Necrópole do Pardieiro

Freguesia/Concelho: S. Martinho das Amoreiras (Odemira)

Localização: 37°36'03.50"N; 8°21'22.00"W (C.M.P. 1:25000, Folha 554)

Cronologia: 1.ª Idade do Ferro

A necrópole do Monte do Pardieiro é o único monumento arqueológico valorizado no concelho de Odemira. Situa-se em plena serra de S. Martinho, junto (a apenas 10 m) da Estrada Municipal 503 que liga S. Martinho das Amoreiras a Santana da Serra, um dos caminhos antigos que conduzia a uma passagem a vau do Mira.

É também a mais ocidental das necrópoles publicadas do complexo «Ferro de Ourique». O local foi identificado devido ao achado de uma estela epigrafada da Idade do Ferro, vindo a ser intervencionada em 1989 e 1990 pelo então Serviço de Arqueologia da Zona Sul do IPPC, sob direcção de Caetano de Mello Beirão e Virgílio Hipólito Correia, no âmbito da investigação daquele grupo de necrópoles do período sidérico.

A necrópole do Pardieiro permite o estudo da sociedade que a construiu e utilizou há aproximadamente dois mil e quinhentos anos.

O que a escavação arqueológica expôs foi um conjunto de onze túmulos rectangulares agregados. Estes foram sucessivamente justapostos em torno do primeiro túmulo edificado no local, que, como os seguintes, segue os cânones da arquitectura funerária da I Idade do Ferro da região. Originalmente mais altos, o aspecto externo do conjunto de túmulos seria o de uma arquitectura monumental, de grandes maciços em forma de paralelepípedo de lajes de grauvaque cinzento, construídos com fiadas de pedras ligadas por argila. A maioria dos túmulos tem faces laterais aprumadas, mas em dois casos são escalonadas em dois ou três degraus. Possivelmente, estes túmulos eram rematados por estruturas de taipa ou terra batida, que poderiam ter tido forma piramidal ou de calote, mas que não se conservaram.

Os últimos túmulos construídos, que se encontram na periferia do conjunto, são de dimensão menor, e os mais periféricos têm uma configuração um pouco diferente, com planta em forma da letra grega pi (Π).

Cada túmulo cobre uma sepultura situada no seu centro, que tanto pode ser um fossa longa escavada até à profundidade de mais de meio metro no subsolo rochoso, como uma simples câmara funerária ao nível do chão ou pouco profunda.

Nestas sepulturas, os cadáveres foram inumados nas posições distendida ou flectida em decúbito lateral, ou cremados no local.

Recentemente, foi escavada mais uma sepultura na orla sudoeste do conjunto monumental, sepultura que consistia apenas na fossa profunda escavada na rocha ou da qual não se conservaram restos arquitectónicos acima do solo. A sua presença denota a possibilidade da necrópole ser mais extensa, com sepulturas actualmente não detectáveis acima do solo.

É provável que nestas sepulturas tenham sido inumadas ou incineradas personagens importantes da comunidade que edificou a necrópole. Devem ter sido líderes comunitários, homens e mulheres de estatuto aristocrático ou que em vida desempenharam funções religiosas. É igualmente possível que nos sucessivos túmulos construídos na necrópole fossem sepultadas pessoas da mesma linhagem familiar, ao longo de várias gerações. Também nunca se determinou se as sepulturas e câmaras dos túmulos foram usadas apenas uma ou várias vezes; o facto da disposição dos túmulos permitir acesso directo a todos eles, incluindo ao central (através de um pequeno corredor no lado nordeste do conjunto) e atendendo à solidez das estruturas arquitectónicas é possível defender uma utilização continuada das sepulturas.

De qualquer forma, a elevada acidez do terreno não permitiu a conservação de restos biológicos, incluindo, os esqueléticos (além de pequenas esquírolas de osso e alguns dentes), pelo que não se pôde realizar diagnóstico do número, género e idade ou das características antropológicas e patologias físicas das pessoas que foram sepultadas na necrópole do Pardieiro.

No interior dos túmulos foram depositadas diversas ofertas funerárias, tanto no fundo das sepulturas, como num patamar lateral da câmara funerária do túmulo central e num nicho no interior do túmulo maior do lado nascente. A escavação arqueológica encontrou, no interior das poucas sepulturas que ainda estavam seladas, armas de ferro (lanças com haste quebrada, espada, adaga), um recipiente cerâmico de fabrico cuidado e de forma orientalizante, e ornamentos pessoais: amuletos e adornos em prata e bronze, e mais de duas centenas de contas multicolores de vidro oculado, mas também de âmbar, cornalina e uma em ouro. Estas contas pertenceram a colares ou a pendentes, ou podem ter feito parte da decoração de vestuário ou de toucados de cabelo.

Os objectos são datados dos séculos VII a V a.C.. O Pardieiro é, portanto, uma necrópole cuja utilização se prolongou pelo chamado período pós-orientalizante.

Esses objectos teriam na Idade do Ferro grande valor. Foram pertença e depositados com as pessoas sepultadas na necrópole, ou oferendas dadas aos mortos, que reflectem a importância destes para quem realizou as cerimónias funerárias.

Existem estruturas arqueológicas mais antigas no local, parcialmente reveladas por debaixo dos túmulos do lado sul e nas periferia leste e oeste da necrópole. Pensa-se que são restos de uma grande cabana rectangular da Idade do Bronze Final ou Iª Idade do Ferro, cujas paredes tinham base de pedras fincadas de cutelo e seriam erguidas em altura com ramagens.

A necrópole do Pardieiro foi descoberta devido ao achado de uma grande laje de xisto grauváquico epigrafada com escrita pré-latina (que se exibe no Museu da Escrita do Sudoeste em Almodôvar). A escavação de 1989-90 permitiu a descoberta de outras duas lajes fracturadas com inscrições similares, reutilizadas como elementos de construção ou no interior dos túmulos. Ambas apresentam ainda desenhos de técnica filiforme com representações de pés ou pegadas, que também se encontraram em outras duas grandes lajes sem epígrafes. O significado destes podomorfos é desconhecido. Talvez fosse alusão à caminhada para a vida no além, ou sinal de presença ou legitimação social de indivíduos especiais.

Quanto às epígrafes do Pardieiro, determinado aspecto dos caracteres presentes nas inscrições integradas nesta necrópole da I Idade do Ferro, permitiram confirmar que esta escrita — adaptação a uma língua indígena de família céltica da escrita alfabética introduzida através das colónias fenícias no litoral sul peninsular —, é a mais antiga forma de escrita conhecida no Ocidente Europeu.

A leitura dos textos é ainda hipotética, sabendo-se que exibem fórmulas padrão de cariz funerário, de dedicação ou memorativo. Todavia, tanto no Pardieiro, como em outras necrópoles da I Idade do Ferro da região, nunca foi possível determinar se se trata de inscrições funerárias alusivas às pessoas sepultadas nos túmulos onde se encontraram as lápides epigrafadas, sobretudo se atendermos ao facto de que estas se terem encontrado sempre fora de posição original (sendo a maioria achados isolados), ou reutilizadas como elementos construtivos das estruturas dos túmulos. Quase sempre, as inscrições ocupam apenas metade das estelas, pelo que se pensa que estas deveriam ser originalmente fincadas em posição vertical.

Uma leitura proposta por J. Koch para a Estela 1 do Pardieiro, o texto mais completo desta necrópole, avança com «(…)aitura, para a mulher, Meleśa» ou «(...) para a mulher de Meleśos».

Nos túmulos do Pardieiro encontra-se plasmado o padrão arquitectónico da dezena e meia de necrópoles da I Idade do Ferro do alto Mira e alto Sado (se bem que túmulos mais antigos, do séc. VIII-VII a.C., tenham planta circular). Esta arquitectura monumental é exclusiva do chamado complexo do «Ferro de Ourique», pois no litoral a sul e a oeste as sepulturas do mesmo período, ainda que normalmente tenham espólios mais magnificentes, são muito menos monumentais e evidentes. Mais para norte, no interior do Alentejo, têm vindo a ser recentemente descobertas e estudadas necrópoles da I Idade do Ferro que, sendo tão ou mais monumentais e extensas do que as do grupo do «Ferro de Ourique», apresentam apenas estruturas subtérreas.

Bibliografia:

BEIRÃO, C. M. (1986) – Une civilisation Protohistorique du Sud de Portugal (1er Âge du Fer). Paris: De Broccard.

BEIRÃO, C. M. (1990) – Epigrafia da I Idade do Ferro do Sudoeste da Península Ibérica:novos dados arqueológicos. In A. TAVARES (ed.), Presenças Orientalizantes em Portugal – da Pré-história ao período romano (Estudos Orientais, 1). Lisboa: Universidade Nova, p. 107-118.

BEIRÃO, C. M. & GOMES, M. V. (1988) – A estela epigrafada do Pardieiro, S. Martinho das Amoreiras (Odemira, Beja). Veleia, 5. Vitoria, p. 115-123.

CORREIA, V. H. (1993) – As necrópoles da Idade do Ferro do sul de Portugal: arquitectura e rituais. Actas do 1º Congresso de Arqueologia Peninsular, 2 (Trabalhos de Antropologia e Etnologia 33, 3-4). Porto: SPAE, p. 351-375.

KOCH, J. T. (2009) – Tartessian. Celtic in the South-west at the Dawn of History Aberystwyth: Universidade de Gales.

VILHENA, J. (2008) – As armas e os barões assinalados? Reflexões em torno das necrópoles monumentais do “Ferro de Ourique” (Sul de Portugal). In F. J. JIMÉNEZ ÁVILA (ed.) – Sidereum Ana I: El río Guadiana en época post-orientalizante (Anejos de Archivo Español de Arqueología; 46). Mérida: Instituto de Arqueologia de Mérida, p. 373-398.

 Jorge Vilhena

 

 

Fig. 1 – Localização da necrópole do Pardieiro (seta vermelha) na Serra de S. Martinho.

 

Fig. 2 – Planimetria da área da necrópole do Pardieiro.

 

Fig. 3 – Planta da necrópole do Pardieiro.

 

Fig. 4 – Aspecto geral da necrópole do Pardieiro (2001).

 

Fig. 5 - Aspecto geral da necrópole do Pardieiro, após valorização (foto de 2008).

 

Fig. 6 – Sepultura periférica, em fossa simples, da necrópole do Pardieiro (foto de 2009).

 

Fig. 7 – Contas de pasta vítrea, achados da escavação do interior da sepultura periférica (2009).

 

Fig. 8 – Taça, de modelo orientalizante, da necrópole do Pardieiro.

 

Fig. 9 – Contas oculadas de pasta vítrea, da necrópole do Pardieiro.

 

Fig. 10 – Pingente de cornalina, da necrópole do Pardieiro (escavação de 1990).

 

Fig. 11 – Estela 1 da necrópole do Pardieiro (exposição Museu da Escrita do Sudoeste, Almodôvar).

 

Fig. 12 – Desenho da estela 1 da necrópole do Pardieiro.

 

Fig. 13 – Desenho da estela 2 da necrópole do Pardieiro.

 

Fig. 14 – Desenho do texto da estela 3 da necrópole do Pardieiro

 

Fig. 15 - Desenho das figuras de podomorfos da estela 3 da necrópole do Pardieiro.

 

Fig. 16 – Laje com gravação de podomorfos da necrópole do Pardieiro.