Gama 1

Freguesia/Concelho:Vila Nova de Milfontes (Odemira)

Localização: 37°44'16,0"N; 8°44'08,00"W (C.M.P. 1:25.000, Folha 544)

Cronologia: Período Romano e Moderno

O sítio arqueológico designado Gama 1 é um pequeno castellum romano na margem direita do esteiro da Gama (nome tradicional, substituído na carta militar pela designação Porto da Mó), principal braço do estuário do Mira. A foz deste esteiro foi em 1912 murada para construção de salinas, depois convertidas em piscicultura há mais de 20 anos. Até à construção desta barreira artificial à entrada da água do estuário, o esteiro era considerado uma maternidade de peixes do rio, antes do assoreamento do esteiro ter originado o sapal actual. Antigamente, o esteiro era completamente preenchido por águas das marés até, pelo menos, ao sítio de Gama 1, e era, assim, navegável ao longo de 1,5 km, facto que hoje é de difícil percepção.

Gama 1 era, portanto, um sítio ribeirinho. Ali podiam atracar as embarcações que, depois de transpor a barra, seguissem sempre na mesma direcção em linha recta ao longo de 5 km rumo a leste. Para se internarem mais no Mira, precisavam de virar antes, na curva do Moinho da Asneira, noventa graus para sul. O Esteiro da Gama era, pois, um destino directo ao fundo da ampla baía de Milfontes, enquanto a subida do Mira ficava quase escondida atrás da brusca curva da Asneira.

O sítio romano ocupa uma pequena elevação baixa, mas destacada, na margem norte do esteiro da Gama, com a forma de uma mini-península onde apenas se pode aceder a pé por uma passagem estreita e de cota mais baixa. São visíveis alinhamentos de fortes muros articulados em ângulo recto no topo do outeiro, cobertos pelas raízes de oliveiras centenárias. A forma amesetada do cerro é-lhe conferida pela construção romana soterrada, de planta aproximadamente quadrangular, com dezena e meia de metros de lado.

Alguns fragmentos cerâmicos recolhidos no local (almofariz e ânforas Haltern 70 e Oberaden 83) mostram que o sítio estava ocupado entre meados e finais do século I a.C., sendo, desta forma, da fase terminal do período tardo-republicano ou das primeiras décadas do Império fundado por Augusto. Esta parece ter sido a primeira instalação romana na parte vestibular do estuário do Mira.

Uma vez que nunca se realizaram escavações arqueológicas em Gama 1, a única actividade antiga bem documentada no sítio, através de achados de superfície, é a siderurgia. Encontram-se escórias de redução de ferro, ou seja, da transformação do minério em metal, na base da vertente a norte (mas que podem estar relacionadas com o sítio tardo-medieval Gama 2), e escórias de pós-redução (depuração e forja) de ferro no centro do antigo sítio romano.

Dados a posição e situação no antigo braço de estuário e o tipo de estruturas, Gama 1 poderá ter sido um pequeno castellum:um pequeno fortim destinado ao policiamento do território e do estuário, ou uma residência fortificada, construída e habitada por povoadores romanos ou plenamente romanizados. Estes seriam oriundos de outras partes da Hispânia onde a presença romana estava já consolidada, como a Bética, no quadro do povoamento com colonos dos territórios mais ocidentais, possivelmente soldados desmobilizados das legiões romanas, a quem eram atribuídas terras nas novas províncias conquitadas. Estes terão edificado casais fortificados, segundo um modelo anterior às uillae romanas as quais, no estuário do Mira, só irão surgir ao longo do século I.

O próprio nome Gama carrega alguma história. O nome antigo do braço de rio era Esteiro do Comendador, que surge já em 1235 na definição do concelho de Aljustrel (termo que, nessa altura, chegava ao litoral de Sines e Milfontes, pelo curso do esteiro e do Mira até à foz); o mesmo topónimo surge na documentação, em 1565. Esse comendador do século XIII seria o provincial da Ordem de Portugal, mas nos séculos XV e XVI poderá referir-se a D. Estevão da Gama, pai do navegador Vasco da Gama, que foi senhor de Colos e de Sines e comendador do Cercal. O topónimo Gama refere-se, portanto, a propriedades região.

Designámos em 1999, nas campanhas de prospecção para identificação de sitios arqueológicos na área, como Gama 1 o sítio arqueológico de período romano; o sítio Gama 2 situa-se na vertente a norte do primeiro, pouco abaixo da ruína de monte desabitado, e nele existem restos cerâmicos de Época Moderna, datáveis dos séculos XV e XVI, portanto, do tempo de Estêvão e Vasco da Gama; Gama 3 é um sítio de habitat pré-histórico no rebordo da planície a norte, com dispersão à superfície do terreno, em volta do actual Monte da Gama, de artefactos líticos datáveis dos períodos Epipaleolítico ou Mesolítico.

Do mesmo tempo dos fidalgos Gama são as ruínas do antigo moinho de maré do século XV ou XVI que existia imediatamente ao lado do sítio arqueológico romano, na base da vertente do lado poente, em actual zona de sapal. Este moinho é referido em documento datado de 1565 como «moinhos da gama», no plural por ter mais que uma moenda na mesma azenha. Estas seriam accionadas durante a baixa mar pela força descendente da água do rio capturada na caldeira, a grande represa do moinho, durante a maré cheia. Terá sido construído em resposta à advertência dada ao comendador pela Ordem de Santiago em 1517 para avançar com a construção de moinhos de água salgada na foz do Mira. Sabe-se, também pela documentação, que o moinho estava já completamente arruinado em inícios do século XIX. Actualmente, nada mais se pode observar que a sua comporta, talhada na rocha (37°44'15,1"N; 8°44'08,21"W), tendo desaparecido toda a construção acima do chão; o restante sistema de conduta de água e peças de madeira da turbina do engenho (penas, rodízios) provavelmente estarão ocultos no lodo.

 

Bibliografia:

QUARESMA, A. M. (2000) – Rio Mira. Moinhos de maré. Aljezur: Suledita.

QUARESMA, A. M.(2003) – Vila Nova de Milfontes. História. Vila Nova de Milfontes: Junta de Freguesia.

VILHENA, J. (2005) – Odemira: imagens breves do passado. Memória Alentejana, 15/16. Lisboa, p.15-23.

VILHENA, J. (2012) – Milfontes, uma história feita em cacos (“maravilhas de Portugal”). FO Magazine, 7. Odemira, p. 26-29.

VILHENA, J. (2014) – Acupunctura em Odemira: dois séculos de Arqueologia. In P. PRISTA (coord.), Ignorância e Esquecimento em Odemira. Odemira: Município de Odemira.

VILHENA, J. & RODRIGUES, J. (2009) – O ‘grande fosso’: a escavação arqueológica no Cineteatro Camacho Costa e o Cerro do Castelo de Odemira na Idade do Ferro Tardia. Actas do 1.º Encontro de História do Alentejo Litoral (Sines, 18-19 de Outubro de 2008). Sines: Centro Cultural Emmerico Nunes, p. 204-214.

Jorge Vilhena

 Fig. 1 – Gama 1. Vista de sudoeste, 1999.

Fig. 2 – Gama 1. Vista de leste, 2013.

Fig. 3 – Gama 1. Vista de norte.

Fig. 4 – Gama 1. Muros de período romano. Vista de oeste, 1999.

Fig. 5 – Gama 1. Estruturas de muros de período romano. Vista de norte, 2011.

Fig. 6 – Gama 1. Comporta talhada na rocha do moinho do século XVI. Vista de leste.

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