Comunidades intertidais em substrato móvel

As comunidades presentes em substrato móvel são predominantemente constituídas por macrofauna e meiofauna que formam uma complexa teia alimentar cujo andar basal é ocupado por diatomáceas e por espécies detritívoras que se alimentam dos detritos orgânicos que se acumulam nas superfícies expostas pela maré. Estas comunidades são predominantemente compostas por bivalves, gastrópodes e anelídeos e, nas regiões mais abrigadas e ricas em nutrientes, como os estuários, apresentam uma diversidade e densidade de espécies muito elevada.

Em substrato móvel, a densidade e quantidade de espécies presentes na zona intertidal depende:

  • Do aporte de matéria orgânica, que constitui a base da teia trófica das comunidades presentes;
  • Do grau de hidrodinamismo, que é responsável pelo transporte desses detritos orgânicos, pela deslocação de estados larvares, juvenis e adultos das diferentes espécies presentes;
  • Da oxigenação das camadas superiores do substrato, que depende diretamente do tempo de exposição às condições atmosféricas, do hidrodinamismo e da granulometria e grau de compactação do substrato.

Nos locais em que existem boas condições para o estabelecimento de povoamentos de plantas marinhas, desenvolve-se um dos mais importantes e produtivos ecossistemas do planeta: os bancos de plantas marinhas. Este ecossistema apresenta uma grande importância pelo facto de não só dificultar o transporte de sedimentos no leito marinho de áreas relativamente vastas mas também de albergar uma grande diversidade e quantidade de espécies de bivalves, gastrópodes e artrópodes que são utilizados como alimento por inúmeras outras espécies, e por ser uma importante área de postura e maternidade para inúmeras espécies de peixes e invertebrados marinhos.

Inversamente, na maioria zonas costeiras fora da influência de estuários, onde que predomina o substrato móvel, a exposição à ondulação e reduzida deposição natural de sedimento mais fino contribuem para que a as comunidades intertidais e bentónicas de um modo geral surjam representadas por poucas espécies e por uma densidade de indivíduos relativamente baixa pois não só não existe um forte aporte de nutrientes como a reduzida matéria orgânica introduzida nestes sistemas é rapidamente transportada para locais menos expostos ao hidrodinamismo.

Nos locais onde o hidrodinamismo e deriva costeira permanecem moderados pode-se estabelecer um biótopo de grande relevância cuja base fitossociológica é designada por maerl. O maerl é uma associação de algas vermelhas calcárias que se deposita em leito arenoso até profundidades de 20m nos locais em que a deriva costeira é suficiente elevada para impedir a sedimentação de inertes finos, mas suficientemente moderada para que permita a sedimentação e acumulação das algas vermelhas calcárias que constituem a base deste ecossistema. Pelo facto de apenas ocorrer em ambientes com condições muito específicas, o maerl é um biótopo raro. Contudo, nos locais onde ocorre constitui a base de sustentação de um ecossistema muito rico, que desempenha um papel muito relevante como maternidade, habitat e área de alimentação para inúmeras espécies de invertebrados e vertebrados marinhos. Dado o lento crescimento das algas calcárias e natureza desagregada do maerl este biótopo é extremamente vulnerável a qualquer perturbação do leito marinho, sendo a pesca de arrasto uma das principais causas do seu desaparecimento nas regiões costeiras Europeias. A sua unicidade e fragilidade face a pressões antropogénicas esteve na base da proteção legal que hoje abrange estes biótopos. Nos locais amostrados no âmbito da realização do ATLAS não foram encontradas áreas de maerl.

Comunidades presentes nas regiões estuarinas

As comunidades presentes nas regiões estuarinas podem ser consideradas como um subtipo das comunidades intertidais presentes em substrato móvel pois os estuários são zonas naturais onde ocorre a sedimentação de inertes transportados pelas linhas de água. Os ambientes estuarinos merecem especial atenção por serem naturalmente muito ricos em nutrientes e matéria orgânica, e por serem locais naturalmente protegidos da ondulação marinha pela geomorfologia envolvente. Estes dois fatores, em conjunto com a disponibilidade de luz solar e substrato móvel, criam condições para o estabelecimento de dois dos ecossistemas mais produtivos que se conhecem nas regiões temperadas: os bancos de plantas marinhas e os sapais.

Bancos de plantas marinhas

Os bancos de plantas marinhas caracterizam-se por serem áreas extensas parcialmente incluídas na planície de marés em que as espécies predominantes são verdadeiras plantas superiores, com elevado grau de estruturação externa, vascularização interna, e que produzem flor, ou seja, o seu percurso evolutivo passou pela adaptação de angiospérmicas terrestres à vida em meio estuarino e marinho. Estas plantas, graças ao facto de terem raízes fixam-se em substrato móvel, o que lhes permite aproveitar a elevada disponibilidade de nutrientes presentes em ambiente estuarino e em áreas costeiras naturalmente ricas em macro e micronutrientes.

Os bancos de plantas marinhas constituem a base de biótopos particularmente ricos. Os talos das plantas marinhas desempenham um papel muito relevante como refúgio e estimulo ao assentamento das larvas de espécies de invertebrados. Os últimos estados de desenvolvimento das formas larvares destes organismos são planctónicos, o que significa que se dispersam e deslocam sobretudo em função das correntes marinhas. O assentamento das larvas e desenvolvimento dos indivíduos adultos de grande parte das espécies de bivalves, gastrópodes e anelídeos apenas ocorre quando os últimos estados de desenvolvimento larvar entram em contacto físico com uma estrutura sólida. Após o assentamento das larvas, os indivíduos adquirem a forma dos adultos e alimentam-se da matéria orgânica que se acumula nos bancos de plantas marinhas, ou de microalgas e outros microorganismos suspensos na coluna de água, por filtração.

Pelo supracitado, os bancos de plantas marinhas criam as condições necessárias para o estabelecimento de comunidades de invertebrados muito diversas e abundantes, pelo facto de permitirem o assentamento das suas larvas em ambientes naturalmente ricos em nutrientes e matéria orgânica. A comunidade de invertebrados que se estabelece nos bancos de plantas marinhas por sua vez constitui alimento para inúmeras espécies de consumidores primários e secundários contribuindo para a estruturação de uma complexa teia trófica.

A grande disponibilidade de alimento e a densidade e altura da canópia nos bancos de plantas marinhas cria um ambiente ideal para a proteção e desenvolvimento juvenil para inúmeras espécies de peixes e invertebrados marinhos que utilizam estes biótopos como maternidade.

Os bancos de plantas marinhas são biótopos que ocorrem por toda a Europa e que outrora foram comuns nas regiões estuarinas e áreas costeiras. Contudo, a eutrofização dos locais em que ocorrem bancos de plantas marinhas e consequente aumento da turbidez da água; a contaminação do leito marinho e estuarino com subprodutos da indústria química; a utilização de antivegetativos à base de Tri-butil-estanho no casco de navios; a utilização de artes de arrasto como a ganchorra e a apanha de bivalves utilizando escafandro autónomo em bancos de plantas marinhas; o fundeamento livre de embarcações sobre bancos de plantas marinhas; e, sobretudo, a remodelação do leito estuarino para criação de canais de navegação e consequente potenciação da introgressão marinha, e alteração dos padrões hidrológicos de circulação das áreas estuarinas e costeiras onde ocorrem bancos de plantas marinhas, contribuíram para uma retração rápida deste biótopo em todas as áreas costeiras na Europa.

Dada a grande riqueza dos biótopos que suportam, os bancos de plantas marinhas reminiscentes devem ser protegidos, conservados e beneficiados no âmbito da valorização das áreas marinhas onde ocorrem já que, não só são biótopos naturalmente ricos como têm uma grande importância na manutenção da diversidade e abundância de recursos naturais explorados pelo homem. O reconhecimento da grande importância dos bancos de plantas marinhas está bem patente nos diplomas legais que abrangem estes biótopos. Entre estes, a diretiva-habitats inclui os bancos de plantas marinhas no conjunto de habitats de interesse comunitário que devem ser alvo de proteção, fomento e conservação.

Sapais

Ao contrário dos bancos de plantas marinhas, os sapais são biótopos que ocorrem exclusivamente na zona entre-marés exclusivamente nas regiões estuarinas. Neste caso, as plantas que constituem o suporte de base para o biótopo são plantas terrestres que não se adaptaram totalmente à vida em ambiente marinho tendo desenvolvido adaptações fisiológicas que lhes permitem sobreviver num meio salino. Pelo facto de terem desenvolvido mecanismos e estruturas fisiológicas que lhes permitem sobreviver em meio salino, estas plantas são designadas por halófitas.

Os biótopos de sapal ocorrem nas áreas dos estuários onde o hidrodinamismo permanece baixo e permite a fixação e germinação dos propágulos das plantas halófitas. A elevada produtividade das plantas de sapal e resultante decaimento periódico de parte da canópia em conjunto com o abrandamento das correntes superficiais e consequente sedimentação de matéria orgânica e inertes finos transportados na coluna de água criam ambientes muito ricos em matéria orgânica detrítica que suportam ricas e densas comunidades de invertebrados.

As comunidades de invertebrados presentes nas áreas de sapal são fortemente modeladas pelo aporte de matéria orgânica, oxigenação das camadas superiores de substrato, que depende da maré, do hidrodinamismo e da circulação da água em profundidade permitida pela rizosfera da fitocenose de sapal, que cria canais por onde a água circula com a oscilação de maré. Assim, em ambientes muito eutróficos em que a oxigenação do substrato em profundidade é muito reduzida a comunidade de invertebrados surge representada por espécies que mantêm adaptações morfológicas e, ou, fisiológicas que lhes permitem permanecer em ambientes pouco oxigenados.

A comunidade de invertebrados presentes nas zonas alagáveis dos sapais sustenta um elevado número de populações de espécies de consumidores primários marinhos e aves limícolas, muitas delas com um estatuto de proteção internacional já que são frequentemente aves migradoras, que se alimentam nestas áreas. Nas áreas de sapal alto surgem também condições favoráveis para o abrigo, nidificação e cria de aves limícolas.

Por surgirem na orla de portos naturais (os estuários), os sapais são um biótopo ameaçado pela pressão urbanística, pelo reforço e estabilização das margens dos estuários para controlo de cheias, pela regularização dos rios que neles desaguam, e pela contaminação do meio aquático. Estes biótopos são extremamente ricos, desempenham um papel fulcral no equilíbrio e manutenção da salubridade da teia trófica dos estuários onde ocorrem e zonas costeiras adjacentes. Deste modo devem ser preservados e, se possível fomentados.

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