Cripta Arqueológica do Castelo de Alcácer do Sal

Freguesia/Concelho: Junta de Freguesia Unidas de Alcácer do Sal/Alcácer do Sal

Localização: Castelo de Alcácer do Sal. 38°22’20.02”N; 8°30’50.71”O. C.M. P. 1:25.000 nº 476, nº 51 da cartografia arqueológica)

Cronologia:Séculos VII/VI a. C./XIX

Situada sob convento de Aracaeli, agora transformado em pousada de Portugal, a cripta arqueológica do castelo de Alcácer do Sal possui uma exposição de peças arqueológicas representativas de várias épocas cronológicas, com uma ocupação humana do século VII a. C. ao séc. XIX.

Na área intervencionada do convento encontraram-se muros medievais da época cristã pós reconquista, alicerçados parcialmente em paredes romanas que, por sua vez, se sobrepõem a estruturas pré-existentes mais antigas datadas da Idade do Ferro. Convivem assim, no mesmo espaço, achados com mais de 2500 anos (Figs. 1-3c).O maciço de ruínas fornece uma leitura das épocas que ali se sobrepõem, das mais antigas, no séc. VII a. C. às mais modernas, no séc. XIX (Figs. 1-3c).Destaca-se neste conjunto de estruturas o achado de um edifício que, pelas suas dimensões, assume as características de um templo/santuário, com ocupação da Idade do Ferro e Época Romana (século IV a.C. e o século II d.C.) (Figs. 3a-3c).

Estamos assim, em presença de um edifício de planta rectangular, com uma área de 120 m², formado por duas cellae ligadas entre si por dois corredores, um dos quais rampeado e cujo pavimento em opus signinum apresenta meia cana lateral. Numa das cellae foi identificado um altar com lucernas e pratos em cerâmica comum (Fig. 4) e um pequeno tanque.

Da área circundante ao santuário proveio um pequeno talismã representando o olho de deus egípcio Horus (Fig. 5) e, na face oposta, a figura de um animal (Figs. 6), assim como estatuetas de bronze que representam guerreiros (Fig. 7), orantes e animais domésticos e figuras de terracota ostentando o típico barrete frígio, comprovando desta forma as influências orientais.

No tanque foi encontrada uma tabela defixionis (Fig 8).A mensagem com caracteres cursivos em latim foi escrita num suporte de chumbo.

Diz o texto em latim:

Domine Megare invicte! Tu, qui attidis / corpvs accepisti, accipias corpv eivs qui meãs sarcinas svpstulit, qvi me compilavit de domo Hispani . Illius corpus tibi et anima do dono ut meas res inueniat. Unc tibi ostia quadripede done . Attis, voveo, si eas iuvre invenero . Domne Attis, te rogo, per tuum Nocturnum, ut me quam primum compote facias!”

Segundo a tradução proposta:

Ó Senhora Mégara Invicta! Tu, que recebeste o corpo de Átis, digna-te receber o corpo daquele que levou as minhas bagagens, que me roubou da casa de Hispano. Ofereço-te como dádiva o corpo e a alma dele, para que encontre os meus haveres. Eu te prometo como vítima este quadrúpede, Átis, se, como é de justiça, eu os encontrar. Rogo-te, ó Senhor Átis, pelo teu Nocturno, que faças com que eu os possua quanto antes”.

O espólio exumado é abundante e engloba principalmente materiais cerâmicos do quotidiano.Para além destes, foi recuperado um significativo conjunto de peças de diferentes matérias em que se incluem metais, vidros, minerais, osso e até matérias rapidamente perecíveis como madeira e tecidos. Alguns dos artefactos possuem notável valor histórico, arqueológico e artístico (Figs. 5-12).

Síntese de intervenções: A conversão das ruínas doConvento de Nossa Senhora de Aracaeli em pousada turística implicou uma ampla intervenção arqueológica, atendendo à riqueza patrimonial do sítio e ao facto de se tratar de um Monumento Nacional. As escavações arqueológicas foram realizadas durante os anos de1993-1997, pelos arqueólogos António Cavaleiro Paixão e João Carlos Faria. O projecto de valorização da Cripta Arqueológica teve a coordenação científica do Dr. António Cavaleiro Paixão e da Dra. Filomena Barata. O projecto (Fig. 13) foi efectuado pela Canon, Centro de Estudos e Projectos Lda., pela Sentido, Designers Associados Lda.

Referências bibliográficas

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TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J.; BEIRÃO, C. M.; FERRER DIAS, L.; COELHO-SOARES, A. (1980-81) – Escavações arqueológicas no Castelo de Alcácer do Sal (campanha de1979). Setúbal Arqueológica, 6-7, p. 149-218.

Marisol Ferreira

Fig. 1 – Localização da Cripta (circulo vermelho).

Fig. 2 – Planta geral das estruturas.

Fig. 3a – Núcleo habitacional. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 3b – Vista geral do santuário. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 3c – Área do santuário. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 4 – Altar com lucernas e pratos em cerâmica comum. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 5 – Olho de Hórus. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 6 – Quadrúpude ungulado. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 7 – Guerreiro em bronze (séc. V/IV a.C.). Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 8 – Tabella defixionis. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 9 – Cabeça feminina em terracota. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 10 – Lucerna em formato de barco. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 11 – Bule (Período Emiral-Califal)séc. IX-X. Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 12 – Pequena pia de água benta em faiança (finais do século XVIII). Foto Arquivo C.M.A.S..

Fig. 13 – Galeria de exposição. Foto Arquivo C.M.A.S..

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