Feitoria Fenícia de Abul

Freguesia/Concelho:Santa Maria do Castelo/Alcácer do Sal

Localização:38°25'42.19"N; 8°40'54.14"W (C.M.P. 1:25.000, Folha 468)

Cronologia: Idade do Ferro e Época Romana

Abul A ocupa, na margem direita do paleo-estuário do Sado, pequena península, em promontório, que se liga por estreito istmo a uma península mais larga onde se localiza Abul B (santuário do século V AC) e Abul C (da Época Romana). A pequena península de Abul A era limitada a norte e a sul por duas enseadas com boas condições de porto natural; dela se dominava a desembocadura do paleo-estuário, sendo possível controlar plenamente o tráfego fluvial. A sua excelente situação geoestratégica era reforçada pelo facto de se situar nas proximidades da confluência do Sado com a ribeira de São Martinho, afluente que dava acesso ao maciço eruptivo da Serrinha, rico em recursos mineiros. Além disso, encontrava-se a meio caminho entre os povoados orientalizantes de Setúbal e Alcácer do Sal.

Geologicamente, este local é constituído por formações argilosas do Miocénico que teriam sido utilizadas como fonte de matéria-prima pela olaria de Época Romana que aí se situou entre os séculos I e III.

Foram realizadas em Abul, entre 1990 e 1997, oito campanhas de escavações arqueológicas promovidas pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal e pela Missão Arqueológica Francesa em Portugal e dirigidas por Carlos Tavares da Silva e Françoise Mayet (Mayet & Tavares da Silva, 2000).

Durante o segundo quartel ou em meados do século VII AC foi construído, na parte superior do promontório, um edifício de planta quadrangular (cerca de 22 metros de lado), cujos compartimentos se organizavam em torno de um pátio central, igualmente quadrangular (11 metros de lado). A nascente, norte e poente deste pátio foram construídos grandes compartimentos rectangulares (com 11 metros de comprimento máximo), que podiam ter funcionado como armazéns. A sul, dispunham-se, em fiada, salas mais pequenas, talvez utilizadas como habitações ou/e com funções de carácter “administrativo”. O acesso a este edifício fazia-se por “torre” rectangular saliente no lado ocidental.

A rodear a elevação onde se ergueu o edifício anteriormente referido, foi aberto um fosso de secção em V assimétrico, com 5 metros de largura máxima e profundidade superior a 2 metros, e traçado curvilíneo, que ligava a margem fluvial (a oeste) à enseada norte.

Provavelmente na segunda metade do século VII BC, aquela área edificada é reorganizada, sem que tivesse ocorrido qualquer abandono. Verifica-se a expansão das construções para sul e oeste; o pátio central sofre redução significativa, embora mantenha planta quase quadrangular (7x6,5 metros), e passa a ser rodeado por corredor perimetral a partir do qual se estabelece a ligação entre a entrada principal (agora situada no lado sul e servida por rampa de acesso lajeada por grandes blocos de brecha da Arrábida) e todos os compartimentos do edifício. Nos lados nascente, norte e poente mantêm-se os grandes compartimentos da primeira fase e no lado sul são construídos novos compartimentos, mas apresentando, tal como na Fase I, pequenas dimensões. No centro do novo pátio surge um “altar” rectangular (1,35m por 1,25m). O fosso que rodeava a elevação é colmatado, passando sobre ele a referida rampa lajeada.

Na zona baixa de Abul A, e próximo da margem da enseada meridional, sob estruturas de armazém “portuário” da Época Romana, foram escavados dois compartimentos separados por uma rua; o espólio aqui exumado parece contemporâneo do da segunda fase do edifício da zona alta do promontório.

A ocupação fenícia de Abul A teria terminado durante a primeira metade do século VI AC. No século V AC, é construído em Abul B um pequeno santuário, e a partir do século I, o sítio de Abul A volta a ser ocupado, agora por uma olaria especializada na produção de ânforas, que aqui funciona até meados do século III.

Bibliografia

MAYET, F. & TAVARES DA SILVA, C. (2000) - L`établissement phénicien d`Abul (Portugal).Comptoir et sanctuaire. Paris: Diffusion E. Boccard.

MAYET, F. & TAVARES DA SILVA, C. (2002) - L’atelier d’amphores de Abul (Portugal). Paris: Diffusion E. Boccard.

MAYET, F. & TAVARES DA SILVA, C. (2005) – Abul. Fenícios e Romanos no vale do Sado/Phéniciens et romains dans la vallée du Sado. Setúbal: Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal.

MAYET, F.; SCHMITT, A. & TAVARES DA SILVA, C. (1996) – Les amphores du Sado. Prospection des fours et analyse du matériel. Paris: Diffusion E. Boccard.

Carlos Tavares da Silva

Fig 1 – Estuário do Sado. Localização dos principais sítios arqueológicos com níveis fenícios e da época romana (círculos vermelhos), ou só romanos (círculos amarelos). Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig 2 – A península de Abul com a indicaçãoo dos três principais núcleos arqueológicos identificados (A, B, C). Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 3 – Vista aérea de Abul. A, com os arrozais inundados, paisagem que se aproximaria da da Antiguidade (fotografia de Eduardo Costa).

Fig. 4 – Vista aérea da feitoria fenícia (Abul A), em primeiro plano (1), e do santuário (Abul B), em segundo plano (2), à esquerda (fotografia de Humberto Sousa).

Fig. 5 – Planta esquemática da primeira fase da feitoria de Abul A enquadrada pelo fosso. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 6 – Planta esquemática da segunda fase de construção da feitoria fenícia de Abul A. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 7 – Perfil estratigráfico obtido no edifício da feitoria fenícia de Abul A. As camadas 7 e 5 são pisos de argila vermelha correspondentes, respectivamente, às fases I e II de construção desse edifício. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 8 - Abul A, fase II. Pátio central, rodeado pelo corredor perimetral. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 9 – Abul A, fase II. Altar situado no pátio central. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 10 - Abul A, fase II. Abertura da canalização de drenagem do pátio central. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 11 – Abul A, fases I-II. Armazém do lado norte. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 12 – Abul A, fases I-II. Armazém do canto nordeste. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 13 – Em Abul A, a caça (veado, p. ex.) e sobretudo a criação de gado (principalmente boi e ovelha/cabra) encontram-se amplamente documentadas pela recolha de numerosos ossos de mamíferos na escavação dos níveis fenícios: 1 – veado (Cervus elaphus); 2 e 4 – ovelha ou cabra (Ovis/Capra); 3, 5 e 6 – boi (Bos taurus). (Seg. J. L. Cardoso, 2000 in F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005).

Fig. 14 – A exploração dos recursos estuarinos (pesca e recolecção de marisco) está igualmente representada na feitoria fenícia de Abul A, não só através de restos ósseos de peixes e de conchas de moluscos, mas também de objectos, como é o caso de um anzol de cobre/bronze proveniente de nível da fase II. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 15 – Tubeira de fole de fundição de minério de ferro, encontrada em nível da fase I da feitoria fenícia de Abul A, revelando actividade metalúrgica neste local. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 16 – Fasiolas em cerâmica, de níveis da fase II, que documentam a prática da fiação na feitoria fenícia de Abul A. Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

Fig. 17 –Recipientes cerâmicos do final da fase I (A) e do final da fase II (B) do estabelecimento fenício de Abul: cerâmica de engobe vermelho (1-6 e 19-23); cerâmica pintada de paredes finas (24); cerâmica pintada de bandas (7-9 e 25); cerâmica cinzenta (10-13 e 26-29, este ultimo com inscrição fenícia); ampola em cerâmica ao torno, de cor beige (14 e 30) e ânforas (15-18 e 31-37). Seg. F. Mayet & C. Tavares da Silva, 2005.

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