Biótopos, Habitats e Comunidades de maior relevância para a conservação dos valores naturais

A área abrangida pelo ATLAS apresenta um valor intrínseco muito elevado pela baixa ocupação e seu valor cénico e natural bem patente com elevado valor estratégico para o fomento do turismo vocacionado para atividades na natureza e ambiente rural.

Na área de estudo surgem dois parques naturais, o Parque Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, que é uma área costeira localizada a Norte de Sines e o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

As lagoas de Santo André e da Sancha são dois planos de água salobra, cuja ligação com o mar é temporária permanecendo aberta apenas durante o período das chuvas. Estes planos de água apresentam características paludosas, desenvolvendo comunidades ricas de plantas hidrófilas, como os juncais, resistentes à salinidade que servem de abrigo para inúmeras espécies de aves limícolas, incluindo espécies migradoras que aí nidificam durante o período do Inverno. A sazonalidade da abertura destas lagoas com o meio marinho resulta na sua reduzida influência sobre os ecossistemas marinhos presentes nas áreas adjacentes, pois, o débito de nutrientes e matéria orgânica apenas tem influencia durante o período do Inverno que é uma altura em que a disponibilidade de luz solar é menor e a agitação marítima permanece muito elevada, facilitando a dispersão da carga que conflui para as áreas marinhas a partir destas lagoas.

O troço costeiro entre a Ribeira da Junqueira (S. Torpes) e o Burgau insere-se no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) que é uma das últimas áreas costeiras presentes na Europa que mantêm baixa taxa de ocupação e surgem pouco intervencionadas conservando os biótopos e habitats típicos em elevado estado de conservação. O valor intrínseco desta área é muito elevado pelo seu valor cénico, biótopos, habitats e espécies de fauna e flora presentes pelo que é imperativa a sua conservação e gestão no sentido de direcionar a economia local para atividades que dependam da salubridade do meio natural, como a produção aquícola em regime extensivo de algas, bivalves, gastrópodes e peixe, o mergulho recreativo, e o turismo da natureza, gastronómico e cultural, que é uma forma de turismo menos sazonal do que o turismo balnear.

Um dos principais fatores de ameaça presente nesta linha de costa é expansão urbanística cuja evolução tem sido mais rápida desde 1990. Uma vez que o elevado valor económico da área do PNSACV se relaciona com as suas características naturais únicas é imperativo que o desenvolvimento do turismo nesta área seja controlado e direcionado para as localidades que estejam fora dos limites do Parque Natural e para a criação de sistemas de apoio e transporte de forma a reduzir ao máximo o “turismo à borda de água”, que contribuiu para a degradação e consequente perda de valor económico de outras áreas costeiras de Portugal.

Por ser um Parque Natural, o PNSACV é uma área de elevada importância para a conservação da natureza na área de estudo considerada no âmbito deste ATLAS. A elevada heterogeneidade geomorfológica presente na área de estudo cria condições para o desenvolvimento de biótopos, habitats e comunidades únicas. Entre estas, destacam-se as comunidades presentes nas regiões estuarinas, nos recifes rochosos e o MAERL por terem características únicas, por serem particularmente sensíveis a alterações ambientais e pela sua elevada produtividade e importância na manutenção da riqueza e abundância de espécies nas regiões costeiras onde ocorrem e áreas marinhas adjacentes.

Comunidades presentes nas regiões estuarinas

Tal como foi referido anteriormente (ver capítulo “Intertidal-Substrato móvel – 2.1.1”) os estuários por serem ambientes naturalmente ricos em nutrientes permitem a fixação de comunidades de organismos detritívoros, planctónicos e produtores primários muito ricas e abundantes que são a base de sustentação de inúmeras espécies que se alimentam das mesmas. Entre as comunidades únicas presentes nos estuários destacam-se os bancos de plantas marinhas e o sapal que são utilizados como abrigo e áreas de postura por inúmeras espécies. Os bancos de plantas marinhas desempenham ainda um papel muito relevante na estruturação das comunidades de invertebrados bentónicos e manutenção da sua abundância, por permitirem o assentamento das suas larvas.

Entre as comunidades presentes nos estuários destacam-se ainda as comunidades presentes nos bancos de areia e vasa (mouchões) que ficam temporariamente expostos às condições atmosféricas durante a maré-vazia. Estas comunidades desempenham um papel muito importante na manutenção das populações de avifauna limícola presentes nos estuários que se alimentam de invertebrados marinhos e estuarinos.

A riqueza em recursos vivos e os portos naturais presentes nas regiões estuarinas favoreceram a fixação de populações, que na maioria dos casos se expandiram correspondendo atualmente a grandes cidades. Deste modo os estuários são o local de confluência de uma elevada carga de efluentes urbanos e industriais, apresentam as margens reforçadas como forma de limitar as cheias sazonais e o leito é frequentemente intervencionado como forma de manter os canais de navegação. A crescente pressão exercida pelo desenvolvimento das povoações presentes na orla dos estuários e crescente atividade humana têm exercido um efeito negativo muito significativo sobre os biótopos e habitats presentes conduzindo à sua fragmentação e desaparecimento.

A grande importância dos ecossistemas estuarinos e o reconhecimento do seu estado de ameaça está bem patente no elevado número de habitats estuarinos citados na Diretiva Habitats e na lista da convenção OSPAR (Tabela 1).

Na área de estudo surgem dois estuários, o estuário do rio Sado e o estuário do rio Mira.

Comunidades presentes nos recifes rochosos

Os recifes rochosos que permanecem total ou parcialmente imersos permitem o desenvolvimento de ecossistemas marinhos muito diversos em função da natureza da rocha, heterogeneidade morfológica, da sua exposição à ondulação, luz solar, correntes marinhas superficiais e disponibilidade de nutrientes e matéria orgânica. 

A riqueza e abundância de indivíduos presentes nos ecossistemas associados a recifes rochosos está associada à disponibilidade de substrato sólido que permite a fixação de macroalgas e de invertebrados em grandes densidades criando ambientes ricos para outras espécies de invertebrados e vertebrados de vida livre. 

A agregação de populações de espécies com interesse comercial nos recifes rochosos confere-lhes um elevado valor para a pesca e apanha comercial e recreativa, e para o turismo de mergulho. O grande valor económico dos recifes rochosos e o valor intrínseco dos ecossistemas que sustentam devem ser tidos em consideração na sua gestão sustentada da economia das localidades situadas nas suas imediações.

O reconhecimento da importância e singularidade dos ecossistemas presentes nos recifes naturais para a conservação das espécies, habitats e biótopos marinhos resultou na sua inclusão na lista de habitats da diretiva habitats (habitat Recifes-1170).

Os recifes rochosos são mais frequentes na área marinha adjacente a Sines, Porto-Covo e na área marinha entre o Cabo Sardão e Sagres. Na zona entre o Cabo de S. Vicente e Sagres, e em Porto Covo os recifes rochosos são muito frequentes, apresentam elevada heterogeneidade e surgem a cotas de profundidade muito variáveis. Assim, nesta área os ecossistemas presentes apresentam maior diversidade em relação aos existentes noutros locais.

Maerl

O maerl é uma associação de algas vermelhas calcárias que surge no circatidal em áreas arenosas até aos 20m de profundidade, onde o hidrodinamismo se mantém suficientemente baixo para permitir a sua acumulação ao longo do tempo e a intensidade luminosa é suficiente para o desenvolvimento dos propágulos das algas vermelhas. A associação de algas que forma o maerl constitui a base da teia trófica deste ecossistema único e os interstícios existentes entre as algas calcárias abrigam inúmeras espécies. Devido ao facto de depender da conjunção entre vários fatores ambientais muito específicos, a ocorrência de maerl é rara em zonas marinhas muito expostas à ondulação, como é o caso da costa Ocidental de Portugal.

O facto de depender da acumulação de algas calcárias de crescimento lento no leito marinho de zonas de substrato móvel, torna o maerl particularmente sensível a fatores de perturbação do leito marinho como artes de pesca de arrasto, fundeio de embarcações, extração de inertes e obras de aprofundamento e manutenção de canais de navegação, e com alterações da turbidez da água a longo prazo.

Devido à sua raridade e fragilidade e crescente pressão humana sobre o leito marinho, o maerl é um dos habitats citados na lista de habitats ameaçados da convenção OSPAR. 

Na área considerada na elaboração do ATLAS não foram encontradas áreas de maerl. No entanto, tendo em consideração o plano de amostragem seguido, o número de pontos e a raridade deste habitat não se pode excluir a possibilidade da existência e áreas de maerl na faixa costeira entre a Comporta e o Burgau.

A percepção da grande fragilidade, unicidade, produtividade e importância dos biótopos e habitats costeiros e a associação do seu estado de degradação com fatores antropogénicos esteve na base da elaboração de protocolos internacionais que visam uma gestão conjunta na sua área de distribuição. Entre estes protocolos, a Diretiva Habitats, transposta para o quadro Legal de Portugal pelo Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, transcrito no Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro, refere os habitats e espécies de interesse comunitário que devem ser conservados, destacando aqueles cuja proteção é prioritária.

A convenção OSPAR, transcrita para a Lei Portuguesa pelo Decreto n.º 59/97, de 31 de Outubro, Decreto-Lei n.º 7/2006 de 9 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 15/2012, de 2 de Abril, cita as espécies e habitats marinhos que estão ameaçadas e em regressão e que devem ser alvo de medidas específicas de reabilitação, fomento e conservação.

Na tabela 1 apresentam-se os habitats marinhos presentes na área de estudo que estão citados nos diplomas acima referidos e suas áreas de ocorrência entre a Comporta e o Burgau.

Tabela 1 – Habitats intertidais e circatidais de maior relevância para a conservação da natureza presentes na área costeira entre a Comporta e o Burgau.


Biótopo/habitat

Tipo

Locais de ocorrência

Áreas de ocorrência

OSPAR

DL nº140/99

Maerl

Circatidal

Entre a Comporta e o Burgau

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8

X

-

Recifes

Circatidal e intertidal

Entre Sines e o Burgau

3, 4, 5, 6, 7 e 8

-

habitat-1170

Bancos de Zostera

Intertidal e circatidal

Estuários do Mira e Sado

1 e 4

X

habitat-1130 e 1140

Estuário

Intertidal

Estuário do Mira e Sado

1 e 4

-

habitat-1130

Lodaçais e areais a descoberto na maré baixa

Intertidal

Estuário do Mira e Sado

1 e 4

X

habitat-1140

Bancos de Ostrea edulis

Intertidal

Estuário do Mira e Sado

1 e 4

X

habitat-1130 e 1140

Enseadas ou baías pouco profundas

Intertidal

Estuários do Mira e Sado e lagoas de Sto André e Melides

1, 2 e 4

-

habitat-1160

Vegetação anual das zonas de acumulação de detritos pela maré

Intertidal

Estuários do Mira e Sado e lagoas de Sto André e Melides

1, 2 e 4

-

habitat-1210

Vegetação anual das zonas de acumulação de calhaus rolados

Intertidal

Entre o Cabo Sardão e Sagres

5, 6, 7 e 8

-

habitat-1220

Prados de Spartina

Intertidal

Estuários do Mira e Sado e lagoas de Sto André e Melides

1, 2 e 4

-

habitat-1320

Prados salgados mediterrânicos (Juncetalia maritimi)

Intertidal

Estuário do Mira e Sado

1 e 4

-

habitat-1410

Matos halófitos mediterrânicos e termoatlânticos

Terrestre e intertidal

Estuários do Mira e Sado e lagoas de Sto André e Melides

1, 2 e 4

-

habitat-1420

Matos halonitrófilos

Terrestre e intertidal

Estuários do Mira e Sado e lagoas de Sto André e Melides

1, 2 e 4

-

habitat-1430

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