Cerro do Castelo de Vale Feixe

Freguesia/Concelho: UF Santa Maria e S. Salvador (Odemira)

Localização: 37º37’10,0’’N; 8º34’06,7’’W (C.M.P. 1:25.000, Folha 553)

Cronologia: Idade do Bronze e Alta Idade Média

O Cerro do Castelo de Vale Feixe situa-se na serra de Odemira, 6 km a leste desta vila e do fundo do estuário do Mira. Muito proeminente, a elevação do antigo povoado detém um amplo domínio visual sobre a envolvente, especialmente para sul, onde marcam a paisagem o planalto da Mesas e, por trás desta, as serras da Brejeira e de Monchique (Fig. 1).

O antigo povoado tem uma área de ocupação de aproximadamente 6 hectares, entre uma crista esguia alinhada a norte-sul e o esporão elevado que, da parte sul desta, se projecta para poente. Dado o realce topográfico, este último cabeço parece ter sido a parte mais importante do Cerro do Castelo (Figs. 2, 3, 4, 5). Uma cintura de muralha e talude veda os flancos sul, leste e norte do povoado, incluindo um potente terraço artificial na união entre o esporão e a crista (Fig. 6). Terraços artificiais delimitados por taludes são característicos dos povoado em altura do Bronze Final recuado, como Cerro das Alminhas (Odemira) ou El Trastejón (Aracena, Huelva). Porém, a muralha/talude não circunda completamente o Cerro do Castelo, uma vez que não abrange flanco voltado a poente, onde corre a ribeira de Vale Feixe num vale muito encaixado, a menos que nesta zona fosse construída em materiais perecíveis, como, por exemplo, uma paliçada de madeira que, naturalmente, não se conservou. Onde é mais visível, observa-se que a muralha foi construída com grandes lajes de pedra local (xisto grauváquico e blocos de gabro) e onde foram incorporadas várias mós de moinhos de tipo vaivém reaproveitadas, feitas de blocos de granodiorito e de grauvaque (Figs. 7 e 8). Fossem ou não visíveis ao exterior, estes materiais litológicos muito duros, que são da pedras mais resiliente e inalterável que se poderia obter na região, poderiam também ser incluídas nas muralhas e taludes como metáfora da fortaleza das construções defensivas, assim edificadas com os materiais mais robustos (Fig. 9).

O topo de esporão elevado do Cerro do Castelo de Vale de Gaios, que maioritariamente envolvido pela muralha, é um afloramento rochoso de tipo chapéu-de-ferro (gossan), cujo conteúdo em minerais metálicos não foi ainda analisado (Figs. 10 e 11). Tal facto aponta para o desenvolvimento de actividades paleo-metalúrgicas na área do povoado pré-histórico, possibilidade reforçada pela presença das mós extremamente duras, que poderiam ser utilizadas para trituração de minério, antes de fundição. Possíveis indícios desta actividade são também os abundantes seixos percutores de quartzito, clastos de quartzo e outros blocos de rocha cuja morfologia denuncia extracção de fundo, que se encontram por todo o povoado (Fig. 12). Nas vertentes da margem esquerda da ribeira de Vale Feixe, existem duas grandes e profundas depressões artificiais entalhadas na base da encosta, uma sob o patamar inferior do lado noroeste do antigo povoado, outra a 500 m da primeira, para montante na ribeira de Vale Feixe. Têm regularidade e dimensões compatíveis com antigas cortas mineiras em trincheiras de sopé (Fig. 13). Na Andaluzia, são conhecidas minerações da Idade do Bronze (San Rafael, Potosí, Coral) com dimensão e implantação similar. Podem ter sido explorados depósitos enriquecidos de óxidos ou sulfuretos solúveis, acumulados por percolação na base da zona de oxidação ou na transição desta à zona de cementação no nível hidrostático. O Cerro do Castelo de Vale Feixe deve ter sido, portanto, um povoado de vocação mineira.

Não foi bem determinada a cronologia da ocupação pré-histórica do Cerro do Castelo de Vale Feixe, uma vez que nunca se realizaram sondagens arqueológicas, nem se encontraram materiais cuja tipologia permita determinar com mais precisão a antiguidade do sítio. Mas o tipo de fabrico de cerâmicas e de artefactos líticos presentes na superfície sugerem ocupação da Idade do Bronze. O mesmo é fortemente sugerido pela associação na paisagem deste povoado à necrópole de «tipo Atalaia» de Cemitério dos Mouros do Cerro dos Ferreiros, a apenas 700m. As estruturas funerárias desta necrópole são inequivocamente características do Bronze Pleno do Sudoeste, período que decorreu entre aprox. 1800 e 1100 a.C.. Supõem-se, desta maneira, que ela seria a necrópole principal do povoado pré-histórico.

Certa foi a segunda ocupação do Cerro do Castelo, pelo menos no esporão oeste, durante a Alta Idade Média, como testemunhado por achados cerâmicos, como fragmentos de dollia com marcas de corda impressas (Fig. 14). Desta última ocupação, restam no sítio também diversas escórias de redução de minério de ferro em fornalhas com vazamento de jorra liquefeita.

Bibliografia:

VILHENA, J. (2008) – As pedras lisas. Mós e moagem de cereais da Pré-história à Idade Média. In J. VILHENA, A. M. QUARESMA & A. T. GONÇALVES,  A moagem de cereais em Odemira. Da Pré-história à actualidade, 3 vol.. Odemira: Município de Odemira.

VILHENA, J. & ALVES, L. B. (2008) – Subir à maior altura: espaços funerários, lugares do quotidiano e ‘arte rupestre’ no contexto da Idade do Bronze do Médio/Baixo Mira. Actas do III Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular (Vipasca. Arqueologia e História, 2). Aljustrel, p. 194-218.

VILHENA, J. & GONÇALVES, M. (2011) – Muralhas revestidas de cobre. Rochas vitrificadas em povoados do Bronze Final do Sudoeste. In J. JIMÉNEZ ÁVILA (ed.), Sidereum Ana II: El río Guadiana en el Bronce Final (Anejos de Archivo Español de Arqueología, 62). Mérida/Madrid: Instituto de Arqueología de Mérida, p. 517-554.

Jorge Vilhena

Fig. 1 – Paisagem em ampla escadaria para sul do Cerro do Castelo de Vale Feixe.

Fig. 2 – Cerro do Castelo de Vale Feixe. Vista geral de norte.

Fig. 3 – Cerro do Castelo de Vale Feixe. Vista geral de sueste.

Fig. 4 – Cerro do Castelo de Vale Feixe. Vista geral de sul.

Fig. 5 – Cerro do Castelo de Vale Feixe. Vista geral de oeste.

Fig. 6 – Taludes artificiais do recinto defensivo do Cerro do Castelo de Vale Feixe, nos flancos oeste e sul do esporão elevado. À direita, o terraço construído de ligação à crista a leste ocupada pelo antigo povoado fortificado.

Fig. 7 – Pormenor das estrutura do muro defensivo do Cerro do Castelo de Vale Feixe. Flanco ponte do esporão elevado.

Fig. 8 – Fragmentos de mó de granodiorito do Cerro do Castelo de Vale Feixe.

Fig. 9 – Cerro do Castelo de Vale Feixe. Fragmento de dormente de mó manual de vaivém de grauvaque, com face activa picotada.

Fig. 10 – Esporão elevado no lado poente do Cerro do Castelo de Vale Feixe. Vista de noroeste, da crista ocupada pela metade oriental do antigo povoado fortificado.

Fig. 11 – Afloramento de chapéu-de-ferro (gossan) no topo do esporão poente do Cerro do Castelo de Vale Feixe.

Fig. 12 – Concentração de seixos e clastos de quartzo no córrego noroeste entre o esporão poente e a crista nascente do Cerro do Castelo de Vale Feixe.

Fig. 13 – Levantamento topográfico do Cerro do Castelo de Vale Feixe (in Vilhena e Gonçalves, 2011: Fig. 6, modificado).

Fig. 14 – Cerro do Castelo de Vale Feixe. Grande fragmento de dólio ou talha com impressão de cordões na superfície da pasta cerâmica, do esporão poente. Alta Idade Média.