A questão foralenga de Santiago do Cacém e o Foral da Siza Velha

Gentil José Cesário

A questão foralenga de Santiago do Cacém, que já foi bastante discutida por vários autores desde o século XIX, continua, parece-nos, em aberto, pois, apesar de um estudo recente identificar o Foral da Siza Velha (Fig. 1) com o Foral Dionisino primitivo, no nosso entender não existem indícios de se tratar do mesmo foral; continuando igualmente a não haver certezas sobre a data e o monarca que concederam o primeiro foral a Santiago do Cacém.

D. Dinis é normalmente apontado como o rei doador do primeiro foral, até porque o preâmbulo do Foral Manuelino (Fig. 2) faz a referência específica a um anterior foral de Santiago do Cacém dado por D. Dinis. António de Macedo, no entanto, considerou nos “Anais do Município” que o primitivo foral havia sido dado pelo rei D. Sancho II ou seu pai, D. Afonso II1. Em data desconhecida, o mesmo Macedo e Silva rascunhou uma nota no f. 1v do Foral Manuelino:

(…) na m.ª opinião, fir-/ mando-me em alguns factos historicos, parece-me que [o primeiro foral] foi/ dado por D. Dinis; – posto que há probabilidades de ser o seu da-/ dor D. Sancho O Capelo, por que no seu reinado [1224] foi doa-/ da esta Villa aos Cavaleiros de Sanct-Yago.2Convém ter presente que o exemplar do Foral Manuelino existente em Santiago do Cacém não possui folha de rosto, onde se encontra inscrita, no preâmbulo, a referência ao primitivo foral; já se encontrando este fólio em falta no tempo de Macedo e Silva.

Sabemos que D. Dinis, em 1285, atribuiu uma Carta de Mercê ao concelho, confirmando-lhe os seus usos e costumes e, principalmente, os seus foros escritos, como a vila os tinha tido em tempo de seu pai e de seus avós, o que faria remontar o primitivo foral a D. Afonso III, pelo menos, ou mesmo a D. Afonso II.

Ao longo do século XX, vários autores, quer baseando-se em Macedo e Silva, quer no Incipit do Foral Manuelino, quer na Carta de Mercê de D. Dinis, foram apontando a possibilidade de qualquer um dos referidos monarcas ter sido o dador do foral original.

O Foral da Sisa Velha, de que apenas conhecemos a cópia ou traslado (Fig. 1), não indica em lado nenhum o nome do rei D. Dinis, ou até de qualquer rei, pois o seu preâmbulo diz expressamente que foi aprovado e criado pelos “homens bons” da vila de Santiago do Cacém. Este facto, por si só, traduz a extrema importância do documento, pois não estamos em face de um diploma de produção régia, como os forais vulgares, mas da expressão da vontade de alguns dos habitantes de Santiago do Cacém, nomeadamente a burguesia, que inicialmente compunha o corpo camarário.

O referido traslado também não nos dá a data do documento original, para que se possa daí aferir que ele tenha sido criado ao tempo do reinado de D. Dinis. De facto, ele apenas nos dá a data em que foi feita esta cópia, no entanto transmite-nos outra informação importante: no ano de 1477, os impostos descritos no Foral da Sisa Velha eram arrecadados por um judeu, Judas Abraão. Este é um dos poucos dados seguros sobre aquela que foi descrita como a importante comunidade judaica de Santiago do Cacém, demonstrando precisamente essa importância.

Dois anos depois, em 1479, D. Afonso V faria mercê das rendas da Judiaria de Santiago do Cacém ao seu primo, o Chanceler D. Álvaro de Bragança, irmão do duque D. Fernando II de Bragança que viria a ser executado pelo rei D. João II.

Em conclusão, este documento, embora seja uma cópia de um foral que era aplicado em Santiago do Cacém, e não pareça ter sido outorgado por nenhum rei nem tenha a data do documento original, tem um interesse muito grande, pois deixa perceber o poder e a importância da burguesia santiaguense e também da comunidade judaica local.

1Cf. António de Macedo e Silva, Annaes do Municipio de Sant-Iago de Cacem (1869), p. 14.

2Foral Outorgado por D. Manuel I a de Santiago do Cacém (1510), f. 1v. Arquivo Municipal de Santiago do Cacém.

Bibliografia

BARATA, M. F. S. (1993) – Resenha Histórico-Urbanística de Santiago do Cacém (Documento não publicado, realizado para o Grupo Técnico Local de Santiago do Cacém). Arquivo Municipal de Santiago do Cacém.

CESÁRIO, G. J. & GOMES, L. (2010) – Açúcar, Pimenta e Canela, Retrato de Santiago do Cacém ao Tempo do Foral Manuelino. Santiago do Cacém: Câmara Municipal.

FRANKLIN, F. N. (1825) – Memória para servir de Indice dos Foraes das Terras do Reino de Portugal e seus Dominios. Lisboa: Academia Real das Sciências.

MADEIRA, J. (1985) – O Foral de Santiago de Cacém. Sant’Yago, 2. Santiago do Cacém: Associação Cultural de Santiago do Cacém, p. 3, 4 e 10.

REIS, A. M. (2007) – História dos Municípios [1050-1383]. Lisboa: Livros Horizonte.

REIS, M. A. B. R. (2011) – Foral Manuelino de Santiago do Cacém. Santiago do Cacém: Câmara Municipal.

SILVA, A. M. (1866) – Annaes do Municipio de Sanct-Yago de Cassem. Beja: Typ. Sousa Porto Vaz.

SILVA, A. M. (1869) – Annaes do Municipio de Sant-Iago de Cacem. 2ª edição. Lisboa: Imprensa Nacional.

Fontes documentais

Foral Outorgado por D. Manuel I a de Santiago do Cacém [Manuscrito]. 1510. Arquivo Municipal de Santiago do Cacém. PT/AMSC/AL/CMSC/B/A.

Foral Manuelino de Santiago do Cacém. Foral de Santiago do Cacém [Manuscrito]. 1510. Arquivo Nacional Torre do Tombo. PT/TT/OSCP/A/002/00059. [Consult. abril/2013]. http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4251397.

Traslado do Foral da Siza Velha de Santiago do Cacém. Traslado do foral de Santiago do Cacém[Manuscrito]. 1477. Arquivo Nacional Torre do Tombo. PT/TT/FC/001/466. [Consult. Abril/2013]. http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4604204.

Fig. 1 – Traslado do Foral da Siza Velha de Santiago do Cacém. Traslado do foral de Santiago do Cacém [Manuscrito]. 1477. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa, Portugal. PT/TT/FC/001/466. Acessível em  http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4604204.

Fig. 2 – Folha de Rosto do Foral Manuelino de Santiago do Cacém. Foral de Santiago do Cacém [Manuscrito]. 1510. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa, Portugal. PT/TT/OSCP/A/002/00059. Acessível em http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4251397.

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