Cidade da Rocha

Freguesia/Concelho: Santa Clara-a-Velha (Odemira)

Localização: 37°31'23.5"N; 8°23'05.00"W (C.M.P. 1:25000, Folha 562)

Cronologia: Bronze Final ou Idade do Ferro

A Cidade da Rocha é um dos antigos povoados fortificados do vale do Mira que se encontra em melhor estado de conservação. É igualmente um dos sítios arqueológicos da região onde melhor se pode observar o efeito de vitrificação sobre muralhas antigas. Pese ser um local remoto, mas desafiante, vale a pena a visita, precisamente pela inserção paisagística e envolvente etnográfica.

Para lá chegar, depois da Estrada Municipal 1162-2, deve tomar-se como referência o rumo ao lugar de Montalto, um dos melhores exemplos dos velhos pequenos aglomerados da serra. As casas centenárias de pedra e taipa, erguidas e reerguidas no mesmo sítio desde finais da Idade Média, mostram pormenores e soluções arquitectónicas vindas, quase inalteradas, de épocas remotas: pavimentos interiores de terra batida ou calçada de xisto e quartzo, coberturas de telha vã, postes centrais de suporte, lareiras interiores desprovidas de chaminé, portas com gonzos e trancas de madeira, etc. Todas estas coisas arcaicas dão o ambiente propício e a predisposição a encetar no terreno da serra de S. Martinho uma viagem ao passado distante. Uma vez no Montalto, surge a extensa albufeira de Santa Clara, que no final da década de 1960 submergiu o Mira e diversos montes-aldeia, de que o Montalto é um sobrevivente.

Depois de Montalto, o percurso para a Cidade da Rocha segue através de 2 km de caminho carroceiro mantido para extracção de cortiça, através de uma sucessão ascendente e em ziguezague de cristas esguias, até uma elevação proeminente, o Cerro da Rocha. Ladeado de antigos ribeiros actualmente cheios pelas águas da albufeira, o Cerro da Rocha é agora uma península destacada sobre o grande lago da barragem. A paisagem, muito enrugada, é marcada pelo azul profundo da albufeira e pelo verde escuro intenso dos estevais imensos e dos sobreirais.

E é na extremidade sul do Cerro da Rocha que se vê um pequeno esporão elevado, muito destacado sobre o rio. É o antigo povoado fortificado a que os locais chamam Cidade da Rocha.

Nessa antiga cidade dos mouros, identifica-se uma muralha, localmente chamada de «círculo dos mouros», que, com 130 m de perímetro, contorna o topo e parte superior da encosta setentrional do cabeço, aparentemente sem o fechar pelo lado sul. Configura uma planta em forma de ferradura que delimita uma área interna de 0,3 ha. Em alguns pontos, a face exterior da muralha, rampeada, conserva alçado de até 1,5 m de altura. Foi construída com aparelho de grandes lajes de xisto colocadas na horizontal e ligadas por barro. Originalmente, o sítio estava a mais de 130 acima do rio (o vale foi submerso em 40 m pela barragem), pelo que a subida até à altura do cerro da Cidade da Rocha seria muito penosa.

Logo abaixo do lado norte da muralha, encontra-se um amontoado de centenas de grandes blocos de xisto e grauvaque, vitrificados e agregados, juntamente com abundantes blocos de quartzo. Como no Castro da Cola e no Cerro das Alminhas, estes blocos foram aquecidos a muito alta temperatura, que se pensa ter atingido entre 800 e 1200º C. Fundiram parcialmente, adquiriram superfícies escorificadas de brilho metálico e textura vesicular de tipo pómice. Esta acumulação de pedras vitrificadas e não vitrificadas (os quartzo precisariam de uma temperatura muito mais elevada para vitrificar) resulta do derrube de uma grande parte da muralha.

As causas da vitrificação são desconhecidas. Deve ter resultado de um grande incêndio na muralha, caso esta tivesse uma grande componente de traves, vigas e postes de madeira, e de muita lenha colocada sobre e contra ela. Os motivos de tal incêndio são hipotéticos: pode ter sido devido a conflito bélico, a um fogo descontrolado acidental, ou à queima intencional da muralha para a sua inutilização, fosse por conquistadores do sítio, fosse pelos seus próprios habitantes, quando abandonaram o povoado.

Como nunca se realizaram escavações arqueológicas na Cidade da Rocha, o sitio e a sua muralha vitrificada nunca puderam ser devidamente estudadas. Nem mesmo possuímos achados de superfície como fragmentos cerâmicos, para atribuir uma cronologia segura ao sítio. O povoado estabeleceu-se sobre um cabeço muito alto e isolado, inóspito e até desconfortável à vida quotidiana, do tipo de implantação que é característico da Idade do Bronze Final. A dúzia e meia de muralhas vitrificadas conhecidas na Península Ibérica datam sempre do Bronze Final ou da Idade do Ferro, pelo que se julga que a Cidade da Rocha foi um povoado fortificado proto-histórico.

Bibliografia:

VILHENA, J. (2014) - Acupunctura em Odemira: dois séculos de Arqueologia. In P. PRISTA (coord.), Ignorância e Esquecimento em Odemira. Odemira: Município de Odemira.

VILHENA, J. & GONÇALVES, M. (2011) – Muralhas revestidas de cobre. Rochas vitrificadas em povoados do Bronze Final do Sudoeste. InJ. JIMÉNEZ ÁVILA (ed.), Sidereum Ana II: El río Guadiana en el Bronce Final (Anejos de Archivo Español de Arqueología, 62). Mérida/Madrid: Instituto de Arqueología de Mérida, p. 517-554.

 Jorge Vilhena

Fig. 1 – A península do Cerro das Rocha, com o povoado da Cidade da Rocha no último cabeço, sobre a albufeira de Santa Clara. Vista de noroeste.

Fig. 2 – O esporão elevado da Cidade da Rocha, visto do acesso ao local, desde o Cerro da Rocha (foto de nordeste).

Fig. 3 – Cidade da Rocha, vista de norte.

Fig. 4 – Domínio do alto da Cidade da Rocha para o Mira a jusante, submerso pelo lago da barragem de Santa Clara.

Fig. 5 - Face externa da muralha da Cidade da Rocha, segmento não vitrificado.

Fig. 6 – Planta do povoado fortificado da Cidade da Rocha (in Vilhena e Gonçalves, 2011).

Fig. 7 – Bloco de concreções líticas totalmente vitrificadas e agregadas do derrube da muralha da Cidade da Rocha.

Fig. 8 – Lâmina de bloco de grauvaque vitrificado de Cidade da Rocha, mostrando transformação estrutural.

Fig. 9 - Pormenor do interior de bloco de grauvaque vitrificado de Cidade da Rocha, com textura vesicular.