Da Colina do Castelo à Génese de Aljezur

Joaquina Soares

Carlos Tavares da Silva

 

Castelo de Aljezur

Freguesia/Concelho:Aljezur

Localização:37°18'59.05"N; 8°48'19.03"W (CMP. 1:25.000, Folha 584)

Cronologia:Proto-história, Romano, Medieval Islâmico e Cristão.

O Castelo de Aljezur encontra-se situado sobre uma elevação proeminente na paisagem, que domina, a leste, a fértil planície da Ribeira de Aljezur e a poucos quilómetros, para o oeste, até onde a vista alcança, o litoral, ao qual se tinha fácil acesso por via fluvial pelo menos durante o século XVI. A estas características topográficas, adiciona-se a posição favorável no corredor de circulação entre e costa alentejana e o barlavento algarvio.

Provavelmente, como resultado das boas condições geoestratégicas, o lugar foi ocupado em períodos marcados por acentuada instabilidade sócio-política. Nele estão enraizadas as origens do actual aglomerado urbano. Coroado pelo emblemático castelo, desenvolvendo-se de acordo com o declive das encostas, descendo até à planície, com as suas casas térreas de telhado de uma só água.

As escavações arqueológicas realizadas durante a última década pela Unidade de Arqueologia do Parque Natural do Sudoeste Alentejo e Costa Vicentina, em colaboração com a Câmara Municipal de Aljezur e Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, sob a direcção de Carlos Tavares da Silva, deram a conhecer diferentes ocupações humanas na colina do Castelo Aljezur. Esses trabalhos revelaram uma sequência de níveis arqueológicos, contendo testemunhos do final da Idade do Bronze, com cerca de três mil anos, da II Idade do Ferro até ao período Romano Republicano, entre o séc. IV até ao séc. I a.C., do período Muçulmano, Medieval Cristão e transição para a Idade Moderna (sécs. XV e XVI), altura em que o lugar é definitivamente abandonado.

A informação disponível sobre as ocupações mais antigas da colina do castelo é escassa. No que diz respeito à fase final da Idade do Bronze esta encontra-se representada por materiais cerâmicos provenientes de um nível pouco espesso e descontínuo, assente sobre o substrato rochoso (Fig. 3).

Embora com pouco desenvolvimento vertical, valorizamos a camada da Idade do Bronze final, pois ela indicia a existência de um povoado de altura, verdadeiro ninho de águias, muito provavelmente habitado por elite guerreira, de chefatura complexa, com expressão igualmente em outras evidências materiais neste extremo sudoeste ibérico. Referimo-nos à estela da Figueira (Vila do Bispo), com a representação de guerreiro acompanhado de armas (escudo e lança), proveniente de contexto funerário e ao achado de instrumentos metálicos, em particular de extremidade de espada no Medo do Espartal (Aljezur), provável depósito votivo sobre a arriba litoral. Os materiais cerâmicos recolhidos na camada da Idade do Bronze final do Castelo de Aljezur (Figs. 4 e 5) são tipologicamente característicos e revelam afinidades com o repertório cerâmico do sítio da Cerradinha, nas margens da Lagoa de Santo André (Tavares da Silva & Soares, 1978) atribuível a momento pré-colonial, séculos X-IX A.C., quando o ferro começava timidamente a ser conhecido nestas paragens.

Os vestígios arqueológicos da Idade do Ferro e do período Romano Republicano evidenciam filiação mediterrânea. Desta época foram identificadas produções locais/regionais e produtos importados, provavelmente de origem itálica, como cerâmicas finas de mesa, de engobe negro brilhante, tipo campaniense e ânforas vinárias dos séculos II-I a.C.

Em relação ao período muçulmano, os trabalhos arqueológicos detectaram duas fases de ocupação. Da primeira fase foram postas a descoberto estruturas cuja parte superior das paredes seriam de taipa, pertencentes a casas de habitação com pisos por vezes pavimentados. A fortificação existente actualmente parece remontar ao início da segunda fase do período almóada (séculos XII-XIII), quando foram construídas as muralhas actualmente existentes. Fazendo parte do sistema defensivo do território de Silves, que se estendia desde os actuais concelhos de Lagoa e Albufeira até Aljezur e sul do litoral alentejano.

O Castelo de Aljezur apresenta planta poligonal, com a entrada, virada a Oriente, defendida por um bastião circular (Figs. 2 e 6). Na extremidade oposta foi construída uma torre de planta retangular. Dentro da fortificação observa-se uma cisterna (aljibe) de planta retangular, de cuidada construção (Fig. 9). Foram ainda descobertos silos escavados na rocha, que permitiram atribuir a este edifício fortificado funções de armazenamento, provavelmente colectivo (Figs. 7 e 8). A dieta da população muçulmana que o habitou revelou-se muito diversificada, estando presentes abundantes restos de mamíferos domésticos e selvagens, como o veado, peixes e marisco (numerosas conchas de moluscos marinhos e estuarinos). Estes dados sugerem que a economia assentava na agro-pecuária e na pesca, complementada pela caça e recolecção de marisco. Outras actividades económicas de carácter artesanal como a metalurgia ferro, foram também praticadas pelos moradores do castelo, como atestam os restos de fundição encontrados.

A pequena fortificação muçulmana de Aljezur viria a decair com a ocupação cristã, no reinado de D. Afonso III, como resultado do ataque comandado pelo Mestre da Ordem Santiago, D. Paio Peres Correia, nos anos quarenta do século XIII.

Durante o período pós-muçulmano, ao longo da muralha e aproveitando a sua parede, foram construídos compartimentos de planta rectangular e trapezoidal provavelmente desempenhando funções de aquartelamento militar (Figs. 6, 10 e 11). O seu abandono definitivo terá ocorrido no início da Idade Moderna. As cerâmicas encontradas no topo do preenchimento das estruturas citadas, cercadas por escombros, são atribuíveis ao final do século XV / século XVI.

A informação escrita da visita da Ordem de Santiago a Aljezur, em 1482, cita especificamente o castelo, o qual estaria abandonado e parcialmente arruinado (a parte ocidental da muralha). As portas sem fechadura e parcialmente quebradas. É, contudo, notória a preocupação quanto à necessidade de reconstruir a secção da parede em ruínas, e a limpeza da cisterna onde se tinham acumulado lixos e resíduos.

Bibliografia

SOARES, J. (2001) – Castelo de Alzejur. Guia. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico.

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (1978) – Uma jazida do Bronze Final na Cerradinha (Lagoa de Santo André, Santiago do Cacém). Setúbal Arqueológica, 4, p. 71-115.

TAVARES DA SILVA, C. & GOMES, R. V. (2002) – Primeiros resultados das intervenções arqueológicas no Castelo de Aljezur. In I. C. FERREIRA (ed.), Mil anos de fortificações na Península Ibérica e no Magreb (500–1500). Actas do Simpósio Internacional sobre Castelos. Lisboa: Colibri e Câmara Municipal, p. 347–356.

Fig. 1 – Vista nascente do Castelo de Aljezur.

Fig. 2 – Torre circular junto da entrada do recinto fortificado.

 
Fig. 3 – Perfil estratigráfico do compartimento 9 do Castelo de Aljezur. A camada 6 corresponde à ocupação da Idade do Bronze final.


Fig. 4 – Materiais cerâmicos da Idade do Bronze final.

Fig. 5 – Materiais cerâmicos da Idade do Bronze final.

Fig. 6 – Planta geral do Castelo de Aljezur com indicação das áreas intervencionadas arqueologicamente. Tratamento gráfico de Sofia Gonçalves e Fausto Briosa.

Fig. 7 – Materiais do período almóada provenientes do enchimento de um silo do interior do Castelo. Seg. Tavares da Silva e Gomes, 2002.

Fig. 8 – Materiais do período almóada provenientes do enchimento de um silo do interior do Castelo. Seg. Tavares da Silva e Gomes, 2002.

Fig. 9 – Interior da cisterna. Foto de Manuel Ribeiro.

Fig. 10 – Estruturas do aquartelamento tardo-medieval situadas ao longo da muralha. Foto de Manuel Ribeiro.

Fig. 11 - Estruturas do aquartelamento tardo-medieval situadas ao longo da muralha. Foto de Manuel Ribeiro.