Cerro da Bica

Freguesia/Concelho: Luzianes (Odemira)

Localização: 37º33’46,20’’N 8º26’23,50’’O (C.M.P. 1:25.000, Folha 562)

Cronologia: Calcolítico ou Idade do Bronze antigo

O Cerro da Bica é um grande povoado de altura, possivelmente fortificado, no cume de um esporão muito elevado e proeminente sobre o largo vale da ribeira Corte Brique, subafluente da margem direita do Mira (Fig. 1). O vale da ribeira Corte Brique é um amplo e extenso fosso tectónico, que se inicia a norte de Santa Clara-a-Velha e se prolonga por 5 km na direcção norte-nordeste, com largura média de 1,2 km. Como fosso tectónico, o vale está preenchido por depósito de material argiloso derivado de xisto, proporcionando bons solos agrícolas (Fig. 2). A fertilidade do vale é também favorecida pelos abundantes mananciais de água, como a fonte existente no sopé noroeste do povoado e que lhe dá o nome (Fig. 3). Consequentemente, este vale foi sempre densamente ocupado, existindo grande densidade de vestígios arqueológicos, em particular do período medieval islâmico.

O esporão do Cerro da Bica, que se estende para noroeste com elevação de mais 100 m acima da ribeira de Corte Brique, é, assim, um sítio privilegiado com amplo domínio visual sobre para norte e para poente, precisamente para os melhores terrenos agrícolas do vale. Nos flancos do lado oposto, cumeadas mais altas barram a visibilidade para sul e leste logo a poucas centenas de metros. O comando do Cerro da Bica era indubitavelmente dirigido ao vale de Corte Brique. Desde o local estratégico do antigo povoado pré-histórico, era fácil observar o que acontecia no vale a seus pés (Fig. 2).

O sítio do povoado é de difícil acometimento. A ele é possível aceder de duas maneiras. A primeira é por íngreme subida desde a ribeira de Poios (afluente da de Corte Brique) e do Barranco das Craveiras, que lhe correm no sopé a oeste e norte. Outra forma, com menor esforço físico, mas mais distante, é o acesso por cima, pelas Cumeadas, através da sucessão de crista de cabeços em ziguezague entre barrancos profundos, ao fim da qual o Cerro da Bica ainda se eleva em mais de 30 m (Figs. 4 e 5). O local do antigo povoado é, assim, um sítio extremo e apartado.

O acesso menos penoso seria, assim, condicionado à passagem baixa, estreita e mais defensável no flanco sueste (Figs. 5 e 6). Esta é uma característica comum aos povoados fortificados de altura da Pré-história recente, Idade do Ferro e período islâmico, segundo um modelo de implantação topográfica de que o Cerro da Bica, o mais antigo de todos, parece ter sido o precursor. Paradoxalmente, o Cerro da Bica, apesar de muito evidente a alguma distância, é também um sítio dissimulado que se perde de vista na envolvente mais imediata. Quase se diria que está escondido, uma característica que é também comum aos demais antigos povoados de altura fortificados de Odemira.

O Cerro da Bica tem uma única plataforma de ocupação no topo, com aproximadamente 0,4 ha e levemente inclinada para sudoeste, assim protegida dos ventos de norte e ensolarada. Esta área do topo parece ter sido murada por talude e/ou muralha que a circunda, total ou parcialmente, pelo terço superior das encostas. A presença desta linha de muralha é assinalada por linhas horizontais de vegetação mais escura visíveis nas encostas sempre na mesma curva de nível. Junto desta, encontram-se vários morouços, cujas pedras devem provir do derrube das construções defensivas pré-históricas.

Identificado em 1999, nunca se realizaram escavações arqueológicas no Cerro da Bica. À superfície do terreno (Fig. 7), recolheram-se moventes e dormentes de mós de vaivém de grauvaque cinzento de proveniência local e bloco rolado granitóide de grão grosseiro (possivelmente oriundo do complexo vulcânico de Monchique), bem como pequenos utensílios líticos sobre seixos rolados (percutores) ou quartzito lascado (raspadores) (Figs. 8 e 9). Fragmentos de grandes potes e de taças de carena alta apontam para uma cronologia do final do período Calcolítico ou de inícios da Idade do Bronze, entre meados e finais do 3.º milénio A.C..

Bibliografia

VILHENA, J. (2006) – O sentido da permanência: as envolventes do Castro da Cola nos 2.º e 1.º milénios a.C. Tese de mestrado orientada pelo Prof. Dr. Carlos Fabião, 2 vol. Lisboa: Universidade de Lisboa, 153+52 pp.

VILHENA, J. (2008) – As pedras lisas. Mós e moagem de cereais da Pré-história à Idade Média. In J. VILHENA, A. M. QUARESMA & A. T. GONÇALVES,  A moagem de cereais em Odemira. Da Pré-história à actualidade, 3 vol.. Odemira: Município de Odemira.

Jorge Vilhena

 

 

Fig. 1 – Cerro da Bica. Vista de oeste, desde o vale de Corte Brique (em primeiro plano, Monte das Casas Velhas).

Fig. 2 – Cerro da Bica. Vista de sul. Por trás, o vale tectónico de Corte Brique, com alinhamento SSO-NNO. Em primeiro plano, o monte de Vale de Água de Baixo.

Fig. 3 – Fonte na base da encosta noroeste do Cerro da Bica.

Fig. 4 – Cerro da Bica, vista de sueste, desde Cumeadas. Por trás, o vale tectónico de Corte Brique, com alinhamento SSO-NNO.

Fig. 5 – Cerro da Bica, vista lateral de noroeste (monte Chã). À esquerda, a estreita passagem, ladeada de córregos profundos, de acesso ao esporão elevado do povoado pré-histórico.

Fig. 6 - Cerro da Bica, vista lateral de sueste, da zona de acesso ao povoado.

Fig. 7 – Cerro da Bica. Dormente de mó manual de vaivém de granito de Monchique.

Fig. 8 – Cerro da Bica. Dormente de mó manual de vaivém, grauvaque local.