Conjunto da Igreja do Espírito Santo, Hospital Velho e Torre do Relógio

Tipologia: Património Religioso/Civil.

Localização:União deFreguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e S. Bartolomeu da Serra, cidade de Santiago do Cacém, Praça Conde de Bracial.

Georreferenciação:38º00’55.79’’N; 8º41’48.79’’W.

Datação:Século XIV/Século XVII - séculos XVIII, XIX, XX.

Propriedade:A antiga Igreja do Espírito Santo é propriedade privada (família Portugal da Silveira). O Hospital Velho é propriedade privada – Igreja Católica (Diocese de Beja). A Torre do Relógio é propriedade pública (Câmara Municipal de Santiago do Cacém).

Proteção:Todos os edifícios ficam dentro da Zona Especial de Proteção do Pelourinho de Santiago do Cacém.

Todos os edifícios encontram-se normalmente fechados ao público.

Resenha Histórica:

Segundo José António Falcão, os edifícios do Hospital, da Igreja do Espírito Santo e das Casas da Câmara datariam do início do século XIV, do período da princesa D. Vetaça [nota 1]. Em 1517/18, os visitadores da ordem vistoriaram o Hospital e a Igreja, que tinham uma configuração muito diferente, tal como a sua envolvente. Por essa altura, o espaço público ao redor deste conjunto de edifícios dividia-se em Praça do Sant’Esprito, acima, para onde davam as fachadas dos Hospital e da Igreja, e Rossio de Santa Maria, abaixo, onde ficava localizada a fachada das Casas da Câmara.

Após a criação da Santa Casa da Misericórdia de Santiago do Cacém, ainda na primeira metade do século XVI, terá sido dissolvida a confraria do Espírito Santo, que geria o Hospital, tendo este último passado para a gestão da Misericórdia. No entanto, quando em 1763 foi criada a roda dos enjeitados, esta passou a funcionar no edifício do Hospital, ai se mantendo até ao fim da instituição; mas, depois de recolhidas, as crianças abandonadas passavam para a responsabilidade do Município.

Entre 1667 e 1687, foi construída a Torre do Relógio, junto às Casas da Câmara, em substituição de uma das torres do Castelo que tinha tido até aí o relógio público. A partir de 1745, a vereação resolveu abandonar as Casas da Câmara, “pelo seu estado indecente” [nota 2], preferindo reunir na residência do Juiz de Fora. Em 1752, por concordata assinada entre as duas instituições, a Misericórdia cedeu a Igreja do Espírito Santo à Ordem Terceira de S. Francisco, que entretanto também possuía o Hospício localizado logo abaixo do templo, na Rua da Sociedade Harmonia. Três anos depois, ocorreu o “Grande Terramoto” e todo o conjunto de edifícios ficou muito danificado. As obras de reconstrução alteraram bastante os edifícios, com a transformação do que restava do antigo Rossio de Santa Maria no Beco da Misericórdia, devido à construção da nova capela-mor da Igreja da Misericórdia. Em 1780, a Câmara vendeu as suas antigas casas de despacho à Misericórdia (desde 1770 que a edilidade lhe vinha alugando este espaço), para ampliação do Hospital.

Em 1834, foram extintas as ordens religiosas e a Igreja do Espirito Santo, assim como o antigo Hospício da Ordem Terceira, tornaram-se propriedades particulares. Dez anos depois, em 1844, o edifício do Hospital sofreu obras profundas, tendo desaparecido a celebre varanda onde estava a “lápide” de Esculápio. Não se sabe desde quando passou a estar disposta na parede do Hospital esta epígrafe, mas, em 1721, o marquês de Abrantes, no seu discurso proferido perante a “Academia Real de Historia Portugeza” já a identifica, informando que se encontrava na vila de Santiago do Cacém; não nos diz onde, mas somos levados a supor que já estivesse então na parede do Hospital [nota 3]. Ao longo do século XIX e inícios do XX, a inscrição a Esculápio foi referida em trabalhos publicados, nomeadamente por António de Macedo e por Leite de Vasconcelos. Vários autores transcreveram a epígrafe, escolhemos aqui apresentar a transcrição de José d’Encarnação:

«AESCVLAPIO (hedera) / DEO / C(aius) / ATTIVS IANVARIVS / MEDICVS PACENSIS / TESTAMENTO LEGAVIT / OB MERITA SPLENDI / DISSIMI ORDINIS · / [QV]OD EI [Q]VINQVATRI / [...]VM PRAESTITERIT / [F]ABIVS ISAS HERES / FÃC(iendum) (hedera) CVR(avit) (hedera)

Ao deus Esculápio. Gaio Átio Januário, médico pacense, legou, por testamento (alguns bens) ao excelente conselho municipal, que, honra lhe seja, organizou em honra de Esculápio, cinco dias de festa. O herdeiro, Fábio Isas, mandou executar.»[nota 4]

A disposição desta inscrição, em honra do deus romano da medicina, na parede do Hospital Público, levou a que, durante todo este tempo, se pensasse que se tratava de uma simples lápide. Foi só durante as obras de 1988 que se descobriu, com surpresa, que o suporte da epígrafe era afinal uma larga ara romana, hoje à guarda da Real Sociedade Arqueológica Lusitana.

Ainda em meados do século XIX, o conjunto de edifícios iria ser atingido pelo sismo de 1858, mas entretanto, em 1842, o futuro conde de Bracial cedera um terreno na periferia da vila, para construção do novo Hospital da Misericórdia que hoje leva o seu nome – Hospital Conde de Bracial[nota 5].

No início do século XX, de todo o conjunto de edifícios, apenas a Torre do Relógio não era propriedade particular, tendo a Câmara continuado a pagar a um relojoeiro para cuidar do mecanismo do relógio até à segunda metade do século XX, seguindo hoje na posse do Município. Também nos inícios do século XX, o fidalgo José Joaquim de Sande Salema Guerreiro Barradas Champalimaud (1855-1915), dono da Igreja do Espírito Santo, adquiriu o primeiro Rolls-Royce que existiu em Portugal, adaptando o antigo templo a garagem. Foi nesta altura que o portal original da Igreja foi substituído pelo atual.

Ainda na primeira metade do século XX, nos anos 30, o Hospital sofreu nova campanha de obras, pela mão de Carlos José Parreira Cabral de Aboim Luzeiro de Reboredo Infante de Lacerda (1893-1968), herdeiro de José Joaquim de Sande Champalimaud e, então, comandante do Terço n.º 11 da Legião Portuguesa em Santiago do Cacém. Este adaptou o Hospital Velho a quartel desse terço e, durante as obras, foi posta a descoberto uma colunata anã, possivelmente trecentista que, no entanto, não foi descrita no início do seculo XVI pelos visitadores.

Em finais na década de 80 do século XX, o interior do edifício do Hospital Velho foi alvo de uma profunda intervenção. Mais tarde, já no século XXI, chegou mesmo a ser alvo de uma intervenção arqueológica, tendo sido descoberta uma pequena necrópole. Estas últimas intervenções no edifício inseriam-se na futura adaptação a Museu de Arte Sacra, para o qual recebeu inclusive projeto do Arq. Souto Moura; mas infelizmente este projeto nunca chegou a avançar.

Descrição:

Os visitadores dos inícios do século XVI, deixaram uma descrição da Igreja e do Hospital do Espírito Santo: «Em 1517, acedia-se a eles [Hospital e Igreja] através de um amplo alpendre apoiado em pilares de pedra e coberto por telha vã, resguardando a porta principal e o seu portal de pedraria. O edifício, construído de pedra e cal, estava dividido em dois pisos, ficando em cima a nave, ou corpo da igreja, “(…) cuberto/ de telha vaã madeirado (…)”. Ao fundo, separada da nave por grades, ficava a Capela-mor, de planta circular, com o tecto forrado de olivel e todas as suas paredes pintadas. Suspenso na parede do fundo, sobre o altar, estava um Cristo da Ressurreição. Mais acima mostrava-se um conjunto, composto pela pomba do Espírito Santo, acompanhada pelos doze apóstolos. A nave era iluminada por uma janela voltada ao quintal do hospital e, do mesmo lado, tinha uma porta que comunicava com o dito quintal, abrindo para uma escada de pedra.

No piso de baixo desenvolviam-se os compartimentos do hospital: um conjunto de “(…) casas terras (…) tamanhas como ho sobrado/ Do corpo Da Jgreija//”. Na parte da frente existia um quarto grande, com uma cama “(…) em que sse/ agasalham os pobres//” e o conforto de uma lareira (ainda hoje existente no piso inferior do edifício). Seguia-se o quarto da hospitaleira Isabel Dias, mulher viúva, que possuía outra cama e, após este, um último quarto pequeno, também destinado aos pobres e mobilado com outro leito. Ainda sob a nave do templo, ficava um corredor coberto, onde se abrigavam pobres» [nota 6].

Atualmente o conjunto tem três fachadas públicas, duas delas com portas que ligam os edifícios ao espaço público. A fachada principal, e a mais longa, é a que se encontra voltada à Praça Conde de Bracial, elevada e nivelada sobre uma plataforma de pedra que terá provavelmente sido construída após o terramoto de 1755.

À esquerda, ergue-se a fachada barroca da antiga Igreja do Espírito Santo, rematada por um movimentado frontão e limitada por um par de grossas pilastras. No topo do frontão, encontra-se uma cartela heráldica ligada à Ordem Franciscana e, abaixo desta, a meio da fachada, rasga-se uma elegante janela, rematada por um concheado rococó. O edifício é acedido por um largo portal de cantaria, com verga reta e cantos curvos, ao centro da fachada, construído no início do século XX, durante a adaptação do edifício a garagem. À direita da Igreja estende-se a fachada do hospital, rematada superiormente por uma empena contracurvada, truncada no vértice. Ao centro da empena, apresenta-se uma falsa janela, com molduras e vergas em argamassa fingindo cantaria e rematada por lintel também em argamassa; portadas almofadadas de alvenaria, rebocadas e pintadas, fingindo madeira. Todos os restantes vãos são emoldurados em cantaria. Ao centro da fachada, rasga-se um par de janelas verdadeiras, também rematadas com lintel e, logo abaixo, encaixada sobre a pilastra esquerda do edifício, rasga-se uma janela retangular de menores dimensões, hoje entaipada. Junto ao chão e rasgando o soco do edifício, encontra-se mais uma janela entaipada, trata-se da antiga janela da roda dos enjeitados. A porta, descentrada, ergue-se ao lado desta janela.

No atual Beco da Misericórdia, traseiras da Igreja dessa confraria, ergue-se o alçado lateral direito do Hospital Velho e o alçado principal da Torre do Relógio. O primeiro arranca de uma cota inferior à da plataforma frente à fachada principal e vai descendo até o beco atingir os portões dos quintais da Misericórdia e do Hospital, alinhando ao nível do piso térreo três portas com moldura em cantaria, correspondentes às portas das Casas da Câmara medievais. Ao nível do piso superior, esta fachada é rasgada por duas janelas com moldura simples em cantaria, descentradas em relação às portas do rés do chão. Ao lado, eleva-se a Torre do Relógio, com socos, cunhais e portal de acesso em aparelho rusticado. A meio da torre mostra-se uma fresta e no topo rasga-se uma das quatro janelas de verga em arco perfeito, correspondentes à sala dos sinos, acima da qual a fachada é rematada por uma grande cornija. Um dos elementos mais interessantes desta torre é a sua cobertura em coruchéu, ao qual se adicionou ultimamente um cata-vento.

Heráldica:

Cartela barroca em pedra ao centro do frontão da Igreja do Espírito Santo, mostrando as armas da Ordem Terceira de S. Francisco: o braço de Cristo e o braço de S. Francisco cruzados sobre a Cruz do Calvário.

Notas:

1 – Cf. José António Falcão – No Caminho sob as Estrelas – Santiago e a peregrinação a Compostela, 2012, p. 113.

2 – António de Macedo e Silva – Annaes do Município de Sant-Iago de Cacem, 1869, p. 121.

3 – Cf. Discurso do marquês de Abrantes perante a Academia Real de História Portuguesa, proferido em 31-07-1721, a pp. 195-202 de Manoel Telles da Sylva, marquês do Alegrete – Historia da Academia Real de Historia Portugeza, 1727.

4 – Cf. José d’Encarnação – Inscrições romanas do Conventus Pacensis: subsídios para o estudo da romanização, 1984, p. 218.

5 – Foi o Hospital de Santiago do Cacém até 2005, sendo então substituído pelo Hospital do Litoral Alentejano. Hoje o velho Hospital Conde de Bracial é uma Unidade de Cuidados Paliativos.

6 – Gentil José Cesário e Luísa Gomes – Açúcar, Pimenta e Canela, Retrato de Santiago do Cacém ao Tempo do Foral Manuelino, 2010, p. 26.

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Webgrafia:

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Gentil José Cesário

 

Fig. 1 – Igreja do Espírito Santo – Fachada. José Matias/CMSC, 2006.

 

Fig. 2 – Igreja do Espírito Santo – Cartela barroca com as armas da Ordem Terceira de S. Francisco. José Matias/CMSC, 2008.

 

Fig. 3 – Hospital Velho – Fachada. José Matias/CMSC, 2008.

 

Fig. 4 – Hospital Velho – Frontão com a janela falsa. José Matias/CMSC, 2007.

 

Fig. 5 – Hospital Velho – Alçado lateral com portas da Antiga Câmara. José Matias/CMSC, 2007.

 

Fig. 6 – Torre do Relógio – Fachada (com alçado lateral do Hospital Velho). José Matias/CMSC, 2007.

 

Fig. 7 – Torre do Relógio – Piso superior e cobertura em coruchéu (com alçado lateral do Hospital Velho). José Matias/CMSC, 2006.

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