Aedificium ou Possível Monasterium em São João dos Azinhais (Torrão) e a arte paleocristã

Jorge Feio

Freguesia/Concelho: Freguesia de Torrão / Alcácer do Sal.

Localização: 38°16'25.68"N; 8°15'47.94"W. C. M. P.1:25.000, folha 487.

Classificação: Classificado como MIP - Monumento de Interesse Público. Portaria n.º 245/2013, DR, 2.ª série, n.º 79, de 23-04-2013.

Cronologia: Época romana.

Introdução

Em torno de São João dos Azinhais (Fig. 1) descobrem-se amiúde materiais tipicamente romanos, não sendo possível, neste momento, determinar a área exacta de materiais à superfície porque uma boa parte se encontra sob as águas da barragem de Trigo Morais. Os dados fornecidos por Dom Fernando de Almeida, Judite e António Cavaleiro Paixão, permitem supor a existência de uma uilla no local com a respectiva necrópole, tendo em consideração a área de dispersão de materiais, a existência de estruturas visíveis à superfície e ainda a descoberta de um fragmento correspondente a um terço de uma cupa, de uma inscrição funerária dedicada a L. Rubrius Priscinus e de vários fragmentos de inscrições romanas (Almeida et al.,1978, p. 217). Em 1989, José Geraldes Freire, ao efectuar uma pequena resenha sobre publicações anteriormente dedicadas ao sítio, seguiu a opinião de Jorge de Alarcão, que considerou ter existido no local uma uilla na época romana. Propôs ainda José Geraldes Freire que no período visigótico, São João dos Azinhais (ou de Arranas) corresponderia já à sede de uma primitiva paróquia rural, não indicando, contudo, a obra de onde retirara essas informações (Freire, 1989, p. 200). Na sua obra Roman Portugal, Jorge de Alarcão confirmou a recolha neste local de um importante espólio de época romana, tendo destacado uma inscrição funerária e uma inscrição votiva consagrada a Iupiter Optimus Maximus pela emeritense Flavia Rufina, flamínica perpétua da colónia de Augusta Emerita e do municipium de Salacia Urbs Imperatoria, considerando que o local poderá corresponder a uma uilla, com continuidade de ocupação em época visigótica, onde existia em 682 uma igreja consagrada aos santos Justo e Pastor (Alarcão, 1988, vol. II, p. 134, nº5/373). No tratamento das inscrições seguiu as propostas de José de Encarnação (Encarnação, 1984, vols. I e II).

Em 2002 João Carlos Lázaro Faria escreveu que as mais antigas referências a São João dos Azinhais ou de Arranas foram unânimes em considerar a existência de um templo dedicado a Iupiter Optimus Maximus, neste local, tendo em atenção a descoberta da supra mencionada ara (Faria, 2002, p. 80). Referiu ainda João Carlos Lázaro Faria que a ara consagrada por Flavia Rufina constitui o único testemunho no território de Salacia do culto ao mais importante dos deuses do panteão greco-romano, que assim assume características francamente oficiais, reforçadas pelo facto de a dedicante ser homenageada por decreto dos decuriões (Idem, ibidem). O mesmo autor indicou ainda que, à data em que publicou a obra, o único vestígio de estruturas existentes era uma construção de planta circular normalmente coberta pelas águas da barragem de Vale de Gaio (ou Trigo de Morais) (Idem, ibidem).

A partir das informações fornecidas por todos estes autores, podemos perceber que o espólio recolhido neste local nos indica a presença de uma estrutura imponente de época romana, fosse ele uma uilla, um templo, ou uma grande uilla com um templo consagrado a Iupiter. Este edifício foi depois cristianizado e, se dúvidas já existiam no que concerne ao tipo de ocupação em época romana, elas adensam-se para o período paleocristão. Tratar-se-ia de uma simples basilica em contexto rural (como se se tratasse de uma ermida)? Seria uma basilica de uma uilla? Ou seria um monasterium?

A inscrição (Figs. 2-4) indica-nos a presença de um aedificium, finamente decorado pelo que podemos observar a partir dos elementos arquitectónicos encontrados neste local. Observando-a atentamente, comprova-se que a construção do aedificium ocorreu em 682 e que nesta data aquele aedificium foi “finalmente concluído”. Se foi finalmente (e ansiosamente, acrescentamos nós!) concluído, é porque já estava a ser construído há algum tempo e era algo muito desejado. Também nos informa que constava,à data em que foi concluída a construção, que o templo cristão devia ter sido consagrado aos santos Justo e Pastor

 

Arte cristã (segunda metade do século VII e século VIII)

Até à data, ainda não foram efectuadas escavações arqueológicas no local. Apesar de tudo, a inscrição e os elementos arquitectónicos encontrados até ao momento dão algumas pistas muito preciosas. A indicação da conclusão das obras de um edifício que já fora consagrado, integrado na paróquia Arana, ou seja em ambiente rural, mas subordinado a uma entidade eclesiástica, permite pensar que poderemos estar perante um antigo monasterium, localizado próximo das vias que ligavam Salacia a Ebora e a Pax Iulia. Este foi construído sobre ruínas de uma estrutura romana mais antiga (Villa? Templo a Júpiter?), reutilizando-se muitos materiais, sobretudo aras romanas, como elementos arquitectónicos decorados. Como é óbvio, não se conhece a planta do edifício. Contudo, o estudo de algumas das peças que adiante iremos observar, permite levantar a suspeita de ter existido no local um edifício de três naves e cabeceira tripartida, comum no século VII, com exemplos conhecidos no território do conuentuspacensis, como Monte da Cegonha (Alfenim e Lopes, 1995) e Vera Cruz de Marmelar (Hauschild e Schlunk,1978, p. 212 e 213). Até mesmo os motivos decorativos têm paralelo com este último edifício, com a particularidade de se encontrarem datados pela inscrição fundacional.

Apesar da suspeita, até que se possam desenvolver no local acções de escavação arqueológica nada se pode afirmar de concreto acerca da sua arquitectura, mas o conjunto de elementos arquitectónicos identificados em São João dos Azinhais é um dos maiores e mais interessantes do antigo território do conuentus pacensis, permitindo, como já se afirmou retirar algumas ilações. Aqui foi recolhido um interessante pé-de-altar fuste e capitel, em calcário de São Brissos que apresenta no topo uma lypsanoteca para colocação do relicário e a zona do encaixe da mesa do altar. A sua base é lisa, rectangular e mais larga do que o fuste. Este apresenta uma cruz pátea, com uma altura muito superior à largura, lisa, sem qualquer indício de representação de pedraria preciosa. A separar o fuste do capitel observa-se uma moldura rebordada que deve corresponder ao astrálago (Almeida,1987, vol.1, pé-de-altar nº 2, p. 287). O capitel também se encontra decorado por folhas lanceoladas estilizadas dispostas verticalmente. Na opinião de Maria Amélia Fresco de Almeida, esta peça apresenta afinidades decorativas com a do Monte da Abóbada e com outras de Mérida e Badajoz podendo ser proveniente da mesma oficina (Idem, Ibidem). Recentemente, mais exactamente no Verão passado, uma equipa da Câmara Municipal de Alcácer do Sal descobriu nos escombros da arruinada galilé da ermida do século XVI, o fragmento da parte central do fuste de um outro altar monolítico, decorado com uma cruz pátea, com coroa estilizada na zona de união dos braços da cruz. Pelo tipo de decoração, deverá datar do final da primeira metade do século VII. Recordemos que a inscrição de São João dos Azinhais nos informa que constava que o aedificium já havia sido consagrado aos santos Justo e Pastor, pelo que teria obrigatoriamente de existir um altar mais antigo. Pelas dimensões que apresenta, este altar seria ligeiramente mais pequeno que o anterior, pelo que poderemos ainda suspeitar que a basilica do complexo religioso de São João dos Azinhais poderia ter várias capelas com os seus altares. Poderia também possuir mensae litúrgicas de apoio ao altar principal. A presença no espólio recolhido em São João dos Azinhais de um pilarete monolítico, paralelepipédico, muito interessante, em mármore de veios cinzentos (Fig. 13) permite levantar essa suspeita. Na sua concepção a separação do capitel em relação ao fuste foi feita com recurso a uma gola prismática e tanto o capitel como o fuste apresentam-se decorados em apenas três das quatro faces, sendo possível que a face não decorada ficasse virada para a parede. No capitel o motivo utilizado é um vaso de feição triangular de onde saem duas volutas. Sobre estas temos um motivo triangular e outro em “V”. No fuste observam-se tetrafólios de “canto”, formando na sua intercepção, ao centro, uma espécie de losangos de paredes curvas. Como se afirmou anteriormente, poderá tratar-se de um fragmento de suporte de uma mensa litúrgica, de apoio ao altar principal, de que se conhecem outros exemplos em Portugal, como é o caso de Idanha-a-Velha (Maciel,2008), não sendo de descurar que também tenha sido utilizado como suporte de mainel, à semelhança do que se pode observar em alguns edifícios do norte peninsular.

Estas peças encontram-se no Museu do Torrão, juntamente com a inscrição fundacional, onde ainda podemos encontrar um fragmento de fuste de coluna, em mármore de Estremoz, que preserva 1,38m de altura, que devem corresponder a um terço da altura, antes de fragmentado. No topo, este fuste apresenta-se escavado até 0,06m de profundidade, podendo ter sido utilizado como suporte do púlpito ou servido para conter água benta. Esta peça e o púlpito foram encontrados há alguns anos a cerca de 2m de profundidade, junto da ermida de São João dos Azinhais, segundo informações que me foram fornecidas pelo Vice Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Torrão.

As duas peças mais interessantes recolhidas em São João dos Azinhais, um lintel e um friso encontram-se expostas no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (Figs. 7-11). São duas peças extraordinárias, fundamentais para a compreensão de determinados aspectos da arquitectura da segunda metade do século VII e do século VIII do sul do actual território português. O lintel de São João de Arranas (Figs. 9-11) é uma peça fabulosa, que resulta do reaproveitamento de uma ara funerária romana, da qual apresenta ainda o característico jarro do lado direito, quando observada de frente na exposição actual. Na face lateral onde se encontrava a patera o campo decorativo foi rebaixado, representando-se tetrafólios com botão central, resultantes de círculos secantes. Nos espaços intervalares observam-se losangos de braços curvos, dentro dos quais se inserem corolas cujas pétalas não são legíveis. Ao centro, na zona onde se encontrava a patera observa-se um jarro litúrgico, que na colocação original ficava em posição inversa. Na parte posterior da ara, podemos observar que a ara foi reaproveitada como lintel de porta ou de janela. Uma parte do suporte foi rebaixada, tendo sido escavados os orifícios para colocação dos gonzos da porta ou das portadas. Na parte não rebaixada foi representado um encordoado (também conhecido como cordão da vida) com tetrafólios nas zonas de intercepção, que tem paralelos em Vera Cruz de Marmelar e em Marmelar (apenas o encordoado). Nesta parte observam-se dois orifícios rectangulares, que podem corresponder a um gradeamento. Esta peça poderá dar resposta a algumas questões que se vêm colocando com algumas placas. Na realidade, essas placas poderiam ser ombreiras ou jambas de portas e janelas, sobre as quais seriam colocadas peças como esta de São João dos Azinhais. Em nosso entender, é esse o motivo por que “placas” como a de Marmelar apresentam decoração numa das faces maiores e nas laterais, o mesmo não acontecendo com os topos e a face posterior das peças. Também não se pode colocar de lado a sua funcionalidade como ombreiras de janelas (Feio,2010).

A peça que classificamos como friso foi estudada por Maria Amélia Fresco de Almeida, que a apresentou como mesa de altar, justificando a sua opção pela inclusão de uma cruz pátea, embora tenha colocado também a hipótese de se tratar de uma placa, que, em seu entender, podia estar colocada na zona da iconostase (1987, vol. I, p. 297). Maria Amélia Fresco de Almeida defendeu que esta peça se encontrava inacabada porque num dos seus lados menores a decoração não ocupava a totalidade da extensão da peça. Observando este elemento arquitectónico com atenção, parece tratar-se antes de um friso, encontrando-se grande parte do que corresponderia a um espigão, “em bruto” embutida numa base de cimento, desde que foi depositado no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal no final da década de 70 (Figs. 7 e 8). A peça não se encontra incompleta, pois poderá tratar-se de um friso colocado numa das paredes menores de acesso a uma possível capela lateral. O espigão “em bruto” seria embutido na parede, ficando a cruz voltada para o arco de passagem para o seu interior. O facto da decoração de um dos lados não ocupar toda a extensão não significa que esta se encontre por teminar. Muito pelo contrário, basta termos em conta que os 0,42m ocupados pela decoração no campo mais pequeno são uma medida muito aceitável para a largura de um fuste de pilar/pilastra. Pode então considerar-se que esses 0,42m do comprimento do friso seriam colocados em cima de um pilar/pilastra, servindo simultaneamente de imposta para o arranque do arco de acesso a uma possível capela. Desta forma, à semelhança do que podemos observar em Vera Cruz de Marmelar, a parte do friso que se encontra decorada em toda a extensão podia encontrar-se voltada para o interior de uma capela lateral, ficando a parte oposta voltada para o interior da igreja.

Caso se comprove a ideia que propomos, podemos calcular uma capela com, pelo menos, 3,60m de lado, ligeiramente superior ao que se regista em Vera Cruz de Marmelar. Assim sendo, a tipologia dos edifícios poderia ser muito semelhante.

 

Inscrição fundacional: a ara de São João dos Azinhais

A inscrição de consagração da igreja dos santos Justo e Pastor encontrava-se embutida na parede da igreja de São João Baptista dos Azinhais, também conhecida por São João de Arranas, onde André de Resende a viu no século XVI. A inscrição foi recolhida na década de 70 para a igreja da Misericórdia do Torrão depois da publicação efectuada por Dom Fernando de Almeida e António e Judite Cavaleiro Paixão, onde foram guardadas até à sua integração no museu do Torrão.

Trata-se de uma espécie de ara de clara influência, ou até mesmo concepção, clássica, em mármore de veios cinzentos (designado por “mármore de São Brissos”), que existe na zona de Alvito, onde já foram identificadas pedreiras exploradas em época romana junto a São Bartolomeu, e perto das aldeias de Trigaches e São Brissos, no concelho de Beja. Apresenta um frontão de cariz triangular, decorado com uma hedera com caule, símbolo da eternidade, e ainda um monograma que transcreveremos adiante. O topo apresenta uma forma de telhado de duas águas entre dois rolos ou toros com a face frontal decorada, observando-se no rolo da direita a existência de um sexifólio (quando observado de frente). O sexifólio do rolo esquerdo apresenta-se muito danificado sendo apenas perceptível quando presente a luz rasante. O fastigium ou frontão apresenta uma altura de 16cm, uma largura de 42cm e uma espessura de 36cm. Os rolos apresentam um diâmetro de 12cm e um comprimento de 36cm. Sob esta imitação de capeamento de ara, apresenta-se o corpo do monumento onde encontramos ligeiramente demarcado um campo epigráfico que não foi respeitado.

Para além da hedera, como já foi indicado, o frontão apresenta um monograma, que foi interpretado pela primeira vez por Manuel Luís Real (1995, p. 55-56), onde pode ler-se a seguinte inscrição: B(asi)L(ica) ARANA.

O campo epigráfico actual ocupa quase todo o espaço do corpo da peça. A inscrição métrica está concebida em forma de “caixa”, distando as letras 3,5cm dos limites laterais do monumento, com excepção das letras R e C das linhas 3 e 4, e da parte preservada da base. Apresenta uma largura de 57cm e 16,5cm de altura.

Inscrição:

+HUNC DENIQVE EDIFICIV(m) S(an)C(t)ORVM

N(omi)NE CEPTVM IVSTI ET PASTORIS

 MARTIRVM QVORVM CONSTAT ESSE SACR

ATVM CONSVMMATVM EST OC OPVS ERA DCC

XX

Tradução:(Cruz)Este edifício, iniciado em honra dos Santos Mártires Justo e Pastor, a quem consta que foi consagrado, finalmente foi terminado este trabalho na era de 720.

(Segue-se aqui a tradução de Geraldes Freire)

Comentário:

O estudo paleográfico, ao contrário do que poderia parecer, após a proposta de Mário Jorge Barroca, permite-nos retirar algumas conclusões muito interessantes. Pese embora o texto pareça inscrito em prosa, tudo indica que se tratasse, muito possivelmente, de cinco versos de oito sílabas, com rima monossilábica terminada em um, adaptada ao campo epigráfico (Freire, 1989, p. 212). José Gomes Freire chama a atenção para o facto de apenas o quarto verso ter nove sílabas por erro do lapicida (Idem, ibidem, p. 212 e 213). Deve acrescentar-se que existem 24 caracteres em todas as linhas, com excepção da 4ª que tem 25 e da 5ª que tem 2. A inscrição apresenta-se em caixa, muito bem alinhada de ambos os lados, numa organização racional que impediria a inserção de dois CC, correspondentes a numerais de centenas, na penúltima linha, pois, em meu entender, se elas ultrapassassem o alinhamento do lado direito, mais facilmente seriam colocadas na última linha, juntamente com os dois XX, do que na moldura fragmentada. Na realidade, aquilo que Mário Jorge Barroca definiu como moldura (Barroca, 2000, p. 26) é, na realidade, um soco muito parecido aos das cuppae funerárias romanas, que ocupava as zonas laterais e a parte de trás do monumento epigráfico, encontrando-se fragmentado o soco do lado direito, quando visto o monumento de frente para o campo epigráfico. Levantasse-nos então uma questão para a qual não temos ainda resposta: existiria esse soco quando foi feita a inscrição de consagração da igreja?

Inicialmente, considerando que os AA com haste em ângulo invertido não teriam uma cronologia muito posterior a 630 pensou-se que a distinção paleográfica do monograma relativamente à inscrição fundacional poderia induzir que estaríamos na presença de duas inscrições efectuadas em épocas distintas: o monograma, mais antigo, e a inscrição consacratória, mais recente. Esta distinção cronológica poderia ser confirmada pela presença de um campo epigráfico destinado a uma inscrição de menores dimensões que nunca foi grafada. Actualmente, acredita-se que, na realidade, estamos perante uma ara romana anepígrafa, reutilizada em época paleocristã, facto que poderá ter possibilitado que a inscrição ultrapassasse o campo que tinha sido destinado a alguma inscrição anterior.

O Monograma passou muitas vezes despercebido, contudo é extremamente importante, pois informa que este edifício se encontra integrado, tão-somente, na paróquia Arana. Reconhecem-se neste monograma as letras A (duas vezes), B, L, N e R. Seguindo a opinião de Manuel Real, pode propor-se a leitura B(asi)L(ica) AR(a)NA.Não é de crer, como pensa Manuel Luís Real (1995, p. 55) que o topónimo Aranas resulte de uma migração populacional proveniente de Arandis, que muito provavelmente se localizaria em Santa Bárbara de Padrões e não em Garvão. Concorda-se completamente, no entanto, quando afirma que esta zona do Alentejo tem uma forte presença moçárabe, com a permanência de monasteria que podem estar muito associados a uma sobrevivência do culto dos santos mártires, muito forte nesta área geográfica, onde detectamos Santa Ágata (Vila Nova da Baronia), São Bartolomeu (Alvito e Vila Alva), São Brás (Alcácer do Sal), São Brissos (Vila Nova da Baronia) Santa Catarina (Santa Catarina de Sítimos, Alcácer do Sal), São Cucufate (Vila de Frades), São Romão (Alvito e Torrão) e São Fausto ou São Faraústo (Torrão e Portel); bem como se encontra registado um importante conjunto de monasteria, devidamente documentados em época medieval, e alguns deles recentemente escavados, entre as cidades de Alcácer do Sal, Beja e Évora, dos quais se destacam o “Convento Velho” do Torrão, junto à saída para Alvito; o Mosteiro de Mugia d’Arem (Alvito); o de Odivelas (Monte de Santa Águeda, Vila Nova da Baronia), o de Vera Cruz de Marmelar, o de São Manços e o de São Cucufate. Existem ainda evidências arqueológicas da existência de um monasterium no Monte da Cegonha (Selmes).

O topónimo Aranas ou Aranis deveria corresponder ao nome latino de uma povoação de segunda categoria (uicus ou mansio) localizada nas imediações deste edifício religioso à qual este deveria estar associado, pertencendo à sua paróquia. Como já propusemos, o mais provável é que este povoado se localizasse no Torrão, onde têm vindo a ser localizadas evidências arqueológicas da presença romana, podendo o uicus ter evoluído a partir de uma uilla romana. Aliás, o próprio topónimo Torrão poderá, eventualmente, derivar da denominação Turris Aranis. Se se confirmar a hipótese que ora se coloca, pode pensar-se também na evolução de uma antiga uilla, muitas vezes designada por Turre, em povoado de segunda categoria. Deve ainda chamar-se a atenção para o facto de muitas uillae serem designadas por Turre, bem patente numa inscrição em mosaico, identificada na Villa Cardilio, onde o mosaicista desejou a Cardílio e a Avita uma vida feliz na sua Torre.

O Culto aos Santos Justo e Pastor na Península Ibérica

Os Santos Justo e Pastor foram martirizados em Complutum, actual Alcalá de Henares, próximo de Madrid no início do século IV, no decurso da última grande perseguição aos cristãos que decorreu no principado de Domiciano e Galério. Eram dois meninos que enfrentaram a tortura e a morte, não se tornando apóstatas e servindo de exemplo para todos os que abraçaram a fé cristã. O seu culto iniciou-se ainda no século IV, em Complutum, tendo-lhes sido consagrada uma igreja nesta cidade e dedicados os versos de um hino por Prudêncio, entre os anos de 402 e 404 (Castillo Maldonado, 1999, p. 90). Este parece ter tido um forte incremento no século VII, registando-se os seus nomes em alguns monumentos epigráficos, não só em São João dos Azinhais, mas também em Medina Sidónia, situada na antiga província da Baetica numa epígrafe datada de 630, e em Guadix, numa inscrição datada de 652, localizada na antiga Cartaginense, sendo de notar que se tratam de dois. Uma outra igreja foi-lhes consagrada em Compludo em meados do século VII (Idem, ibidem, p. 514), perto de Ponferrada, onde existiu um monasterium do século VII, ao que consta, fundado por São Frutuoso. Este monasterium aparece referenciado na Vita Fructuosi (Idem, ibidem). A este possível proliferar do culto no decorrer do século VII não deverá ser o aparecimento da passio de ambos nesta centúria (Idem, ibidem, p. 59).

Proposta de definição de caracterização da estrutura designada por aedificium

A ausência de escavações arqueológicas no local não permite que se possa determinar perentoriamente o tipo de estrutura religiosa existente em São João dos Azinhais pouco antes da invasão islâmica.

Ainda assim, a análise detalhada feita aos elementos arquitectónicos recolhidos até ao momento, associadas às características geográficas do lugar, à proximidade de uma das vias romanas mais importantes do sul de Portugal e a outros monumentos que podem servir de paralelo, escavados nos últimos anos no Baixo Alentejo, permitem a apresentação de algumas propostas de leitura, ainda que não conclusivas. A existência de vários pés-de-altar (Fig. 12), um deles lypsanoteca para a colocação de uma caixa-relicário; uma inscrição com indicação da paróquia a que o edifício se encontra associado, que indica ainda que o templo cristão (Oratorium? Basilica?) já tinha sido consagrado anteriormente permitem pensar que nos encontramos perante uma uilla cristianizada, faltando apenas confirmar, com uma escavação arqueológica, se aquela se encontrava abandonada ou se a nova construção foi integrada na estrutura pré-existente.

É muito natural que, numa primeira fase, se fizessem algumas alterações em algum sector da uilla, para se desenvolver um novo culto religioso. É uma situação muito comum, que podemos observar não muito longe de São João dos Azinhais, mais precisamente em São Cucufate, ou no Monte da Cegonha, ambas no concelho da Vidigueira. Inclusivamente, nas actas de alguns concílios hispânicos podemos encontrar algumas referências à existência de basilicae em uillae, ou, pelo menos, de alguns espaços dedicados ao culto cristão (Ripoll & Arce, 2001, p. 27 a 31).

Para determinar uma segunda fase, a própria inscrição fundacional nos dá a resposta, quando nos informa que “finalmente foi terminado este trabalho” de construção de um aedificium em honra dos santos mártires de Complutum, Justo e Pastor. A informação é muito clara noutro pequeno aspecto: o aedificium foi concluído e dedicado a estes santos porque constava que já tinha existido no local uma consagração anterior. Ou seja, tudo aponta para que a uilla tenha sido abandonada, talvez em finais do século VI ou na primeira metade do século VII, e que sobre as suas estruturas, ou aproveitando ainda as paredes que se mantivessem erguidas, construir um complexo religioso, que na inscrição é designado por aedificium, mas que podemos propor tratar-se de um monasterium.

Todavia esta proposta carece ainda de outras componentes que podem ajudar a suportar esta hipótese, mesmo sem as tão necessárias escavações arqueológicas. Aqui podemos socorrer-nos dos elementos arquitectónicos observados, acima descritos; bem como do facto se tratar de uma construção em ambiente rural, próxima de um povoado e da antiga via que ligava Salácia a Pax Iulia, junto de uma zona de difícil passagem do rio Xarrama, sobretudo no Inverno em que as cheias frequentes poderiam obrigar os transeuntes a parar, precisando de uma estrutura de apoio.

A realidade observada em São João dos Azinhais encontra paralelo no possível monasterium Udivelis identificado a pouco mais de 17km, no Monte de Santa Águeda, freguesia de Vila Nova da Baronia, concelho de Alvito. Neste local, hoje submerso pela Barragem de Odivelas, foi possível, sob condições muito especiais, fazer uma escavação de emergência em estruturas observadas à superfície, “escavadas” pelo “sobe e desce” da água. A intervenção permitiu definir um conjunto de estruturas, entre as quais uma possível abside, construídas no decorrer da segunda metade do século VII, às quais se adoçaram outras em época mais tardia. Também foi detectado um estracto com elevados vestígios de destruição em todos os compartimentos, com derrubes e grandes camadas de cinzas, demonstrativas de grande violência e destruição em meados do século IX. Este edifício cristão também se encontrava muito próximo da via que ligava Alcácer do Sal a Beja, em conexão com uma uilla romana, onde foi recolhida no século XVIII uma inscrição funerária dedicada a uma flamínica (exposta na parede da Igreja da Misericórdia de Vila Nova da Baronia). Destaca-se ainda do ponto de vista geográfico, a sua localização próxima da passagem de um dos principais afluentes do rio Sado (de passagem muito difícil no Inverno), a meia distância do Torrão e de Alfundão.

Outros paralelos recentemente escavados no Baixo Alentejo podem ser observados no Sítio dos Mosteiros (Oriola, Portel); no Monte da Cegonha (Selmes, Vidigueira) e no Monte do Mosteiro (Mértola), podendo ainda acrescentar-se no Algarve o Montinho das Laranjeiras (Alcoutim), quase todos eles situados nas proximidades de vias (fluviais e terrestres) importantes (Alfenim & Lima, 1994; Alfenim & Lopes, 1994; Maciel, 1996; Lopes, 2004 e Feio, 2010a).

Portanto, por tudo o que acima se escreveu, consideramos que em São João dos Azinhais foi construído um dos últimos monasteria cristãos da Antiguidade Tardia do sul de Portugal, cuja construção devemos integrar na grande afirmação do monacado hispânico do século VII, associado ao grande expansionismo do culto das relíquias que ocorreu no mesmo período.

Os testemunhos pós-conquista islâmica

Não são muitos os testemunhos da época islâmica, mas foram recolhidos no local fragmentos de peças de cerâmica dos séculos VIII a XIII1. Isso não significa que o local tenha sido abandonado pela comunidade cristã e ocupado por uma população de fé islâmica. Muito pelo contrário, cremos que será um indício de permanência até uma fase muito tardia de uma comunidade moçárabe, que terá mantido as tradições pré-islâmicas, servindo seu monasterium para apoiar peregrinos ou outros transeuntes que frequentassem a via que liga Alcácer do Sal a Beja e a Évora, que passava ali perto.

Não podemos fazer grandes afirmações sobre este período. Só com uma escavação arqueológica poderemos confirmar estes dados.

Conclusão

O sítio de São João dos Azinhais, classificado como edifício de interesse público (Portaria n.º 245/2013, DR, 2.ª série, n.º 79, de 23-04-2013) é um dos mais importantes do sul de Portugal no que concerne ao estudo da cristianização do território. No entanto, a capela que substituiu o anterior aedificium encontra-se num lamentável estado de ruína que deveria ser evitado a todo o custo.

Em nosso entender, é um dos locais que merece constar em futuros projectos de investigação no campo da arqueologia, procurando-se aprofundar os nossos conhecimentos sobre a evolução histórica do local e todos os processos de transformação de que foi alvo.

 

1 Agradecemos as informações ao colega António Carvalho, da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, que nos confirmou que algumas das peças que pôde observar à superfície são tipologicamente semelhantes a algumas que recolhemos na escavação do monasterium de Udivelis.

 

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Fig. 1 - Localização da ermida de São João dos Azinhais. Carta Militar Portuguesa levantada à escala 1:25.000.

Fig. 2 - Inscrição de São João dos Azinhais.

Fig. 3 - S. João dos Azinhais. Texto em “caixa”.

Fig. 4 - Era de DCCXX (720), correspondente ao ano de 682.

Fig. 5 - Ara reaproveitada, faltando-lhe o soco direito quando observada de frente.

Fig. 6 - Pormenor do tímpano com o monograma B(asilica) ARANA.

Fig. 7 - Friso de São João dos Azinhais naquela que poderá ter sido a sua posição original. Final do século VII. Visigótico tardio/final do grupo eborense. Friso com 1,40m de comprimento. Num dos lados, observam-se octofólios com botão central insertos em 4 quadrados de 0,18m de lado, aos quais se acrescenta um rectângulo (ou “meio quadrado” decorativo) numa extensão de 0,90m, com espaços entre quadrados com cerca de 0,02m. Do lado oposto a decoração ocupa apenas 0,42m, observando-se dois octofólios com botão central insertos em quadrados com 0,18m de lado. Na face voltada para a zona do arco apresenta uma divisão em três quadrados com 0,18m de lado, com uma cruz pátea no interior do quadrado central e octofólios com botão central nos laterais. No tardoz da peça observa-se uma área desbastada e ainda o orifício do gonzo da porta, podendo induzir-se que se trata de uma reutilização. Colecção Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal.

Fig. 8 - Pormenor da Cruz Pátea do friso.

Fig. 9 - Lintel de porta ou janela de São João dos Azinhais, com cerca de 1,30m de comprimento. Final do século VIII. Visigótico tardio/final. O lintel de São João de Arranas é uma peça fabulosa, que resulta do reaproveitamento de uma ara funerária romana, que apresenta ainda o característico jarro do lado direito, quando observada de frente na exposição actual. No lado onde se encontrava a patera o campo decorativo foi rebaixado, representando-se tetrafólios com botão central, resultantes de círculos secantes. Nos espaços intervalares observam-se losangos de braços curvos, dentro dos quais se inserem corolas cujas pétalas não são legíveis. Ao centro, na zona onde se encontrava a patera observa-se um jarro litúrgico, que na colocação original ficava em posição inversa. Na parte posterior da ara, podemos observar que a ara foi reaproveitada como lintel de porta. Uma parte do suporte foi rebaixada, tendo sido escavados os orifícios para colocação dos gonzos da porta. Na parte não rebaixada foi representado um encordoado com tetrafólios nas zonas de intercepção, que tem paralelos em Vera Cruz de Marmelar e em Marmelar (apenas o encordoado). Nesta parte observam-se dois orifícios rectangulares, que podem corresponder a um gradeamento. Colecção Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal.

Fig. 10 - Pormenor do Cantharus no local onde antes se encontrava a patera.

Fig. 11 - Pormenor da parte inferior do lintel.

Fig. 12 - Pé-de-Altar de São João dos Azinhais. O pé-de-altar identificado em São João dos Azinhais apresenta uma tipologia idêntica a outros já conhecidos um pouco por todo o Alentejo. Sobre o capitel seria colocada uma pequena mesa de altar. Apresenta decoração apenas na zona frontal, onde se observa no fuste uma cruz pátea, com 0,805m de altura e 0,21m de largura. No topo do capitel observa-se o orifício para colocação das relíquias, com uma forma rectangular com 11,5x10x7cm. No topo deste orifício observam-se as quatro pequenas ranhuras para encaixe de uma pequena tampa. Datável do século VII (visigótico tardio/final do grupo eborense). A realização da cruz pátea, presente neste suporte de mesa de altar, apresenta similitude com a das cruzes dos suportes de mesas de altar de São Pedro de Balsemão, Lamego (WRENCH, 2008, grupo Lamecense, p. 82) e de Sines (WRENCH, 2008, grupo Pacense, p. 689) São Brás dos Matos (Alandroal), Monte da Abóbada (Serpa), Sines e São Bartolomeu da Via Glória (Mértola). Colecção Museu do Torrão.

Fig. 13 - Fragmento de “pilarete” ou pé de mensa de altar de São João dos Azinhais. Apresenta um capitel cúbico, gola prismática, e fuste paralelepipédico, observando-se uma demarcação na zona de transição da gola para o fuste. Está decorado em três das quatro faces, observando-se nas três faces do capitel vasos triangulares de onde saem motivos vegetalistas com terminação em voluta. O fuste apresenta-se decorado com uma banda vertical de círculos tangentes de quatro fusos, determinando um quadrado côncavo sobre o vértice e fazendo aparecer quadrifólios. Final do século VII. Visigótico tardio/final, grupo eborense. Colecção Museu do Torrão.