Olaria Romana do Pinheiro

Freguesia/Concelho:Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo)

Localização: 38°28'43.38"N; 8°42'54.95"W (C.M.P. 1:25.000, Folha 466)

Cronologia: Romano Imperial

A olaria de produção de ânforas do Pinheiro foi objecto de sondagens efectuadas no âmbito da Exploração Arqueológica do Sado, programa dirigido conjuntamente por Françoise Mayet, responsável pela Missão Arqueológica Francesa em Portugal, e Carlos Tavares da Silva, director do Centro de Estudos Arqueológicos (Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal).

A olaria romana, de produção de ânforas, do Pinheiro situa-se na herdade do mesmo nome, a cerca de 1500 m. a norte das casas do Monte, no concelho de Alcácer do Sal e distrito de Setúbal, entre estas duas localidades, e na margem direita do Sado.

Os vestígios arqueológicos abrangem área com 350m (direcção norte-sul) por 150m (direcção este-oeste). Trata-se de uma zona baixa (5 a 12m de altitude), quase plana, ligeiramente inclinada de nascente para poente, que se estende ao longo da antiga margem de um braço do Sado, actualmente ocupado por arrozais. Na Época Romana, este braço de rio, certamente navegável, permitia o escoamento das produções da olaria por via fluvial, tal como sucedia com as restantes olarias da mesma época identificadas no Baixo Sado.

De um ponto de vista geológico, a olaria do Pinheiro estabeleceu-se sobre formações areno-argilosas, que se estendem por vasta área e correspondem a sedimentação ocorrida na bacia terciária do Sado durante o Pliocénico. Tais formações são ricas em argilas de excelente qualidade, com afloramentos visíveis nas proximidades dos fornos.

O sítio do Pinheiro apresentava, pois, excelentes condições naturais para a implantação de uma olaria: morfologia, abundância de argila e madeira, proximidade do rio e das grandes unidades fabris de produção de preparados piscícolas.

As recolhas de superfície haviam já sugerido que a olaria do Pinheiro tinha funcionado durante quase todo o Império Romano; as cinco campanhas de sondagens confirmaram esta hipótese.

Os fornos do Alto Império exumados no Pinheiro revelam notável diversidade morfológica coincidente com a heterogeneidade dos materiais cerâmicos que produziram: ânforas e cerâmicas comuns, opérculos, materiais de construção. Este período (séculos I e II) é ilustrado por quatro fornos: dois circulares, que produziram ânforas e cerâmica comum; um pequeno forno quadrangular especializado na cozedura de opérculos; e um forno rectangular destinado à cozedura de tijolos e telhas.

Se para os fornos obtivemos uma tipologia variada e completa, pouco sabemos relativamente às estruturas de apoio à actividade desenvolvida na olaria. As sondagens não ofereceram qualquer informação sobre o sector onde se preparava a argila, se procedia à montagem das peças cerâmicas e onde estas seriam armazenadas. Supomos que esse sector tenha sido grandemente afectado pelas obras de construção do canal de rega, exploração de areias e preparação dos campos de arroz. Entretanto, pusemos a descoberto uma “cozinha” comunitária, o que permitiu conjecturar acerca da organização da produção da olaria romana do Pinheiro. Situado no sector LII, a oeste dos fornos 1 e 2, este edifício apresenta planta rectangular (6,50x6m), é delimitado por muros de grandes blocos de brecha da Arrábida e calcário, internamente revestidos por reboco rico em cal. O acesso a este compartimento fazia-se pelo lado norte, através de vão com 1,10m de largura e de dois degraus de tijolo que venciam o desnível existente entre o exterior e o nível de circulação interno, mais baixo. O piso, sem qualquer revestimento, era formado pela rocha nivelada. No exterior, uma canalização coberta de telhas (imbrices) recolhia as águas pluviais provenientes da cobertura. A presença de algumas estruturas no interior deste edifício (forno de cozer pão, lareiras, fundos de ânforas alinhados e implantados no solo) parece indicar que aí se preparava a comida dos trabalhadores da olaria. A existência desta “cozinha” comunitária sugere que os oleiros não viviam no Pinheiro durante todo o ano com as respectivas famílias, estabelecendo-se aqui sazonalmente.

No decurso de um breve período de transição, compreendido entre o final do século II e o início do III, os fornos 2, 7 e 8 deixaram de funcionar, ocorreu o derrube da “cozinha” comunitária, assistiu-se ao fim da produção da ânfora Dressel 14, que evoluiu para a ânfora Dressel 14 tardia antes de desaparecer definitivamente, e originou-se um novo tipo, a ânfora Almagro 51c, que se torna francamente dominante nos séculos seguintes.

Uma entulheira muito rica em material anfórico mostra que a olaria do Pinheiro conhece um novo impulso na segunda metade do século III, acentuado no século seguinte em que se assiste ao funcionamento de dois fornos circulares, os fornos 4 e Por fim, na primeira metade do século V, são produzidas as últimas ânforas e as últimas cerâmicas comuns, cozidas em pelo menos dois fornos tardios, os nºs 6 e 3. Em meados do século V cessa a actividade da olaria, tal como a da maior parte dos fornos do Sado, reflectindo o fim das produções de molhos e salgas de peixe.

Durante os quatro séculos de funcionamento da olaria do Pinheiro foram produzidas enormes quantidades de peças cerâmicas.

Os materiais correspondentes ao Alto Império encontram-se dispersos por toda a área da jazida, o que impede uma avaliação precisa da importância da olaria durante esse período; ausentes, as produções de meados do século I. Pelo contrário, no Baixo Império, as “entulheiras” concentram-se na antiga margem do rio, onde teria existido um “mini Monte Testaccio” (destruído pelos trabalhos agrícolas), como é sugerido pelos topónimos Monte dos Cacos e Vinha das Ânforas.

A principal produção desta olaria consistiu em ânforas destinadas ao transporte de molhos e salgas de peixe fabricados nas numerosas unidades fabris de Tróia, bem como em outros estabelecimentos do Baixo Sado. Mas as cerâmicas comuns e os materiais de construção representam parte não desprezível da actividade dos oleiros que laboraram no Pinheiro.

A tipologia das ânforas do Pinheiro corresponde ao quadro estabelecido para o resto do Vale do Sado e mesmo para o conjunto da Lusitânia. Um único tipo de ânfora, a Dressel 14, caracteriza o Alto Império, enquanto no Baixo Império se assiste a grande diversidade tipológica: ânforas Almagro 50, 51c, 51 a-b, Sado 1, 2 e 3. Todos estes tipos evoluíram ao longo do tempo.

A par das ânforas, os oleiros do Pinheiro fabricaram recipientes em cerâmica comum, que representaram, sem dúvida, uma produção secundária.

Quer na olaria do Pinheiro, quer na de Abul, os materiais de construção ocorrem em número elevado. No Pinheiro, surgiu um “forno de telhas” rectangular (forno 8), do Alto Império. Infelizmente, não descobrimos a correspondente “entulheira” a partir da qual poderíamos ilustrar os tipos de materiais aí produzidos: tijolos quadrangulares, rectangulares, triangulares, etc; telhas (imbrices e tegulae).

De meados do século I a meados do século V, sucederam-se, na vida da olaria do Pinheiro, momentos de prosperidade e de regressão, à semelhança do que ocorreu na indústria de preparados de peixe da Lusitânia.

Foram identificadas duas fases de grande actividade, centrando-se uma no Alto Império, mais precisamente no período compreendido entre meados do século I e o final do II, período durante o qual se produziu abundantemente a ânfora Dressel 14. A segunda fase de prosperidade abarca o Baixo Império, desenvolvendo-se entre meados do século III e a primeira metade do século V; durante ela, assiste-se à produção em grande escala da ânfora Almagro 51c.

Estes dois períodos de desenvolvimento coincidem com as fases de plena actividade do complexo industrial de Tróia. O estabelecimento oleiro do Pinheiro foi, sem dúvida, um dos principais fornecedores das ânforas destinadas a conter e transportar as salgas e os molhos de peixe fabricados no Baixo Sado.

 

Referências Bibliográficas

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Carlos Tavares da Silva

Françoise Mayet

Fig. 1 – Estuário do Sado. Localização dos principais sítios arqueológicos com níveis fenícios e da época romana (círculos vermelhos), ou só romanos (círculos verdes).

Fig. 2 – Localização da Jazida arqueológica do Pinheiro sobre mapa cadastral.

 

Fig. 3 – Fornos 1 e 2 vistos de este.

Fig. 4 – Fachadas dos fornos 1 e 2.

Fig. 5– Forno 1, planta.

 

Fig. 6 – Forno 1, corte.

 

Fig. 7 – Forno 1, interior da câmara de aquecimento.

Fig. 8 – Forno 1, fachada.

 

Fig. 9 – Forno 1, grelha.

 

Fig. 10 – Forno 1, entrada da câmara de combustão.

Fig. 11 – Forno 2, planta.

 

Fig. 12 – Forno 2, corte.

 

Fig. 13 – Vista geral do forno 2.

 

Fig. 14 – Forno 2, grelha.

Fig. 15 – Forno 2, câmara de combustão.

 

Fig. 16 – Estratigrafia do enchimento da fossa de acesso às câmaras de combustão dos fornos 1 e 2.

 

Fig. 17 – Planta e corte do forno 7.

 

Fig. 18 – Vista geral do forno 7.

Fig. 19 – Vista geral do forno 7.

Fig. 20 – Planta do forno 8.

Fig. 21 – Pormenor da suspensura do forno 8.

 

Fig. 22 – Vista geral do forno 8.

Fig. 23 – Vista da “cozinha” comunitária a partir de sul.

 

Fig. 24 – Planta do forno 8 e da “cozinha” comunitária.

Fig. 25 – Forno de pão da “cozinha” comunitária.

 

Fig. 26 – “Entulheira” perto do forno 4.

 

Fig. 27 – Forno 4, planta.

Fig. 28 – Forno 4, câmara de cozedura e grelha.

 

Fig. 29 – Forno 5, planta.

 

Fig. 30 – Planta do forno 6.

 

Fig. 31 – Forno 6, vista geral de sudoeste.

Fig. 32 – Ânfora Dressel 14, variante C.

 

Fig. 33 – Grafitos sobre ânforas Dressel 14.

Fig. 34 – Ânfora Almagro 51c, variante A.

Fig. 35 – Ânfora Almagro 51c, variante B.

 

Fig. 36 – Ânfora Almagro 51c, variante B (Abul).

Fig. 37 – Ânfora Almagro 51c, variante C.

Fig. 38 – Ânfora Almagro 51c, variante C.

 

Fig. 39 – Suportes. A: século III; B: século IV.

Fig. 40 – Ânfora Almagro 50.

Fig. 41 – Ânfora Sado 1, variante A.

Fig. 42 – Ânfora Sado 1, variante B.

Fig. 43 – Ânfora Almagro 51a-b, variantes A e B.

Fig. 44 – Ânfora Almagro 51a-b, variante C.

Fig. 45 – Ânfora Sado 2, do século III (em cima) ao século V (em baixo).

 

Fig. 46 – Ânfora Sado 3.

 

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