Barragem do Pego da Moura

Freguesia/Concelho:Grândola (Grândola)

Localização: (38° 9'14.63"N; 8°34'20.45"W(C.M.P. 1:25000; folha 485 e 486).

Cronologia: Época romana.

A barragem do Pego da Moura situa-se numa pequena ribeira, num local designado por Pego da Mina ou por Pego da Moura, cerca de 1 km a montante da confluência daquela ribeira com a de Fonte Narizes que, por sua vez, desagua na ribeira de Grândola, a sul desta vila. A área da bacia hidrográfica é de 2,3 km2 (Fig. 1).

Esta barragem foi já referenciada pelo Padre António Carvalho da COSTA, 1708, nos seguintes termos:

"Continuando a serra deste monte [da Igreja de N. Senhora da Penha] para o Sul se acha no sítio chamado Córte Galego uma fundação sobre outro monte de outra fortaleza já arruinada, e muitos canos de água que ainda hoje, lavrando-se as terras se descobrem, encaminhados para um sítio, que se chama represa, aonde se acham uns fortes muros e sinal de que fazendo presa às águas se aproveitavam alguns engenhos".

Análoga referência é apresentada muito mais tarde por Pinho LEAL, 1874:

"A sul da capela de Nossa Senhora da Penha de França sobre um outeiro dos arredores de Grândola, fica o sítio chamado Corte de Gallego, onde se vêem também minas de antigas fortificações e muitos canos de água subterrados, que vão ter ao sítio chamado Repreza, de cuja água se aproveitam os habitantes para fazerem moer as suas azenhas."

As duas referências são análogas diferindo, porém, no que respeita ao aproveitamento de água por engenhos. Enquanto A. Carvalho da Costa menciona sinal (sem o descrever) de que as águas eram (no passado) aproveitadas por engenhos, Pinho Leal, cerca de 160 anos depois, refere o seu aproveitamento, na sua época, por azenhas.

A estrutura da barragem compõe-se de três muros de secção rectangular, justapostos, com seis contrafortes a jusante (Figs. 2 e 3).

A barragem tem na actualidade a altura máxima de 3,3 m e o seu traçado é rectilíneo com o desenvolvimento de 34 m. Na zona do talvegue, sensivelmente a meio do desenvolvimento, existe uma brecha estreita por onde passa actualmente a ribeira. Nesta zona, há vestígios de uma câmara com abóbada cilíndrica, com o vão lançado entre os dois contrafortes centrais, menos afastados do que os restantes, estes com o afastamento de 3,2 m; a brecha da barragem prolonga-se pelo fecho daquela abóbada (Fig. 5). A espessura dos muros é de cerca de 0.90, 0,70 e 1,30 m, de montante para jusante, e a dos contrafortes de cerca de 1,70 m, com excepção do contraforte central da margem esquerda, mais espesso.

Os muros de montante e de jusante e os contrafortes são de alvenaria irregular (opus incertum) constituída por blocos de xisto e grauvaque de dimensão média de 15 a 20 cm, atingindo frequentemente 30 cm, e por argamassa, em camadas espessas, de cal e areia contendo abundantes grãos rolados de quartzo e algumas partículas líticas.

O muro intermédio é de betão (opus caementitium) constituído por blocos de xisto e grauvaque de dimensão média de 1,5 a 2 cm atingindo frequentemente 3 cm e por argamassa dura e esbranquiçada, de cal e areia, contendo abundantes grãos de quartzo de dimensões inferiores às encontradas nos muros extremos. O betão deverá ter sido colocado com os muros adjacentes servindo de cofragem.

O muro de montante e o muro intermédio estão desmoronados em maior extensão do que o muro extremo de jusante, pelo que este tem aparente, nalguns troços, o paramento de montante. Neste paramento nota-se junto do contraforte central da margem esquerda uma camada intermédia de opus signinum, com 10 a 15 cm de espessura, numa extensão de cerca de 2 m. Tal camada, com elementos cerâmicos de grandes dimensões, de 2 a 3 cm, parece ter constituído o remate do coroamento do muro extremo de jusante, implicando, portanto, a construção desse muro em duas fases. A referida camada é reconhecida também a jusante no contraforte central esquerdo.

A construção daquele muro em duas fases é evidenciada nitidamente nos contrafortes, em que o topo da primeira fase se revela inclinado para jusante e menos nitidamente no paramento de jusante da barragem, onde as pedras se dispõem menos ordenadamente acima do nível que corresponde ao topo da primeira fase dos contrafortes, junto ao muro (Fig. 4).

Os vestígios da construção em duas fases do muro de jusante e dos contrafortes sugerem que o muro de montante e o muro intermédio correspondam à segunda fase, em que, para a maior altura pretendida, teria sido reconhecida a insuficiente resistência do muro de jusante suportado por contrafortes. O muro intermédio de opus caementitium teria um duplo objectivo: contribuir para o reforço da resistência e assegurar a estanquidade.

A montante da barragem existe um depósito de sedimentos com cerca de 2 m de espessura.

A estrutura desta barragem correspondente à última fase, com três muros justapostos e contrafortes a jusante, não foi reconhecida noutras barragens romanas em Portugal e, ao que se conheça, em qualquer outra região.

É de assinalar a existência, entre os dois contrafortes extremos da margem direita, de um poço semi-circular, construído de alvenaria, e muito provavelmente de época muito posterior à da barragem.

Na zona central existe, como já se referiu, uma câmara abobadada, com forma rectangular em planta (de 1,50 m entre contrafortes e 2,70 m na direcção perpendicular). Esta câmara tem as paredes cuidadosamente revestidas de argamassa e a abóbada está quebrada no prolongamento da brecha do muro. Na zona da brecha, o talvegue da ribeira está aprofundado em consequência da erosão do leito provocada pela veia líquida escoada através da brecha.

A abóbada, em tijoleira, desapareceu nas nascenças na margem direita. A construção mostra que a câmara é da época da barragem, convicção reforçada pela utilização de opus signinum na sua fábrica.

A finalidade da câmara não está esclarecida. As hipóteses mais plausíveis (instalação de comporta para descarga de fundo ou de uma roda motriz para moagem de cereais) levantam objecções.

Não parece lógica a instalação de uma comporta para obturar do lado de jusante uma conduta que atravessasse os muros, nem se encontram vestígios de peças de guiamento.

Teria sido possível a instalação de uma roda motriz horizontal accionada pela água proveniente de uma conduta que atravessasse a barragem, podendo uma mó, acoplada à roda, ter sido colocada acima do coroamento da barragem. Nota-se, porém, que os solos das zonas próximas não são apropriados para a cultura cerealífera. Em abono da hipótese de roda motriz, há a assinalar a referência de A. Carvalho da Costa; trata-se de mais um indício da existência na Península Ibérica de moinhos romanos de eixo vertical com rodízio. Outros indícios existem no Tanque dos Mouros, Extremoz, QUINTELA et al. 1986, p. 138, e em Andelos, Navarra (observação pessoal de J. M. Mascarenhas).

Segundo WIKANDER 1985, têm sido encontrados muito poucos moinhos de roda horizontal daquela época, não se conhecendo nenhum na Europa. Dos poucos casos conhecidos salientam-se o de Chemtou, na Tunísia, datado do III século a.C. e moinhos na Palestina e Jordânia, possivelmente da Antiguidade Tardia.

Outra utilização da água também não é conhecida. Não se conhecem vestígios de villae romanas em zonas que podiam ter sido servidas pela água da albufeira. Não é de afastar a hipótese de utilização de água para explorações mineiras, como as existentes, do período romano, na região.

O sítio no imaginário popular

Associada a esta barragem existe uma lenda que chegou até hoje pela tradição oral. Reza tal lenda, tal como foi transmitida pelo grandolense Ricardo António, nascido em 1917:

"Uma mulher que, numa noite de luar, conduzia uma vaca, ao passar junto da represa, viu sobre esta uma moura que se penteava com pente de ouro. Disse-lhe a moura: a tua vaca vai ter dois bezerros iguais; não uses o leite dela a não ser para os alimentar e, quando forem adultos, vem apresentar-mos. Nasceram efectivamente dois bezerros idênticos, brancos, e a mulher não deu outro destino ao leite da vaca que não fosse o recomendado. Porém, um dia perante o rogo duma vizinha que necessitava urgentemente de leite para acudir a um enfermo, cedeu-lhe parte do que tinha numa vasilha. Logo reconheceu o erro cometido e, irritada, derramou o resto do leite da vasilha sobre um dos bezerros, que, com grande espanto seu, viu, de imediato, coberto de malhas.

Quando os animais se tornaram adultos, a mulher conduziu-os, de noite, até ao local da represa. Aí lhe apareceu a moura que ordenou que os levasse para dentro de água, ao que ofereceram resistência. Apareceu uma canga sobre os bois, que começaram a puxar algo que estava soterrado nas areias depositadas a montante da represa e que, ao emergir daquelas, se revelou surpreendente: uma enorme trave de ouro, reluzente. Cedo se quebrou o encanto: o boi malhado cedeu e ajoelhou, logo se afundando a trave e desaparecendo a moura. Ouviu-se então uma voz: Arriba boi bragado, tiravas a trave de ouro se não te têm o leite roubado."

A lenda manteve-se e, pelo sim, pelo não, ao que consta, um grupo de grandolenses, no início do século XX, revolveu as areias represadas à procura da trave de ouro, sem êxito.

Bibliografia

COSTA, A. C. da (1708) - Corografia Portugueza e descripçam topográfica do famoso Reyno de Portugal. Lisboa: Oficina de Valentim da Costa Deslandes.

QUINTELA, A. C.; CARDOSO, J. L. & MASCARENHAS, J. M. (1986) - Aproveitamentos hidráulicos romanos a sul do Tejo. Contribuição para a sua inventariação e caracterização. Lisboa: Secretaria de Estado do ambiente e dos Recursos Naturais. Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos.

QUINTELA, A. C.; MASCARENHAS, J. M. & CARDOSO, J. L. (2009) - Barrages romains au sud du Tage (Portugal). In J. L. CARDOSO, J. M. MASCARENHAS & M. M. PORTELA (cords.), Trabalhos de Hidráulica Antiga, em homenagem a António Carvalho Quintela. Epal – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., p. 63-94.

LEAL, A. P. (1874) - Portugal Antigo e Moderno, 3. Lisboa: Mattos Morreira & Ca.

WIKANDER, O. (1985) - Mill-channels, Weirs and Ponds. The Environement of Ancient Water-Mills. Opuscula Romana, 15. Estocolmo, p. 149-154.

 

António Carvalho Quintela

José Manuel Mascarenhas

João Luís Cardoso

 

Fig. 1 – Barragem do Pego da Moura. Localização e bacia hidrográfica (folha 495 da CMP). Seg. Cardoso, Mascarenhas e Portela, 2009.

 

Fig. 2 – Planta e corte da Barragem do Pego da Moura. Seg. Cardoso, Mascarenhas e Portela, 2009.

 

Fig. 3 – Barragem do Pego da Moura. Vista de montante, desde a margem esquerda. Seg. Cardoso, Mascarenhas e Portela, 2009.

 

Fig. 4 – Barragem do Pego da Moura. Contraforte com duas fases de construção; as setas assinalam a separação entre ambas. Seg. Cardoso, Mascarenhas e Portela, 2009.

 

Fig. 5 – Barragem do Pego da Moura. Câmara abobadada por onde passa a ribeira. Seg. Cardoso, Mascarenhas e Portela, 2009.