Castelos do Torrão. A ocupação calcolítica

Freguesia/Concelho:Torrão.

Localização:38°17'49.67"N; 8°13'45.10"W (C.M.P. 1:25.000, Folha 487)

Cronologia:Calcolítico e Idade do Bronze

O ponto mais elevado da vila do Torrão situa-se na extremidade NO da povoação e é conhecido pelo nome de Castelos. Aí se localiza o depósito de água e a igreja matriz que contém elementos arquitectónicos manuelinos. Embora o casario mascare a morfologia primitiva do local, facilmente nos apercebemos de que se trata de uma colina que se salienta na paisagem (cota de 130m) e cuja encosta NO se prolonga por um esporão da margem esquerda do Xarrama, vencendo um desnível de cerca de 90m.

A urbanização da sua encosta NO levou o Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal a proceder a uma prospecção que permitiu recolher, à superfície do terreno, cerâmicas de tipologia calcolítica. Pela sua inserção no casco histórico de uma povoação rural e em uma importante mancha de povoamento calcolítico objecto de projecto de investigação mais vasto, decidiu-se, numa primeira fase, proceder à realização de uma sondagem arqueológica que permitisse avaliar do interesse científico e cultural do arqueosítio, já que estavam reunidas todas as condições para que futuramente se viesse a concretizar, nesta jazida, um programa de arqueologia urbana ao serviço do desenvolvimento cultural da comunidade.

O corte aberto, no sítio dos Castelos, permitiu identificar uma sequência estratigráfica onde estão patentes, no que se refere à ocupação da Pré-história recente do local, níveis do Calcolítico e da Idade do Bronze.

O estudo dos materiais cerâmicos provenientes dos níveis calcolíticos indica uma lenta evolução, sem rupturas que, comparada com a do vizinho e bem estratificado povoado do Monte da Tumba (Tavares da Silva & Soares, 1987), parece ter-se iniciado em uma fase antiga do Calcolítico do Sudoeste (são patentes na Camada (C.) 12 dos Castelos, bem como nos níveis da fase I do Monte da Tumba, peças filiáveis no Neolítico final, como a taça carenada e a placa paralelipipédica provida de um furo em cada extremidade) e culmina no Calcolítico final, com o aparecimento de cerâmica campaniforme incisa. A evolução da cerâmica processa-se com poucas alterações qualitativas, notando-se, principalmente, variações de carácter quantitativo; é de realçar o notório paralelismo existente entre os Castelos e o Monte da Tumba, designadamente no que concerne aos pratos de bordo sem espessamento e aos pratos de bordo almendrado: nos Castelos, tal como no Monte da Tumba, a primeira destas formas aumenta de frequência relativa de baixo para cima, ao longo da sequência estratigráfica, enquanto a segunda decresce. A semelhança entre as pastas e o tipo de cozedura da cerâmica dos dois arqueosítios é igualmente flagrante, notando-se, em ambos, o predomínio do tipo de cozedura oxidante; nos níveis inferiores quer do Monte da Tumba quer dos Castelos, são comuns os exemplares cozidos em ambiente oxidante com fase de arrefecimento redutora (núcleo dos fragmentos vermelho e superfícies castanho-acinzentadas).

Também os crescentes achatados – que poderiam ter-se originado a partir dos "pesos de tear" paralelipipédicos com um furo em cada topo, tão abundantes em jazidas do Neolítico final alentejano, como acontece no Cabeço da Mina (Tavares da Silva & Soares, 1976-77), nos arredores do Torrão – ocorrem nas duas jazidas preferencialmente na base das sequências estratigráficas. Se, por um lado, o espólio das Cs. 12, 11 e 10 dos Castelos apresenta evidentes afinidades com o dos níveis inferiores, médios e superiores, respectivamente, do Monte da Tumba, a C.9 dos Castelos – formada pela acumulação de materiais transportados da zona mais alta do povoado por agentes da dinâmica externa – contém elementos que permitem dilatar consideravelmente a longevidade da ocupação humana do local em relação à daquela jazida. Referimo-nos à cerâmica campaniforme incisa, à cerâmica carenada da Idade do Bronze e ao talão de machado de cobre ou bronze.

Uma outra diferença que ressalta da comparação entre os Castelos do Torrão e o Monte da Tumba é a ausência de cerâmica de revestimento nesta última jazida onde se verificou intensa utilização de adobes. A C. 10 dos Castelos forneceu inúmeros fragmentos de cerâmica de revestimento com negativos de ramagens. Porém, a reduzida área escavada não permite por enquanto adiantar mais elementos sobre as técnicas construtivas.

Referências bibliográficas

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (1976-77) - Contribuição para o conhecimento dos povoados calcolíticos do Baixo Alentejo e Algarve. Setúbal Arqueológica, 2-3, p.179-272.

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (1986) - Intervenção arqueológica na vila do Torrão: ocupação calcolítica. Actas do I Encontro Nacional de Arqueologia Urbana (Setúbal 1985). Lisboa: Instituto Português do Património Cultural.

TAVARES DA SILVA, C. & SOARES, J. (1987) - O povoado fortificado calcolítico do Monte da Tumba. I- Escavações arqueológicas de 1982-86 (Resultados preliminares). SetúbalArqueológica,8, p. 29-79.

Carlos Tavares da Silva

Joaquina Soares

 

Fig. 1 - Localização dos Castelos do Torrão (1). Em 2, o Monte da Tumba. Imagem satélite Google Earth.

Fig. 2 - Localização da sondagem arqueológica (assinalada por um circulo) aberta no sítio dos Castelos, zona de cota mais elevada da vila do Torrão.

 

Fig. 3 - Castelos do Torrão. Perfil estratigráfico do lado NE dos Qs. L24, K24 e J24. A ocupação calcolítica está representada nas Cs. 9 a 12.

 

Fig. 4 - Castelos do Torrão. Espólio da C.12: 1 - "pilão" em rocha eruptiva; 2 a 48 – cerâmica.

 

Fig. 5 - Castelos do Torrão. Cerâmica da C. 11.

 

Fig. 6 - Castelos do Torrão. Espólio lítico (nos 1 e 2) e cerâmica da C.10.

 

Fig. 7 - Castelos do Torrão. Espólio cerâmico e metálico (nº 23) da C.9 . O nº 22 oferece decoração incisa (campaniforme).

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