Gastronomia – Alcomonias

Falar de alcomonias é penetrar no mundo das nossas origens, recordando culturas que se cruzaram com a nossa; falar de alcomonias é informar o resto do país de uma tradição dele quase desconhecida, que se manteve escondida num lugarzinho do litoral alentejano. Reminiscências de uma prática doceira que aí conseguiu não só conservar a sua especificidade, como manter ainda hoje uma surpreendente vitalidade. Um toque especial de sabor mourisco, sem requintes de exibicionismos, só marcas de antiguidade. Sabores da tradição, de origem caseira, de confecção limitada, no tempo e no espaço: sazonal e regional. Um elemento histórico e cultural que encerra segredos da sabedoria feminina árabe e alentejana, a não deixar morrer. Trata-se de um doce de recomendável memória, alheio a salvas de prata e luxos exuberantes. Era preparado pelas mulheres da aldeia, na altura da feira; e ainda estou a vê-las sentadas alinhadas, de um e de outro lado da rua que descia a partir da igreja. Gente simples, do campo, analfabeta frequentemente, mas que se impunha pela sua correcção e asseio. Lenço florido na cabeça, avental claro com folhos e rendas; e, sobre os joelhos, tabuleiros, açafates, forrados de panos branquinhos ou naperons de papel de seda (branco, rosa, azul claro), artisticamente recortados, com abertos, a imitar rendas de variados feitios. Guarnecidos por vistosas franjas de papel frisado, neles se dispunham cuidadosamente esses losangos doces, ao lado de rebuçados da mesma massa, envolvidos em igual papel de seda. Ao lado de cada mulher, uma cestinha vermelha, com duas asas, onde se encontrava o grosso da mercadoria, para o preenchimento das vagas nos tabuleiros:

Vá lá freguês, venha às alcomonias, olhe que são boas e baratas”. Era uma indústria caseira que fazia a delícia dos forasteiros; que continua a ser hoje confeccionada e vendida na feira de Santo André, a 30 de Novembro, segundo a tradição, tendo como única modernização o facto de a sua venda ser feita, actualmente, também noutras datas e já em pastelarias da redondeza.

Pesquisando em dicionários, encontrámos esta palavra registada com algumas variantes: além da forma alcomonia, figuram alquemonia, alcamonia, alcamuniá, alcomenia, alcominia e acamonia, todas elas com igual conteúdo semântico.

António de Morais Silva (1756-1824) na edição do seu dicionário de 1818, diz ser a alcomonia uma “massa feita de melaço com farinha e gengibre ou outra especiaria”; e informa que, no Brasil, essa massa é feita com mandioca.

Segundo Corominas, o vocábulo alcomonia já se encontra registado em documentos do séc. XV, para designar um bolo ou doce romboidal, composto por linhaça, cominho ou gergelim e mel, de origem judaíco-espanhol-marroquina. Vem do árabe Kammunîya, com o significado de parecido com o cominho, o qual em árabe se dizia Kammûn, termo derivado do grego.

Do que se precisa para fazer as alcomonias? Nos modernos livros de cozinha, só Manuel Fialho, em Cozinha, Regional do Alentejo (s/d, 1989 ?) nos dá a composição deste doce.

Segundo Miguel Fialho, é esta a receita das alcomonias:

-Composição:

1 litro de mel, 1 litro de pinhão torrado, 2 litros de rolão torrado, l dl. de água, canela

-Preparação:

Leva-se o mel ao lume, com uma colher de chá de canela mexendo sempre. Quando levantar fervura, deita-se a água e em seguida os pinhões, deixando novamente levantar fervura. Junta-se o rolão e mexe-se o preparado até ferver. Retira-se do lume e tende-se numa tábua ou mesa, com farinha, cortando-se em feitio de losangos. Não se deve deixar arrefecer para os pinhões não caírem” (Informação de Maria da Conceição Vilhena).

Bibliografia

CARVALHO, O.; SOUSA, J.; VALE, F. & MATIAS, J. (2015) – Relatório do Património Cultural e Natural (policopiado). Câmara Municipal de Santiago do Cacém.

Compilação de Fernanda do Vale

Fig. 1 – Alconomias. Santa Cruz. Janeiro de 2009. CMSC.

Fig. 2 – Alconomias. Fervendo os pinhões com a água e o mel. Santa Cruz. Agosto de 2009. CMSC.

Fig. 3 – Alconomias. Rolão a ser adicionado. Santa Cruz. Agosto de 2009. CMSC.

Fig. 4 – Alconomias. Tendendo a massa ainda quente com o auxílio da farinha. Santa Cruz. Agosto de 2009. CMSC.

Fig. 5 – Alconomias. Cortando tiras da massa que são posteriormente cortadas em losangos que se deixam arrefecer. Agosto de 2009. CMSC.

Fig. 6 – Alconomias arrefecendo. Santa Cruz. Agosto de 2009. CMSC.