitos paralelos nos habitats da Fábrica de Celulose, Mourão (Soares & Tavares da Silva, 1992); Algarão da Goldra, Faro, datado de 4990±320 BP (SMU-2197) (Straus et aI., 1992); Camadas Da e Db do Abrigo de Pena d'Água, Torres Novas, com data de 5180±240 BP (ICEN-1147) (Carvalho, 1998); Pontal, Comporta, datado de 4930±50 BP (CSIC-648) (Tavares da Silva et. aI., 1986) e no nível de ocupação anterior à erecção do monumento de Vale de Rodrigo 2 (Évora), datado de 4996±29 BP (KIA-31381) (Armbruester, 2007). As datas referidas, uma vez calibradas a 2 sigma, correspondem ao intervalo de tempo situado entre finais do V milénio e meados do IV milénio BC.

Bibliografia:

AMBRUESTER, T. (2007) – Technology neglected? A painted ceramic fragment from the dated Middle Neolithic site of the Vale de Rodrigo 3. Vipasca. Arqueologia e História, 2, S. 2, p. 83-94.

CARVALHO, A. F. (1998) – Abrigo da Pena d’Água (Rexaldia, Torres Novas): resultados das campanhas de sondagens (1992-1997). Revista Portuguesa de Arqueologia, 1 (2), p. 39-72.

SOARES, J. & TAVARES DA SILVA, C. (1992) – Para o conhecimento dos povoados do Megalitismo de Reguengos. Setúbal Arqueológica,9-10, p. 37-88.

STARUS, L. G.; ALTUNA, J.; FORD, D. MARAMBAT, L.; RHINE, J. S.; SCHAWRCZ, J.-H. & VERNET, J.-L. (1992) – Early farming in the Algarve (Southern Portugal): a preliminar view from two cave excavations near Faro. Trabalhos de Antropologia e Etnologia,32, p. 141-162.

TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J.; CARDOSO, J.; SOUTO CRUZ, C. & SOUSA REIS, C. (1986) – Neolítico da Comporta. Aspectos cronológicos (datas 14C) e paleoambientais. Arqueologia, 14, p. 59-82.

TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J. & COELHO-SOARES, A. (2010) – Arqueologia de Chãos de Sines. Novos elementos sobre o povoamento pré-histórico. Actas do 2º Encontro de História do Alentejo Litoral, p. 11-34.

Carlos Tavares da Silva

Joaquina Soares

Antónia Coelho-Soares

Fig. 1 – Palmeirinha. Localização no sopé da encosta oriental dos Chãos de Sines.

Fig. 2 – Palmeirinha. Tratamento museográfico (da autoria da Arquitecta Paisagista Ana Maria Vidal) da área escavada.

Fig. 3 – Palmeirinha. Tratamento museográfico de estrutura de combustão.

Fig. 4 – Palmeirinha, 1987. Plano de parte da área escavada com estruturas de combustão do Neolítico identificadas na base da Camada 2.

Fig. 5 – Palmeirinha, 1987. Estrutura de combustão dos quadrados M-N/19-20.

Fig. 6 – Palmeirinha, 1987. Estrutura de combustão dos quadrados P-Q/3-4.

Fig. 7 – Palmeirinha, 1987. Estrutura de combustão dos quadrados S-T/11-12.

Fig. 8 – Palmeirinha, 1987. Estrutura de combustão do quadrado D10.

Fig. 9 – Palmeirinha, 1987. Indústria lítica.

Fig. 10 – Palmeirinha, 1987. Indústria lítica.

Fig. 11 – Palmeirinha, 1987. Indústria de pedra bujardada (elemento de mó manual) e pedra polida (fragmentos de machado e de enxós).

Fig. 12 – Palmeirinha, 1987. Cerâmica.